Leia abaixo entrevista com Nilmário Miranda, que é o convidado do BartePapo do mandato no próximo dia 28 de setembro

Em artigo recente, um articulista do jornal francês “Le Monde” enalteceu a precisão estratégia do governo Lula no comando da crise econômica no país. O jornalista e presidente da Fundação Perseu Abramo, Nilmário Miranda, em entrevista ao site do deputado André Quintão resgata a história recente do país pré-governo Lula, quando qualquer fragilidade da economia significava cortes de salários, privatizações, empréstimos ao FMI com juros estratosféricos, corte de gastos. Para Nilmário, que é o convidado do BartePapo para falar sobre “O Brasil pós-Crise”, no dia 28 de setembro, a precisão estratégica de que fala o periódico francês nada mais é do uma política econômica do governo Lula que barrou as privatizações, reorganizou a capacidade de planejamento do crescimento e investiu na rede de proteção social com programas como o Bolsa Família, do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Nilmário também resgata os 30 anos da Lei da Anistia e destaca que mesmo após tanto tempo o país precisa enfrentar distorções históricas que a Lei ocasionou. Dentre elas, o recado mais claro vai ao Supremo Tribunal Federal que, para Nilmário, deve à sociedade a decisão sobre se a tortura, como crime contra a humanidade, admite prescrição, e também a interpretação se, afinal, a Lei de Anistia cobriu de impunidade os torturadores.

Quais as lições do Brasil para o mundo em relação à crise econômica?

Nilmário – Nas crises anteriores, o Brasil corria atrás do FMI, que concedia empréstimo e impunha a receita do corte de gastos, privatizações, corte de salários e direitos, desregulamentos, deixando o mercado ditar os rumos da economia e do próprio Estado. Nos países da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha), os salários reais caíram 105% entre 1997 e 2007, e o trabalho foi precarizado. Estão todos afundados na recessão, com altas taxas de desemprego.

No Brasil, a partir de 2003, ocorreu o inverso. O governo Lula barrou as privatizações, reorganizou a capacidade de planejamento do crescimento, fortaleceu o Estado e as estatais, regulamentou o sistema financeiro (alavancagem dos bancos, ampliou o compulsório), aumentou o salário mínimo, todas as categorias tiveram reajustes iguais ou superiores à inflação, disponibilizou crédito, investiu na rede de proteção social. Fomos dos últimos a entrar na crise e dos primeiros a sair.

Recusamos a ALCA e investimos na diversificação dos parceiros comerciais. Nenhum banco e nenhuma grande empresa quebraram no país. O índice de emprego voltou a crescer. Em plena crise, o governo reajustou o salário mínimo e os benefícios do programa Bolsa Família acima da inflação e vai conceder reajuste real para os aposentados. É hora dos partidos social-democratas romperem de vez com o neoliberalismo e resgatarem os valores que os fizeram crescer.

Quais serão os principais ganhos da população com esse fortalecimento pós-crise?

A crise mostrou ao país que temos de aprofundar as políticas sócio-desenvolvimentistas. Ficam reforçadas as propostas de fortalecer o Estado Democrático – as empresas públicas, a economia popular e solidária; as empresas que produzem e geram empregos; ampliar a rede de proteção social e os processos de inclusão em todos os níveis. Democracia, justiça social e participação popular, desenvolvimento ambientalmente responsável.

A crise da razão ao nosso projeto de construir a comunidade de nações da América do Sul e da reforma do sistema financeiro internacional, instituindo uma nova governança pública.
Os paradigmas neoliberais estão profundamente feridos, mas não estão mortos. Por isso, o Brasil ajudou a enterrar o G-8 e buscar no G-20 a reestruturação do sistema financeiro mundial. Talvez tenha chegado a hora de taxar o capital financeiro mundial e aplicar no social.

Recentemente, a Lei da Anistia completou 30 anos. Qual foi o saldo político dessa ação?

