Seminário Internacional sobre a Crise Mundial realizado nos dias 20 e 21 de junho, em São Paulo, promovido pelas fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois e pelo PT e PCdoB.

Seminário Internacional sobre a Crise Mundial realizado nos dias 20 e 21 de junho, em São Paulo, promovido pelas fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois e pelo PT e PCdoB.

Professor de Relações Internacionais da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Paulo Vizentini iniciou a apresentação do painel “Índia frente à crise” com uma crítica contundente ao mito de que a Índia teve seu crescimento econômico graças à troca de práticas protecionistas/estatizantes pelo liberalismo de mercado. “Esses discursos impactam profundamente não só na opinião, mas na ação política das pessoas”, ressalta. A origem dessa visão distorcida estaria no predomínio do paradigma liberal, há 20 anos, que influenciou o pensamento de esquerda. “Parece que as contradições do mundo (naquele momento) tinham zerado e a História tinha começado de novo, afinal Francis Fukuyama falou do fim da história. Então tinha-se a idéia de que a China só começou a crescer graças às suas reformas – e que a Índia, antes das reformas, não crescia. Isso não é verdade”, pondera Vizentini. O processo de abertura indiano, acrescenta o professor, deve ser contextualizado na história das revoluções do século XX, e ainda não está concluído. Iniciada nos anos 1980, a abertura respondia à crise da Índia e, na década seguinte, tomou uma proporção maior, com a desestruturação da União Soviética – um aliado estratégico de peso. Houve uma tentativa de aproximação com os EUA, reação que foi simplificada pela mídia e levou ao mito de uma economia aberta e emergente.

Vizentini alerta para os filtros de informação que distorcem o entendimento sobre as relações internacionais dos países asiáticos, com resultados a longo prazo. “Devemos fazer o exercício de entendermos a Ásia a partir das nossas perspectivas, no contato direto com os chineses, com os indianos, com os países, porque até hoje nós enxergamos o continente asiático através da tradução de obras norte-americanas e européias, as quais, mesmo as extremamente honestas, têm uma distorção de visão embutida quase que no código genético dos autores.”

As estruturas social e política indianas carregam uma série de elementos culturais, como o sistema de castas, que se configuram num entrave à modernidade. A China conseguiu, a partir da Revolução Comunista, reconstruir profundamente esta estrutura cultural e social, que aproximou o país do processo de modernização.

De acordo com o professor, que esteve na Índia antes e depois da atual crise, essa tão valorizada abertura econômica foi parcial, numa linha pragmática e cautelosa. A economia indiana é dual; aberta ao mercado externo no setor de serviços e de indústria, mas extremamente protecionista no setor agrícola, e com o setor financeiro submetido a forte regulação do Estado. Outro aspecto dessa transformação econômica deve-se à imensa diáspora de indianos para o mundo, em contrapartida à qual, há, hoje, um novo retorno de pessoas e de capital para o país. A crise mundial, concluiu Vizentini, atingiu parcialmente a Índia, nos setores mais expostos ao mercado global.

Combinação: controle estatal e mercado para desenvolvimento da população

O escritor Wladimir Pomar ao apresentar o painel “A emergência da China no mundo contemporâneo”, afirmou que entender aquele país de proporções continentais é para os brasileiros uma tarefa complicada, pois “é um outro mundo” cultural, político e econômico. Assim como a Índia, a China ocupa um espaço no cenário econômico mundial como potência “com fome de crescimento”, mas essa posição não surgiu apenas na década de 1970 do século XX, garantiu Pomar.”Há uma história”, explicou. “A China passou por uma revolução, e em 1946, o PC já registrava que durante um longo período seria necessário conviver e fazer alianças com a burguesia nacional. Do ponto de vista político-econômico, isso significa o seguinte: durante um longo período, formas socialistas de atuar iriam conviver com formas de propriedade capitalistas.”

A população chinesa conviveu desde o final dos anos 1940 com uma série de reformas até atingir este crescimento a passos largos no século XXI. Desta experiência acumulada, afirma Pomar, o governo chinês definiu algumas ações que sustentam o salto econômico sobre as necessidades de manutenção de mercado para sustentar as forças produtivas. Sob o controle do Estado chinês (e do Partido Comunista), há a realização de diferentes combinações para desenvolver as forças de produção, garantir um período de paz interna e a realização de experiências para formar as políticas. “Se houver cinco ou seis propostas, os chineses colocam todas em prática, por um período de um ou dois anos, para ver qual que deu certo. É uma metodologia que pode ser muito interessante para nós”, destacou.

A partir desta pauta, os chineses estabeleceram um planejamento macroeconômico voltado para o mercado, além de manter tecnologias tradicionais paralelamente às técnicas atuais, tática para garantir a criação de milhares de postos de trabalho. Outra ação contínua é a de desenvolver o mercado interno, ao mesmo tempo em que se investe no mercado externo. Essa estrutura voltada para o mercado, no entanto, leva ao surgimento de desigualdades sociais, e o Estado tenta controlar essa onda com medidas que estendam o desenvolvimento para a população como um todo. Outro ponto nefasto da abertura é o aumento de todo o tipo de contravenção, e neste quesito, o governo chinês tem agido rigorosamente na repressão de crimes.

