Engajado em projetos e atividades múltiplas, de enorme importância para a política externa, como a consolidação do Mercosul e a articulação da integração sulamericana, assim como a participação expressiva dentro do G-20 para a superação da crise e a democratização das relações internacionais, e ainda a reestruturação da ONU, especialmente do seu Conselho de Segurança, incluindo a pretensão de ocupar um dos seus assentos permanentes, o Brasil é surpreendido com o envolvimento direto e frontal, inesperado e indesejado, na crise política de Honduras.

Surpreendido, sim, porque não creio, nem posso crer que, empenhado na multiplicidade e tarefas ingentes e urgentes como as que acima estão referidas, pudesse o Itamarati ter tido qualquer participação mínima no
retorno do Presidente Manuel Zelaya ao seu país e no pedido de refúgio em nossa embaixada. Nossas preocupações estavam e estão voltadas para a América do Sul, nosso continente. América Central e Caribe é ainda uma região de reconhecida hegemonia da liderança norte-americana, reforçada pela adesão do México à comunidade econômica do Norte. Fomos chamados, sim, à participação na missão de paz no Haiti, não recusamos, mas foi uma presença claramente pontual, da qual devemos nos retirar em breve com o sentimento de missão cumprida.

Honduras, decididamente, não estava no rol das prioridades brasileiras de caráter internacional. E, entretanto, caiu no colo do Itamarati, e não há como fugir à responsabilidade. Assim é a política, viveiro de problemas inopinados.

Foi inegavelmente uma operação bem planejada e muito bem executada, num momento amadurecido pela passagem do tempo sem nenhuma providência mais efetiva por parte da comunidade americana, especialmente dos EE UU, ameaçando constituir-se numa situação de golpe militar esquecido, de fato consumado, ainda que declaratoriamente repudiado. Momento oportuno também pela coincidência com a abertura da Assembléia Geral da ONU.

Noticia-se que a ação teve a inspiração e a ajuda material do Presidente Chavez, o que é não só possível como provável, em vista do interesse por ele já demonstrado em favor da recondução do presidente deposto, que ele pretende incluir no rol dos seus liderados, bem como pela aspiração de protagonismo e comando que vem manifestando nas regiões andina e caribenha.

E então o Presidente Manuel Zelaya subitamente, e secretamente, apareceu em Tegucigalpa, pedindo refúgio de perseguido político na porta de uma embaixada. Qual? A dos Estados Unidos, onde historicamente ficou
Haya de La Torre, o perseguido peruano, por dezenas de anos em Lima? Não, porque não seria uma embaixada confiável, ante a inércia americana demonstrada frente aos golpistas hondurenhos; para não falar na tradição de apoio a golpes militares na região. A outra que, em outros tempos, seria naturalmente a escolhida, a do México, não era também mais confiável, pelo seu comprometimento profundo com o grande vizinho do norte através do NAFTA. A terceira opção, em termos de eficácia, de poder de pressão, de respeitabilidade, era a do Brasil. E o Brasil foi escolhido, Manuel Zelaya, presidente deposto por golpistas em Honduras, materializou-se de repente, pedindo abrigo na porta da nossa embaixada.

*Saturnino Braga, ex-senador pelo PT, é membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo e autor do livro recém lançado O curso das Ideias – História do pensamento político no mundo e no Brasil (EFPA).

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