Marighella é cidadão paulistano
Antonio Candido, com seus 91 anos, aplaudido de pé ao ser chamado para compor a mesa, levou um minuto: "Marighella entrou para a História. É um brasileiro que transcendeu as contingências. É um herói da nossa história".
Há 40 anos Marighella foi morto em São Paulo, na alameda Casa Branca, nº 802, numa tocaia infame montada pelo DOPS de Sérgio Fleury.
Vereador Italo Cardoso(esq.) entrega título à viúva de Marighella, Clara Charf e ao filho dele, Carlos Augusto (Foto: Juvenal Pereira/Câmara Municipal de São Paulo)
Quarenta anos depois a Câmara de São Paulo concedeu o título de Cidadão Paulistano a Marighella (projeto de Italo Cardoso – PT).
Na noite de 4 de novembro de 1969, Carlos Augusto recebeu a notícia da morte do pai em Salvador. Ele e o tio Humberto resolveram ir a São Paulo. Foram procurados por dois coronéis fardados e advertidos que poderia
haver represália caso fossem a São Paulo providenciar o enterro, pois no tiroteio (era uma farsa) uma investigadora teria morrido e um delegado ficado ferido. Foram para São Paulo, mas ele já tinha sido enterrado como indigente na calada da noite.
Mataram-no porque o temiam vivo nas prisões, como símbolo e líder efetivo. Temiam-no morto também. Carlos Augusto e o tio Humberto selaram o compromisso de buscar toda a verdade. Hoje se sabe como Marighella foi executado sem ter chance de se defender.
Só dez anos depois seus restos foram transferidos para o Cemitério das Quintas em Salvador. Jorge Amado encerrou sua homenagem ao ilustre amigo dizendo: "Retiro aqui da maldição e do silêncio o seu nome". Niemeyer esculpiu-lhe a lápide: "Não tive tempo de ter medo".
Marighella reuniu 40 anos depois em torno de Clara Charf, Carlos Augusto e da neta Maria pessoas como Antonio Candido, Aloysio Nunes Ferreira (pré-candidato a governador de São Paulo pelo PSDB), Zé Dirceu, Paulo Abrão (presidente da Comissão de Anistia), Sérgio Mamberti, Idibal Pivetta, Esther Goes, Augusto Chagas (UNE), PCdoB, PCB, PDT, PSB, PT e muitos jovens.
De manhã, na Alameda Casa Branca cerca de 80 pessoas se reuniram em torno da pedra que marca o local da emboscada. Aton Fon Filho, Alípio Freire, Luiz Eduardo Greenhalgh, João Pedro Stédile, os velhos comunistas, ex-presos foram depositar flores no pequeno monumento, quando, de um prédio vizinho alguém gritou: "Esta rua deveria chamar-se Comandante Carlos Marighella".
Mais de 80 pessoas se reuniram na Alameda Casa Branca, onde Marighella foi assassinado (fotos: Flamarion Maués)
Houve homenagens no Rio, em Salvador, em Fortaleza, e provavelmente, em várias cidades do Brasil. A imprensa fez registros acanhados. Ela continuam ignorando Marighella e Lamarca. O presidente Lula enviou uma declaração referindo-se a Margihella como herói. A Fundação Perseu Abramo publicou "A imagem e o gesto – fotobiografia de Carlos Marighella" e criou a página especial "40 anos sem Marighella" aqui no portal.
*Nilmário Miranda é jornalista e presidente da Fundação Perseu Abramo. Esteve preso durante a ditadura militar e foi ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos