Diante do frenesi que ora turbina as bolsas, as moedas dos emergentes e as commodities, não faltam prognósticos que anunciam o fim da crise. Outros falam, de forma desdenhosa e pessimista, do rali dos trouxas, episódios de euforia que, logo ali, na próxima esquina, serão tragados pelo desempenho da economia real.

A reputação das previsões econômicas e de seus autores mais conhecidos, os economistas, está nos calcanhares. Mas, a despeito de seus desacertos recorrentes, as previsões são inevitáveis. Os práticos e soi-disant teóricos da ciência triste estão condenados a imaginar o futuro.

Assim, devo arriscar a pele. Prudentemente, começo pelo passado: depois do colapso financeiro deflagrado pela quebra do Lehman Brothers, os preços dos ativos privados foram atropelados pelos mercados em pânico, na busca impossível da desalavancagem coletiva. Vendedores em fúria e compradores em fuga prometiam uma deflação de ativos digna da Grande Depressão dos anos 30.

Nas crises, ocorre o colapso dos critérios de avaliação da riqueza que vinham prevalecendo. As expectativas de longo prazo capitulam diante da incerteza e não é mais possível precificar os ativos. Os métodos habituais que permitem avaliar a relação risco/rendimento sucumbem diante do medo do futuro. A obscuridade total paralisa as decisões e nega os novos fluxos de gasto. Em tais circunstâncias, a tentativa de redução do endividamento e dos gastos de empresas e famílias em busca da liquidez e do reequilíbrio patrimonial é uma decisão “racional” do ponto de vista microeconômico, mas danosa para o conjunto da economia, pois leva necessariamente à ulterior deterioração dos balanços. É o paradoxo da “desalavancagem”.

A riqueza concentra-se, agora, na posse do dinheiro em si (ou substitutos próximos, os títulos da dívida pública). Essa corrida privada para as formas imaginárias, mas socialmente incontornáveis do valor e da riqueza, vai afetar negativamente a valorização e a reprodução da verdadeira riqueza social, ou seja, a demanda de ativos reprodutivos e de trabalhadores. Ante a busca coletiva pela liquidez, os preços inflados dos direitos sobre a riqueza real – ações e dívidas privadas – despencam e, não raro, arrastam os preços de bens e serviços.

As intervenções do Fed e do Tesouro conseguiram, aos trancos, barrancos e trombadas legais, estancar a rápida deterioração das expectativas. Contrariando os augúrios mais pessimistas, a ação das autoridades foi capaz de afetar positivamente as taxas do interbancário e dos mercados monetários. A reação das autoridades, no entanto, foi ineficaz para restabelecer a oferta de crédito no volume desejado e impotente para reanimar o dispêndio das famílias e dos negócios. Empresas e consumidores trataram de cortar os gastos (e, portanto, a demanda de crédito) para ajustar o endividamento contraído no passado à renda que imaginam obter num ambiente de desaceleração da economia e de queda do emprego.

A economia real nos Estados Unidos e na Europa segue em sua trajetória recessiva. Como bem observou o economista Willem Buiter, os otimistas vacilam na matemática ao confundir a primeira derivada – negativa – com a segunda, positiva. Isso significa que o produto e o emprego seguem em declínio, mas a uma velocidade menor.

Diz Buiter, em seu habitual estilo de mestre-escola: “A reversão só ocorre quando a primeira derivada muda de sinal. Na etapa atual do ciclo, estamos todos esperando uma mudança de sinal da primeira derivada, de negativa para positiva. Há poucos indícios de que isso tenha ocorrido ou esteja prestes a ocorrer em nível global, para não falar das perspectivas das economias desenvolvidas”.

Seja como for, as injeções de liquidez e os programas de compra de ativos podres não fizeram pouco. Além de construir um piso para a deflação de ativos, as intervenções suscitaram um movimento global “no interior” da circulação financeira. Trata-se, na verdade, de um rearranjo dentro do estoque de riqueza que responde aos preços esperados dos ativos por parte dos investidores que lograram vencer o colapso da liquidez e, depois, capturar os benefícios oferecidos pelas autoridades. A realocação de carteiras favoreceu as bolsas, as moedas dos emergentes e as commodities, enquanto o dólar devolve a valorização observada nos primeiros meses de crise.

Os movimentos observados no interior da circulação financeira, em si mesmos, não prometem à economia global uma saída rápida da trajetória recessiva, mas indicam que os mercados começam a se restabelecer da derrocada de 2008.