A Anistia de 1979 não foi ampla, geral e irrestrita, mas foi comemorada pela oposição à ditadura, inclusive em Minas. Ficamos felizes com a volta de Armando Ziller, Apolo Lisboa, Jorge Nahas, João Marques, Maurício Paiva, Márcio Antônio Meyer, Guido Rocha, Sinval Bambirra, Aluísio Coelho (Neco), José Maria Rabelo e família, Arutana Cobério e tantos outros. Gilney Viana e José Roberto Rezende não foram anistiados, mas saíram em liberdade condicional depois de quase 10 anos de cárcere. Centenas de pessoas que resistiram na clandestinidade recuperaram seus direitos políticos. A Anistia de 79 apressou o fim do regime militar, que ainda durou 6 longos anos – mas eles queriam ficar por décadas.

O lado perverso da anistia de 1979 só ficou claro depois: a exclusão dos que pegaram em armas; a tentativa de colocar uma pedra e ignorar os 479 assassinados e desaparecidos; a não abertura dos arquivos; desconhecer a situação de dezenas de milhares de pessoas demitidas, exoneradas, afastadas do seu trabalho, no setor público ou privado. E o que é pior, anistiou os torturadores e seus mandantes.

O que significou, naquela época, a luta pela anistia?

A luta pela anistia para todos unificou partidos clandestinos e o MDB, os estudantes, os trabalhadores, os intelectuais, pessoas da cultura e homens e mulheres de bem pelo país. Elis Regina em seus shows chamava ao palco membros do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e cantava o “Bêbado e o Equilibrista”. A greve de fome iniciada pelos presos políticos do Rio estendeu-se a outros estados e emocionou o país.

Em Minas, a luta começou pelas mulheres que criaram o movimento feminino pela Anistia em 1975. Começou com um grupo pequeno e corajoso: Emely Salazar, Eleonora Menicucci, D. Ondina e Maria Inês Nahas, Maria Luiza Meyer, Magda Neves, Ângela Pezutti, Elisa Lana, e foi crescendo. A partir de 1977 veio a grata surpresa Helena Greco.

Em 1978, foi criado o CBA incorporando parlamentares, estudantes, sindicalistas, intelectuais, com apoio de publicações como o De Fato, Movimento, Em Tempo, Jornal dos Bairros.

O movimento cresceu tanto que a direita explodiu quase trinta bombas (nas casas de D. Helena Greco e Célio de Castro, na Igreja do Carlos Prates, no Sindicato dos Jornalistas, no carro do advogado Geraldo Magela, em bancas de jornal).

A punição aos torturadores e a abertura dos arquivos da repressão estão no centro dos debates atuais. O senhor acredita que o caminho seria uma revisão da lei?

Não é preciso rever a Lei de Anistia. O STF é que nos deve a decisão sobre se a tortura, como crime contra a humanidade, admite a prescrição, a interpretação: afinal, a Lei de Anistia cobriu de impunidade os torturadores?

Um manifesto de centenas de juristas defende que tortura é crime comum, hediondo, de lesa-humanidade e, portanto, inanistiável e imprescritível.

Quantos aos arquivos: já há milhões de documentos abertos em arquivos públicos de 15 estados e no Arquivo Nacional. O que falta são os arquivos da Forças Armadas sobre o Araguaia e dos centros de detenção e tortura, fundamentais para esclarecer as circunstâncias e localizar os restos mortais dos desaparecidos. Não depende de Lei.

O coronel Carlos Alberto Ustra foi, recentemente, julgado culpado pela Justiça por torturas à militante Amelinha Teles, seu marido e sua irmã, na época da ditadura. Qual a importância desta decisão?

A importância das sentenças em ações declaratórias iniciadas por famílias contra os torturadores (inclusive crianças) é enorme e histórica. Abre caminho para a revisão pela justiça brasileira de decisões anteriores consagrando a impunidade. Tem importância para coibir a tortura que segue ocorrendo no país, apesar das leis, e se alimentam da impunidade.

Texto:
Eliana Almeida

Publicada no site do deputado estadual André Quintão