Pomar apresentou uma série de dados sobre a magnitude da população chinesa: em 1978 era de 1,1 bilhão e em 2008 chega a 1,4 bilhões de habitantes. A produção de bens de consumo também aumentou: por exemplo, em 1978 foram produzidos 3 milhões de aparelhos de TV em cores e, em 2008, 85 milhões. Surgiram, neste período, as classes média baixa e alta, e o padrão de consumo da população mudou completamente: em 1978, os bens de consumo eram a máquina de costura, o rádio e a bicicleta. Este cenário muda 30 anos depois, com a entrada em cena dos eletroeletrônicos e serviços de educação e turismo.

O governo chinês colocou no plano quinquenal medidas para reduzir o impacto da crise mundial, com investimentos voltados para o mercado interno e o controle do crescimento econômico. Ainda segundo Pomar, para os próximos 30 anos a China terá que investir muito nas áreas de saúde, educação e previdência, para garantir à totalidade da população um bom padrão de vida. Outra área que deverá ser foco dos planejamentos estatais é a preservação e recuperação do meio ambiente.

África do Sul enfrenta o acirramento das desigualdades sociais

Christopher Matlhako, membro do bureau político e responsável pelas Relações Internacionais do PC da África do Sul, foi o palestrante do painel “A África do Sul e o continente africano frente à crise”. Ele enfatizou que seu país vive, a exemplo de outros do continente africano, os efeitos mais nocivos da recessão. Entre julho de 2008 e fevereiro deste ano, mais de 36.500 postos de trabalho foram eliminados, e a maioria deles, era dos setores de mineração e automobilístico. E, recentemente, a África do Sul teve sua recessão anunciada publicamente. O país encolheu 6,4% no primeiro trimestre deste ano e as consequências se somam aos problemas sistêmicos da economia sul-africana: enormes desigualdades, marginalização espacial de ao menos metade da população e níveis críticos de desemprego.

A intervenção estatal na economia foi defendida por Matlhako, que enfatizou a reação de inúmeros países que vêm se opondo às visões neoliberais de mínimo envolvimento do Estado na economia. Ele citou o programa estatal de infra-estrutura, que é o setor que mais contribui para o crescimento e para manutenção dos empregos. Mas manter esse programa, segundo ele, não é suficiente. “Até que ponto, por exemplo, esta nossa iniciativa está simplesmente reforçando as desigualdades espaciais da nossa sociedade?”. Este e outros questionamentos devem ser feitos pelos sul-africanos, segundo Matlhako, que também ressaltou que há a possibilidade de produção interna de materiais, componentes e tecnologias de construção que hoje são importados, e com isso seria possível maximizar as possibilidades de geração de emprego local.

O representante do PC Africano enfatizou também que no coração da resposta estratégica, tática e programática deve estar a mobilização da classe trabalhadora, principal força motriz da revolução democrática nacional.

Vietnã adota o modelo de desenvolvimento para o mercado com orientação socialista

Duong Minh, diretor de Relações Internacionais do Partido Comunista do Vietnã, fez um breve relato sobre a situação do seu país frente à crise internacional, no painel Reações frente à Crise: Rússia, Índia, China, África do Sul e Vietnã realizado no último dia 20. Segundo o dirigente comunista, o Vietnã vive há mais de 20 anos a economia de mercado de orientação socialista. “É uma economia mercantil, multisetorial, que funciona segundo os mecanismos do mercado com a administração do Estado com os seguintes objetivos: a prosperidade da população, a consolidação do país, e uma sociedade justa, democrática e civilizada.”

As diretrizes deste tipo de desenvolvimento, praticadas pelo governo vietnamita paulatinamente nestas últimas décadas tem trazido resultados de grande êxito, segundo Minh. Ele destacou alguns números do Vietnã que corroboram essa idéia: o crescimento (econômico) anual é de 7,5%, em média nos últimos 23 anos. O nível de qualidade de vida da população tem melhorado gradativamente, e o número de famílias na linha de pobreza foi reduzido de 58% (em 1990) para 13,1% no ano passado.

O dirigente comunista também relatou as medidas específicas para enfrentar o impacto causado pela crise financeira global, já que o país está sentindo seus efeitos nas exportações e no setor de turismo. “O crescimento registrado neste primeiro trimestre de 2009 foi de 3,1%, o mais baixo nestes 23 anos”, destacou.

O governo vietnamita determinou cinco grupos de medidas para manter o crescimento econômico e garantir o nível de vida da população: estímulos à produção regional, ao comércio e à exportação; estímulos maciços ao investimento e ao consumo interno; aplicação de novas políticas financeiras e monetárias; garantia de proteção social à população – com criação de mais empregos e a organização de execução destas medidas.

Minh declarou que essas medidas já estão apresentando resultados positivos: em abril deste ano o crescimento foi de 5,1% e em maio chegou a 6,8%. “Com essa política, as empresas que estavam em dificuldades começam a recuperar sua produção e abrem, assim, novos postos de trabalho. Os investimentos internos estão obtendo bons resultados e os estrangeiros voltaram a investir no país”, afirma. Esta recuperação é atribuída, de acordo com o dirigente, ao empenho do governo, dos setores empresariais e da integração do Estado que permite ações dinâmicas na área econômica.