Em artigo publicado no jornal La República, o senador Rafael Michelini analisa o significado da eleição presidencial de 25 de outubro, que será acompanhada de dois plebiscitos. Michelini aponta três objetivos centrais para a Frente Ampla, que governa o país: vencer a eleição no primeiro turno, com José Pepe Mujica (foto), e vencer os dois plebiscitos, um sobre a anulação da lei que anistiou policiais e militares acusados de violação de direitos humanos durante a ditadura militar, e outro sobre o direito de voto para uruguaios residentes no exterior.

O artigo:

No dia 25 de outubro, nós, uruguaios, teremos que tomar três decisões que definirão boa parte de nosso destino. Está diante de nós não só a oportunidade de um novo triunfo da Frente Ampla no primeiro turno, mas também o desafio dos plebiscitos, que representam decisões fundamentais para o futuro de nossa democracia.

Não prestar atenção nisso ou preocupar-se somente com perfil ou o resultado eleitoral desta ou daquela lista da Frente Ampla, não dar a prioridade que os plebiscitos merecem nem considerar o enorme valor democrático de ambas as instâncias, representaria um grave e imperdoável equívoco, do qual nos arrependeríamos em um prazo muito curto.

Votar na papeleta rosada é votar SIM à anulação da Lei da Caducidade. É expressar uma demonstração, um gesto cidadão indispensável contra a impunidade. É colocar-nos em dia com uma dívida que temos conosco mesmo como país, como comunidade. Significa eliminar, apagar de nosso ordenamento jurídico uma lei que só expressa injustiça e impunidade, que representa um lastro autoritário e um anti- valor no marco de nossa democracia. É um voto a favor da verdade, da justiça, da igualdade de direitos e da liberdade.

Votar SIM para anular a Lei de Caducidade é uma reafirmação democrática, a reafirmação dos valores que dignificam a vida cidadã, é a melhor forma de dizermos todos juntos: “nunca mais terrorismo de Estado, nunca mais ditadura”.

A luta contra a impunidade pertence a nossa democracia, a nossa sociedade, e a temos levado adiante em todo momento e em diversas dimensões. Estamos fazendo isso, desde o nosso governo, como nunca antes foi feito: com a busca e descoberta de cidadãos desaparecidos, investigando e tratando de obter a maior informação possível para colocá-la à disposição das vítimas, dos familiares das vítimas e de toda a cidadania.

Mas o capítulo mais importante tem sido aplanar o caminho da justiça. Aqueles casos que foram encaminhados ao nosso Poder Executivo receberam todos a mesma resposta. Eles foram considerados fora da Lei de Caducidade e graças a isso foi possível deter e processar alguns militares e policiais responsáveis por graves violações de direitos humanos. Mas enquanto se mantiver essa lei, muitos outros casos não poderão ser esclarecidos e seguirá havendo impunidade em nosso país.

A dor e a morte são irreparáveis. A verdade e a justiça constroem o presente, cimentando o futuro. Votar no dia 25 de outubro contra a impunidade é apostar em nós mesmos, recuperando nossa dignidade e o orgulho de superar-nos como sociedade. É uma grande aposta no futuro para que as novas gerações possam viver em liberdade, sem a carga de um passado de impunidade, sem o peso vergonhoso de uma lei que consagra a injustiça.

No outro plebiscito, votar na papeleta branca é votar SIM para garantir o direito de voto aos cidadãos uruguaios que residem no exterior. Representa uma decisão coerente com uma visão moderna e inclusive de nossa democracia, que busca ampliar e garantir o exercício de um direito fundamental, como é o do voto, a todos os cidadãos. O mesmo direito já consagrado e exercido pelos cidadãos de uma enorme quantidade de países no mundo e na nossa própria região, como México, Chile, Argentina e Brasil, entre outros.

Porque o Uruguai é mais que um território, é a vida de uma comunidade e, portanto, não pode restringir o exercício de direitos somente aqueles cidadãos que vivem dentro de nossas fronteiras. Somos um país de quatro milhões de uruguaias e uruguaios; o Uruguai é seu povo e residir no exterior não pode significar a exclusão da cidadania de nossos compatriotas.

