“Nós somos contra a falsa opção de escolher entre a segurança e os nossos ideais”.

Barack Obama – Presidente dos Estados Unidos da América.

“A tortura é ilegal, imoral e ineficiente”

Dennis Blair – Diretor da Inteligência Americana.

As frases em epigrafe, além do forte simbolismo que, em geral, marcam os inícios de governos e representam sinais alvissareiros da revisão na política antiterror da era Bush, reintroduzem na cena política o debate acerca da tortura: a sua utilidade, eficiência e, sobretudo, a sua legitimação.

As políticas de guerra antiterror nos EUA e de guerra ao crime no Brasil são irmãs siamesas. Ambas se nutrem e se retroalimentam da histeria e do medo, seus discursos carecem de qualquer respaldo acadêmico e científico, entretanto, gozam de altíssima popularidade mediática.

As suas premissas são homólogas. Há um inimigo da sociedade a ser aniquilado, alhures os terroristas, aqui os criminosos, de todas as formas (endurecimento de penas, restrição de direitos, suspensão das liberdades públicas) e valendo-se de todos os meios (detenções arbitrárias, torturas, escutas ilegais), já que, ao serem classificados como entes perigosos, como não pessoas, seriam destituídos de autonomia ética e desprovidos do estatuto de sujeitos de direitos.

No tocante à legitimação do uso da tortura, os argumentos beberam na mesma fonte, trata-se da “Massuisme”, expressão cunhada para ilustrar a teoria da justificação do uso da tortura na Argélia, defendida pelo general francês Jacques Massu. Em linhas gerais, podemos sintetizar a argumentação do General Massu e de seus seguidores nas Américas do seguinte modo: circunstâncias específicas, guerras, terrorismo, combate ao crime, exigem o uso da tortura e as necessidades da segurança ditam o seu emprego.

Segundo essa teoria, os torturadores são considerados funcionários heróicos, assépticos e cumpridores do dever, a serviço do estado em períodos de extrema crise, visando à proteção de vítimas inocentes.

Evidentemente, no Brasil não há abrigo legal para a prática da tortura. A Constituição Federal, no Art. 5º, incisos III e XLIII, a Lei nº. 9.455, aliados aos instrumentos internacionais contra a tortura, todos ratificados pelo Estado Brasileiro, conformam uma arquitetura legal robusta para a repulsa à tortura e o enfretamento eficaz deste flagelo pelos poderes públicos e pela sociedade.

Então, quais seriam as razões da permanência, da tolerância e da constância da tortura em nossa Pátria?

“Todos os que vem aqui alegam isto”. Como não entender essa argumentação de uma alta autoridade do judiciário, quando interpelada sobre a ausência de investigação das alegações de tortura pelos réus em processo sob a sua jurisdição, como o espectro do general Massu pairando entre nós?

A tortura corrói as bases do Estado Democrático, afronta o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. A idéia de não pessoas, não sujeitos de direitos, apartadas da proteção dos Direitos Humanos, só podem se realizar sobre a égide de estados absolutos, de tiranias e ditaduras.

O advento de 2009, Ano Internacional de Aprendizagem dos Direitos Humanos, proclamado em 10 de dezembro de 2008 pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU, convoca-nos à reflexão e a um imperativo ético inarredável e inadiável: a formação dos integrantes do sistema de justiça e segurança para a erradicação da tortura e para a promoção da dignidade humana.

Em 1963, a filosofa Hannah Arendt com a sua acuidade peculiar, ao publicar sua obra “Eichmann em Jerusalém”, alertava-nos sobre “a banalidade do mal”. A tortura é uma das formas mais categóricas da banalidade do mal. A tortura é um mal absoluto.

Pedro Montenegro é coordenador-geral de Combate à Tortura da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

Publicado no Portal PT em 5/5/2009