O absurdo e violento cerco militar à Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, promovido por um governo golpista condenado de forma unânime pela comunidade internacional, inclusive por graves violações dos direitos humanos, gerou por aqui reações desencontradas.

Muitos, como eu, condenaram a violência perpetrada contra uma missão protegida pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Redigi moção de repúdio que foi aprovada no Senado Federal.

Nela, afirmei o óbvio: o cerco à embaixada é inaceitável, o abrigo a Manuel Zelaya é necessário e sua volta ao cargo de presidente constitui-se numa demanda legítima da comunidade internacional.
No plano mundial, muitos governos manifestaram sua solidariedade ao Brasil. Entretanto, para meu espanto, internamente há aqueles que vêm aproveitando o episódio para atacar o Brasil e seu governo.

Os argumentos são precários. O principal tange à suposta participação do Brasil no retorno de Zelaya ao seu país. O encarregado de Negócios do Brasil em Tegucigalpa já explicou que foi surpreendido pelo telefonema de uma deputada hondurenha no meio da noite. O próprio presidente Zelaya esclareceu que o governo brasileiro não tinha conhecimento do seu plano, pois ele temia que sua estratégia vazasse.

É provável que o presidente Zelaya tenha entrado em seu país pensando em pedir abrigo ao Brasil. De fato, o Brasil, que se rege nas relações internacionais, entre outros princípios, pelo da “concessão de asilo político”, jamais negaria abrigo ao único governante de Honduras reconhecido pela ONU e pela OEA. Muitos outros governos teriam feito a mesma coisa.

Além disso, Zelaya escolheu o Brasil pelo atual prestígio internacional do país e pelo firme compromisso brasileiro com a democracia expresso, entre outras atitudes, pela recusa de Lula em buscar um fácil terceiro mandato, o que diferencia nosso regime político de outros da região, como o de Hugo Chávez (Venezuela), Álvaro Uribe (Colômbia) e o daquele que pretendia Zelaya em Honduras.

Apesar disso, alguns teimam em “investigar” a participação do Brasil na volta de Zelaya. Outros fazem uma defesa do governo golpista de Honduras, alegando que a saída de Zelaya foi decidida na Suprema Corte daquele país, como se o opaco verniz legal de uma ação que se iniciou e se encerrou em menos de 24 horas pudesse legitimar um inconfundível golpe de Estado, que resultou na expulsão, “manu militari”, de Zelaya de Honduras, ainda de pijamas.

Embaixadores já de pijamas, deserdados de uma política externa pouco memorável, emprestaram seu vetusto brilho às arengas da oposição conservadora. Houve até mesmo quem comparasse o Brasil de hoje aos EUA de antanho, por suposta disposição de se ingerir nos assuntos internos de outros países, que contrastaria com a nossa tradição de não intervenção.
Bem, comparar a concessão de abrigo diplomático às outrora ubíquas maquinações contra governos democraticamente eleitos na América Latina nos parece, no mínimo, um exagero.

Ademais, os sinais estão trocados. Antigamente se intervinha, por meios violentos e escusos, para derrubar governos democráticos. Hoje se pressiona pela volta da normalidade democrática.

Tal pressão é inteiramente legítima. Golpes de Estado, é bom lembrar, são incompatíveis com a Carta da ONU e a Carta Democrática Interamericana. O Brasil participa, assim, de um esforço internacional para que Honduras reencontre o caminho do diálogo e da democracia. Sem ingerências indevidas.

É claro, no entanto, que o abrigo a Zelaya e a violenta reação do governo golpista de Honduras colocou o Brasil numa situação incômoda.

Mas o país vem fazendo a coisa certa: concedeu o refúgio, instituto fundamental das relações internacionais, do qual tantos brasileiros já se beneficiaram, especialmente no golpe de Pinochet, no Chile, e solicitou ao secretário-geral da OEA a mediação do conflito hondurenho.

Neste momento delicado, considero ser impositiva a defesa intransigente do Brasil, do direito internacional e da democracia. Outros, movidos por interesses menores, preferem atacar o país e defender o indefensável, para contentamento do governo golpista de Tegucigalpa.

Enquanto isso, na ONU, Lula, o presidente mais popular do planeta, segundo a revista “Newsweek”, arranca aplausos dos líderes internacionais ao afirmar que o mundo demanda a volta de Zelaya e uma nova ordem internacional menos assimétrica e dotada de instituições democráticas. O mundo, de fato, demanda o abrigo da democracia.

Aloizio Mercadante é economista e professor licenciado da PUC-SP e da Unicamp, é senador da República pelo PT-SP.

Publicado no portal PT em 26/9/2009