Tornar possível o exercício do direito ao voto para os uruguaios que estão no exterior é o primeiro passo para recuperar sua participação e integrá-los ao sistema de decisões de nossa democracia. É um passo imprescindível também para garantir a igualdade de direitos entre os eleitores.

Pois hoje exercem livremente o direito ao voto aqueles uruguaios que, residindo no exterior, têm as possibilidades materiais para viajar a seu país e estar presentes no dia da eleição. Enquanto isso, a enorme maioria, aqueles que não têm condições de viajar, não podem exercer seu direito. Possuem esse direito ao voto, portanto, os uruguaios que, estando no exterior, vem votar no Uruguai. Mas, para isso, têm que ter tempo, saúde e, sobretudo, recursos.

É por isso que queremos que este direito possa ser exercido plenamente por todos os uruguaios, estejam onde estiverem, tenha os recursos que tiverem.

A outra vitória para nosso povo é o triunfo da Frente Ampla, no primeiro turno. Essa luta de dar oportunidades aos filhos dessa terra, estejam onde estiverem, é fundamental para gerar uma participação cidadã superior e permitir que todos os cidadãos deste país possam eleger o presidente, por mais longe que estejam.

Nenhum destes triunfos será completo se não agregarmos a vitória da esquerda no primeiro turno. Não se trata simplesmente de ganhar uma eleição nacional, de ganhar por ganhar, de ganhar para que não ganhe a direita. Bem longe de nós querer converter esse processo em um evento desportivo. Trata-se, isso sim, de afirmar a continuidade no governo do único projeto de mudança capaz de gerar a modernização e o desenvolvimento do nosso país. Trata-se de assegurar o rumo e o aprofundamento das reformas implementadas pelo governo de Tabaré Vázquez, com novos objetivos e desafios para o Uruguai do futuro, para a construção progressiva de um Uruguai integrado, mais próspero.

Trata-se de ganhar para consolidar o projeto igualitarista de esquerda. É isso que está em jogo: dois projetos. Um de esquerda, solidário, igualitário e eqüitativo; o outro, da direita, individualista e conservador.

Uma nova vitória da Frente Ampla no primeiro turno constitui um grande passo adiante para romper definitivamente com o passado de crise e mediocridade que suportamos durante tanto tempo e para consolidar o caminho do Uruguai pujante, empreendedor, em crescimento, dos últimos cinco anos. Seria um golpe demolidor para as aspirações de “voltar atrás”, proclamadas pela fórmula Lacalle-Bordaberry, a melhor expressão da direita e do conservadorismo, a melhor fórmula para fazer o Uruguai regressar ao passado e ao fracasso, para o país da estagnação e da mediocridade. Seria demolidor para essa visão individualista que a direita tem da sociedade.

Efetivamente, o triunfo da esquerda no primeiro turno evidenciará as debilidades políticas dos partidos tradicionais, que terão que se renovar muito para apresentar-se novamente, com chances no futuro, à sociedade uruguaia. Ao mesmo tempo, o triunfo da esquerda vai consolidar todos os êxitos do governo de Tabaré Vázquez, aprofundar todas as reformas que temos feito, implementar as mudanças e propostas para esta segunda etapa que foram aprovadas no V Congresso da Frente Ampla, Cro. Zelmar Michelini.

Mas o mais importante é que um novo governo da Frente Ampla representará um golpe mortal para o clientelismo político que blancos e colorados desenvolveram neste país e que trouxe tanta pobreza. Esse país do passado, com essas práticas e essa forma de fazer política deve ser sepultado para sempre.

Vamos por nossas três vitórias, três vitórias para o Uruguai e sua gente, vamos conquistá-las, todos juntos, no dia 25 de outubro. São três vitórias em um mesmo ato e em um mesmo momento. São três vitórias pela liberdade, pela justiça e pelo futuro. São três vitórias histórias e nenhuma pode ficar pelo caminho.

Rafael Michelini é senador da República do Uruguai pela coalizão de esquerda Novo Espaço/Frente Ampla.

Publicado na Agência Carta Maior, a partir de original do jornal La República, de Montevidéu, em 17/10/2009.

Tradução: Katarina Peixoto