Thomas I. Palley: Uma segunda Grande Depressão ainda é possível
Ao longo do ano passado a economia global experimentou uma contração massiva, a mais profunda desde a Grande Depressão dos anos 30. Porém, nesta primavera, os economistas começaram a falar em “green shoots” (1) de retomada e essas afirmações otimistas rapidamente se espalharam por Wall Street. Mais recentemente, no aniversário da quebra do Lehman Brothers, o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, abençoou oficialmente esse consenso, ao declarar que a recessão estará “encerrada muito brevemente”.
O futuro é fundamentalmente incerto, o que faz com que a prática de predições sempre seja um empreendimento temerário. Isso quer dizer que há uma boa chance de o novo consenso estar errado. Em vez disso, há bases sólidas para acreditar que a economia dos EUA experimentará uma segunda queda, seguida por prolongada estagnação que será qualificada como a segunda Grande Depressão. Algumas indicações desse efeito já podem ser percebidas na inesperada ampliação das perdas de postos de trabalho nos EUA em setembro, e a queda na venda de automóveis nos país segue o fim do programa “Cash for Clunkers” (2).
Que esse cenário rosa de pensamento tenha retornado a Wall Street nao deveria surpreender. Wall Street lucra com o aumento do preço dos títulos sobre os quais acarreta taxas de gerenciamento, ganha com a negociação para recomendá-los, e com o encorajamento de retenção de investimentos para comprar ações que estimulam as transações. Esses ganhos são muitíssimo maiores quando as ações do mercado estão em alta, o que explica a propensão genética de Wall Street a pressionar a economia.
Quanto aos economistas mainstream, seus modelos teóricos foram ofuscados pela crise e eles só predizem a recuperação por conta dos compromissos declarados nos seus modelos. De acordo com a teoria mainstream, está dado que o pleno emprego é um ponto de gravidade em relação ao qual a economia está recuada.
Modelos de econometria empíricos são igualmente questionáveis. Eles também predizem a recuperação gradual, mas que seja dirigida por critérios de reversão de tendências observadas em dados passados. O problema, como dizem os investidores profissionais, é que “o desempenho anterior não é critério para o desempenho futuro”. A crise econômica representa a implosão do paradigma econômico que comandou o crescimento estadunidense e global ao longo dos últimos trinta anos. Esse paradigma estava baseado no aumento do consumo estimulado pelo endividamento e pela inflação dos preços das ações, e se foi.
Há uma lógica simples para explicar por que a economia experimentará uma segunda queda. Essa lógica repousa na desaceleração que produz, inevitavelmente, um castigo em duas etapas. A primeira já está em curso, e provocou a crise financeira que causou a pior recessão desde a Grande Depressão. A segunda apenas começou.
A desaceleração pode ser entendida através de uma metáfora na qual um carro simboliza a economia. Emprestar é como pisar no acelerador e acelerar a atividade econômica. Quando o empréstimo pára, o pé se afasta do pedal do acelerador e o carro diminui a velocidade. Contudo, agora o motor do carro está sobrecarregado pela acumulação de débito, de modo que a atividade econômica diminui em comparação com o nível anterior.
Com a desaceleração, as economias domésticas aumentaram a liquidação e negociação de dívidas. Essa é a segunda etapa e é como pisar no freio, o que faz com que a economia desacelere ainda ao nível de uma queda dupla. A rápida desaceleração, como a que está acontecendo agora, é equivalente a pisar no freio com força. O único aspecto positivo é que isso reduz o endividamento, o que é quase a mesma coisa que remover peso da máquina. Isso ajuda a estabilizar a atividade num nível mais baixo, mas não acelera o carro como dizem os economistas.
Infelizmente a metáfora do carro só dá conta parcialmente das condições atuais, à medida que defende que o processo de desaceleração na economia é estável. Ainda, já houve uma crise financeira e a economia real está agora infectada por um processo multiplicador causando gastos mais baixos, perda massiva de emprego e falências comerciais. Essa desaceleração a mais cria a possibilidade de uma queda em espiral que constituiria uma depressão.
Essa espiral é capturada pela metáfora do Titanic, que foi pensado para ser impecável devido aos seus próprios tabiques sequencialmente estruturados. Contudo, esses tabiques não tinham teto, e quando o Titanic bateu no iceberg que danificou seu lado, os tabiques da frente se encheram d’água e se renderam. A água, então, agitou os tabiques da popa, causando o naufrágio do navio.
A economia dos EUA bateu num iceberg de endividamento. O dano resultante ameaça o fluxo dos mecanismos de estabilização da economia, que o economista Hyman Minsky chamou de “thwarting institutions” [algo como “instituições de anulação”].
O seguro desemprego não está no topo de sua magnitude e está expirando para muitos trabalhadores. Isso projeta na sequência uma redução dos gastos e o agravamento do problema das hipotecas.
Os Estados estão limitados pelas exigências de equilíbrio fiscal e estão cortando gastos e empregos. Consequentemente, o setor público está jogando o setor privado em contradição.
A destruição das economias domésticas significa que muitos lares estão no limite ou com saldo negativo em seus orçamentos. Isso aumenta a pressão para salvar e bloquear o acesso a empréstimos que podem dar o impulso inicial da recuperação. Mais ainda, tanto as economias domésticas como o setor comercial enfrentam bancarrotas extensivas, que amplificam o choque multiplicador de perdas e também limitam a atividade econômica futura ao destruir históricos de crédito (3) e o acesso ao crédito.
Por último, os EUA continuam a sangrar através da tripla hemorragia de déficit comercial que drena os gastos via importações, trabalho de imigrantes ilegais e investimentos desregulados. Essa hemorragia ficou evidenciada no programa “Cash for Clunkers”, no qual oito em cada dez veículos dos mais vendidos eram de marcas estrangeiras. Consequentemente, mesmo enormes estímulos fiscais teriam seu efeito reduzido.
A crise financeira criou uma onda de retornos nos mercados financeiros. Uma desaceleração sem paralelo e o processo multiplicador repercutiu de modo adverso na economia real. Esse é um retorno dificílimo de ser revertido, o que explica por que uma segunda Grande Depressão permanece uma possibilidade real.
(*) Thomas Palley é pós-doutorado em Economia pela Universidade de Yale, e criador da organização não-governamental Economics for Democratic & Open Societies (Economia para Sociedades Abertas e Democráticas)
Página do autor: http://www.thomaspalley.com
Notas
(1) N.deT. Em economia, a expressão “green shoots” pode ser uma queda nos números do desemprego, uma subida nas vendas no varejo ou na confiança do consumidor. Tudo isso representa pontos de partida para o crescimento econômico depois de uma recessão. Agora, se de fato está em curso essa retomada a partir da verificação desses índices é uma outra questão. in: http://www.davemanuel.com/investor-dictionary/green-shoots/
(2) N.deT. O programa “Cash for Clunkers”, em tradução livre “Dinheiro para Carroças”, do governo federal estadunidense é um programa de subsídios para a aquisição de automóveis novos, a título de estímulo fiscal para a retomada do crescimento econômico. Os proprietários de automóveis podiam receber subsídios para trocar seus carros por novos na ordem de quase 5 mil dólares, desde que os carros em via de aquisição fossem mais eficientes na relação entre aproveitamento de combustível e custo do mesmo. Esse programa, durante um período, estimulou as vendas do setor, mas estaria, conforme afirma o autor do artigo, sem apresentar resultados satisfatórios, no momento.
(3) Sobre o conceito de histórico de crédito, ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Credit_history N.deT.
Tradução: Katarina Peixoto