Por uma CPI do latifúndio midiático
Em seu Livro dos Abraços, Eduardo Galeano nos conta de uma tribo indígena que decepava a cabeça de seus adversários e as deixava minguar até caber na palma da mão. Para impedir qualquer surpresa desagradável, ainda costuravam sua boca.
Em seu Livro dos Abraços, Eduardo Galeano nos conta de uma tribo indígena que decepava a cabeça de seus adversários e as deixava minguar até caber na palma da mão. Para impedir qualquer surpresa desagradável, ainda costuravam sua boca.
Guardadas as proporções de sentido, é exatamente esta a direção do empenho dos barões da mídia quando inundam a programação das “suas” emissoras de rádio e televisão com desinformação e alienação. Entre outros lixos tóxicos, despejam cotidianamente em milhões de lares doses de apatia e criminalização dos movimentos sociais, a quem tentam macular com os antivalores do oportunismo, da covardia e da violência. Com a surrada fórmula da repetição, já que instrumentalizam os meios de comunicação para contaminar e degradar o ambiente das relações pessoais, buscam apequenar cérebros, silenciar falas, deturpar conceitos…
Felizmente, há lições que ficaram, aprendidas pelos anos de engano e manipulação, de edição de debates televisivos, de programas editorializados que interpretavam a realidade ao bel prazer do anunciante. Bem menos dócil e muito menos conformada, a população vem fazendo a sua própria leitura, ampliando a independência, cortando os fios que a buscavam conduzir mais para ser menos.
Compreendendo a comunicação social como direito humano, e comprometida com a sua democratização, a CUT propôs, com o respaldo das demais centrais sindicais, um projeto que dá vida à determinação constitucional do direito de antena, garantindo a abertura de um espaço que é público – mas erroneamente aproveitado de forma privada – a estas entidades. Uma vez aprovado o projeto, encaminhado pelo deputado Vicentinho, teremos o espaço sindical gratuito no rádio e na televisão, nos mesmos moldes do horário eleitoral, conforme a representatividade de cada central.
Assim que manifestamos a decisão, a reação fez-se ouvir por editoriais e matérias consagradas a denunciar o desplante da “República Sindical”, havendo filas de colunistas, prenhes de mentiras e calúnias, repetindo o jargão de seus patrões.
O que está por trás da CPI do MST senão a produção de desmemória coletiva? Ou a repetição de uma tomada aérea de pés de laranja arrancados é mais notícia do que a invasão de terras públicas pela Cutrale? E o que dizer dos milhões de litros de pesticidas lançados sobre o campo pelo agronegócio, concentrador de renda, que polui, desemprega e mata? Por que a campanha pela redução da jornada para 40 horas semanais não aparece no noticiário, nem os milhares de mutilados e lesionados pela intensidade do ritmo de trabalho, pela precarização? Por que não há reportagens sobre os que enriqueceram com as privatizações/desnacionalizações durante o desgoverno FHC? Por que a cratera do metrô, que matou em São Paulo, não ganha destaque, assim como os pedágios mais caros do Brasil, que ficam no mesmo Estado, e os piores salários de policiais e professores? Para que serve a propaganda da Sabesp no Nordeste?
Afinal, quantas vezes você leu, viu ou ouviu que o relatório da Polícia Federal sustenta que “uma das atividades em que atua a organização criminosa, liderada por Daniel Dantas, é na compra e venda de fazendas, gado e outros negócios agropecuários”? Por que os que se dizem defensores da liberdade de imprensa e do debate se retiraram da Conferência Nacional de Comunicação e não querem debater a comunicação como política pública com participação social?
Será por que é necessária uma CPI do latifúndio midiático?
Rosane Bertotti é secretária nacional de Comunicação da CUT e membro da Comissão Organizadora da Confecom.
Publicado no Portal do PT em 04/11/2009