A agenda popular e democrática da Confecom
No último dia 22, chegou ao fim a maratona de realização das etapas estaduais da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que envolveu eventos em todas as 27 Unidades da Federação. Como não puderam votar propostas – limite imposto pela Resolução Nº 8 da Comissão Organizadora Nacional –, estes eventos ficaram limitados à eleição de delegados. Escolhidos os representantes dos três segmentos à etapa nacional, marcada para os dias 14 a 17 de dezembro em Brasília, as atenções voltam-se agora à discussão sobre o conteúdo das resoluções que sairão deste evento.
O processo da Conferência não foi fácil. Desde o seu início, ele foi limitado e restringido por sucessivos regramentos definidos a partir dos condicionantes e ameaças impostos pelo empresariado do setor. Isso resultou num privilégio desmedido a este segmento, sustentado não apenas pelo governo federal mas como por parte das entidades da sociedade civil integrantes da Comissão Organizadora Nacional.
A justificativa destas últimas para tal posicionamento se apoiava na avaliação que, sem a presença dos três setores, a Confecom corria riscos de não ser realizada ou fracassaria. Em uma conclusão nossa a partir deste raciocínio, feitas as concessões necessárias para que a Confecom fosse assegurada, não haveria mais a necessidade de limitar a estratégia de construção de uma agenda democrática e popular para as políticas de comunicação do país.
Independente das avaliações sobre os caminhos traçados até agora, já debatidas exaustivamente pelos vários atores envolvidos no processo, há de se reforçar a importância de uma estratégia no sentido do apontado no parágrafo anterior. A etapa nacional, depois de um difícil desenrolar, pode colocar a Confecom como ponto de virada na história das comunicações brasileiras caso consiga aprovar uma agenda democrática e popular para o setor.
O alcance deste objetivo demanda um grande esforço por parte das entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais. Em primeiro lugar, para conseguir consensuar uma plataforma comum a partir do rico conjunto de propostas apresentado por grupos como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Partido Comunista do Brasil e a Associação Brasileira de Canais Comunitários (Abccom), além do movimento negro e de mulheres.
Pelos debates realizados nas conferências estaduais, tal empreitada se mostra viável. É possível arriscar que há possibilidades de acordo em torno de um novo marco regulatório calcado em pontos como: (1) a constituição de órgãos reguladores abertos à participação da sociedade, (2) a forte limitação da concentração de propriedade dos meios de comunicação, (3) a ampliação da transparência e da participação da população na concessão e renovação de outorgas, (4) o fortalecimento da mídia pública e comunitária, (5) a proteção do contéudo nacional e a instituição de cotas para estimular a produção regional e independente, (6) a democratização das verbas oficiais de publicidade, (7) a implantação de mecanismos para coibir a representação distorcida e desequilibradas de segmentos minorizados e oprimidos, bem como para ampliar o espaço destes na mídia, e (8) a promoção, pelo Estado, de uma política que assegure o acesso dos brasileiros à internet em banda larga.
É preciso ainda ajustar, entre os diversos atores, as formas concretas que cada uma destas diretrizes assume. Há ainda idéias diversas sobre a composição dos órgãos reguladores, a caracterização dos sistemas público, privado e estatal, a competência de municípios para outorgar autorizações de radiodifusão comunitária, percentuais e destinatários alternativos da publicidade governamental, fontes de receita para os mecanismos de financiamento e forma da universalização do acesso à banda larga. Estes desacordos, contudo, se mostram mais pontuais do que estruturais, o que abre caminho para uma extensa e qualificada pauta conjunta. Associa-se ao desafio do processo de síntese programática a necessidade de assegurar posturas de construção coletiva e respeito entre o conjunto deste segmento para que tal empreitada seja bem sucedida.
Indo além dos muros da sociedade civil, faz-se necessário estabelecer uma interlocução com os representantes do poder público, em especial com o governo federal, cujos delegados serão o “fiel da balança”. A tomar pela divulgação das propostas do Executivo Federal, há brechas importantes para viabilizar tal movimento. Em diversos pontos, as elaborações do promotor da Confecom se aproximam desta possível plataforma comum dos movimentos sociais.
No entanto, para que esta expectativa se concretize, deve haver disposição tanto por parte dos movimentos sociais quanto pelo governo federal para enfrentar as já conhecidas resistências do setor empresarial, que não abre mão dos privilégios constituídos ao longo da Ditadura Militar e das duas gestões de Fernando Henrique Cardoso. Não haverá democratização da comunicação no país sem mexer nas estruturas já consolidadas do setor. Terão, a sociedade e os dirigentes do Executivo Federal, a oportunidade de iniciar a realização de uma das principais tarefas históricas ainda não assumidas por este governo.
*Jonas Valente é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, entidade que representa na Comissão Organizadora da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Twitter: @jonasvalente