Voltar ao Largo General Osório
24 de outubro de 2009. Voltar ao Largo General Osório, quase quarenta anos depois. O edifício de tijolo aparente abriga a “Estação Pinacoteca do Estado de São Paulo”. Aqui se mantém o espaço “Memorial da Resistência” para marcar a memória do que testemunharam, ao longo de décadas, essas paredes: o medo, a angústia, os gritos represados, a brutalidade dos interrogatórios sob tortura, o sequestro de presos na madrugada, o esquadrão da morte, a esperança contra toda esperança, os assassinatos de presos políticos. Aqui funcionou durante muitos anos ao longo do século XX o DEOPS, no período da Ditadura Vargas depois DOPS, no período da Ditadura Militar, de 1964 a 1985.
24 de outubro de 2009. Reunimos ali um grupo de pessoas para homenagear três combatentes da resistência à Ditadura dos generais: Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, dirigente comunista; o jornalista Vladimir Herzog e o operário metalúrgico Santo Dias. Os três foram assassinados naqueles anos, dois sob tortura, nas mãos dos esbirros do regime, o terceiro, Santo Dias em frente à fábrica onde trabalhava, durante a repressão armada a uma greve.
Nesse 24 de outubro de 2009, reunimos em grande medida um grupo de sobreviventes. Para o lançamento de dois testemunhos. O primeiro, editado pela Plena Editorial: “Resistência Atrás das Grades”, extraído do diário da greve de fome dos presos políticos de S. Paulo, em 1972, do militante Maurice Politi. O segundo, “Poemas do Povo da Noite” que organiza os poemas que escrevi durante o período de prisão – 1972 a 1977 – reeditado pela Editora Fundação Perseu Abramo e Publisher Brasil. Ambos procuram algo além do registro: lançar sobre o papel a narrativa dramática – e poética – de homens e mulheres que resistiram à opressão do regime e permitir assim que essa palavra seja recolhida pelos olhos e pelo coração das gerações que nos sucedem.
Aqueles homens e mulheres que se reuniram ali, maduros, grisalhos, não perderam a luz da paixão que os moveu. Terão talvez aprendido que “A revolução que acalentamos na juventude, faltou. A vida não. A vida não falta. E não há nada mais revolucionário que a vida.” E, trinta anos depois, pudemos no próprio espaço físico que testemunhou os horrores que vivemos homenagear três homens que imprimiram a marca de sua coragem na resistência à opressão.
Em algum lugar dos “Poemas do Povo da Noite” está escrito um verso que diz: “O que pode o grito se não se perpetua?” Nesse 24 de outubro de 2009 encontramos talvez uma forma de perpetuar o grito do poeta, pelo gesto multiplicado de tantos que acolheram a palavra e a converteram no trabalho de milhares de mãos. Aquelas mãos submissas que teceram na sombra, anos a fio, a luz imperceptível da madrugada que acendemos, sem desenho prévio, no coração de nossa gente…
*Pedro Tierra é poeta. Membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo
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