Há cada vez mais muros por derrubar
Poucos saberão que existe ainda um muro a dividir uma capital europeia, um caso único em todo o mundo. É em Nicósia, a capital do Chipre onde os habitantes não saem à rua sem levar o passaporte, que lhes serve para atravessar o checkpoint da rua Ledra e passar esta “linha verde” que separa a zona grega da zona turca. Um hábito que já se tornou rotina para quem vive dos dois lados do muro, embora a livre circulação tenha sido restabelecida apenas em 2003, quase 30 anos após a invasão turca da ilha, em resposta ao golpe de estado apoiado pela ditadura grega. Hoje em dia, os cipriotas de ambos os lados do muro continuam à espera de ver mais avanços no processo de reunificação da ilha.
O muro mais conhecido da actualidade foi erguido pelos israelitas, ao longo de uma fronteira que mais ninguém reconhece e que foi desenhada de forma a anexar territórios da Cisjordânia, isolando as localidades palestinianas e reforçando os colonatos mais importantes.
A construção começou em 1994, sob um coro de críticas e condenação até por parte do Tribunal Internacional de Justiça de Haia, que dois anos mais tarde o declarou ilegal. Mas isso não impediu os governos de Israel de prosseguirem com o plano de 700 quilómetros de muro erguidos a 8 metros de altura. O cerco aos palestinianos completa-se com a barreira que atravessa a faixa de Gaza e o muro de Rafah, na fronteira com o Egipto.
A contestação da opinião pública internacional também não impediu a construção de mais de 900 dos mais de 3000 quilómetros do “muro da vergonha” com que os Estados Unidos pretendem impedir a imigração dos mexicanos. O impacto social e ambiental desta gigantesca construção tem sido alvo de contestação em ambos os países.
Para além dos muros mais mediáticos, outras divisões passam quase despercebidas da opinião pública internacional. O mais próximo de Portugal é a cerca de arame farpado que a União Europeia financiou para isolar Ceuta e Melilla do território marroquino, com o mesmo objectivo dos norte-americanos na fronteira do México. Por seu lado, os marroquinos também fizeram a sua barreira de 2700 quilómetros no Sara Ocidental, justificando-a com a protecção contra os guerrilheiros da Frente Polisário. Ainda em África, as barreiras que impedem a circulação de pessoas estendem-se à fronteira do Botswana e do Zimbabwe, e deste país com Moçambique e a África do Sul.
Outros muros foram construídos na sequência de guerras e ocupações, como o que as tropas norte-americanas ergueram em Bagdade em 2007, dividindo as comunidades sunita e xiita da capital iraquiana. No vizinho Irão, o muro que está a ser construído separa ainda mais o país do vizinho Paquistão. Do outro lado, também a Índia constrói uma cerca na maior parte dos 1800 quilómetros que a separa dos paquistaneses. E o regime de Islamabad, cada vez mais cercado, parece concordar com a receita, tendo anunciado em 2005 os seus planos para erguer um muro na fronteira com o Afeganistão. Para além deste projecto e das barreiras que protegem algumas zonas de Cabul, os afegãos contam também com cercas eletrificadas e de arame farpado do lado uzbeque da fronteira. O arame farpado é também o material dominante na froteira do Uzbequistão com o Quiguistão. Em contrapartida, os uzbeques são obrigados a contemplar a barreira construída pelo Uzbequistão ao longo de 1700 quilómetros da fronteira comum. E há outras fronteiras que separam em vez de unir, recorrendo a muros, cercas e barreiras várias. Para além dos já citados, vejam-se os casos da Tailândia com a Malásia, das Coreias, da China com Hong-Kong, Macau e Coreia do Norte e da Rússia com vários países.
Publicado no site Esquerda.net em 7/11/2009