O documentário “Estudantes, condicionamento e revolta”, exibido nesta quinta-feira (16/4) no ciclo A propósito (organizado pelo Centro Sérgio Buarque de Holanda de Memória e História) é um raro registro do cotidiano universitário brasileiro da década de 60. Após a projeção, no auditório da Fundação Perseu Abramo, o compositor e professor da ECA-USP, Willy Correa, e o secretário adjunto da Secretaria Geral do Diretório Nacional do PT, Ricardo de Azevedo, apresentaram um panorama do movimento estudantil naquele período de ditadura militar.

A película, dirigida pelo fotógrafo Peter Overbeck, mescla depoimentos de estudantes da USP com cenas do cotidiano dentro e fora do campus, incluindo aqui as passeatas e assembleias organizadas pelos grupos militantes de esquerda da época. O filme original está no acervo do CSBH da Fundação Perseu Abramo, mas a cópia exibida foi digitalizada por José Dirceu.

Produzido num momento de efervescência política e cultural, o documentário foi finalizado em Cuba. É o que revela o professor Willy Côrrea, que montou trechos da trilha sonora usada por Overbeck. Naquele período, Correa trabalhava para a agência J.W. Thompson e sua colaboração foi totalmente “clandestina”. “Estou vendo o filme pela primeira vez”, afirmou. “Foi feito numa época muito perigosa.” O medo de ser preso e até morto era tão grande e tão presente, que Correa contou apenas com a colaboração de um pequeno grupo para realizar a tarefa. A gravação da trilha foi feita no estúdio de Luiz Botelho, na região central de São Paulo, durante a madrugada. “As palavras de ordem foram gravadas em estúdio, e o Botelho fez uma montagem para parecer que eram gritadas nas passeatas de rua”, conta o professor.

Da esquerda para a direita: Ricardo de Azevedo, Willy Côrrea e a mediadora Melissa Lourenço.
(Imagem: Gláucia Fraccaro)

Ricardo de Azevedo, por sua vez, relatou sua experiência de ter estreado na militância estudantil em 1968. Naquele momento, como aluno do curso de Ciências Sociais da USP, Azevedo vivenciou as discussões e ações dos grupos de esquerda que se concentravam no prédio da Maria Antonia e no CRUSP, cenários retratados no documentário de Overbeck. Essa movimentação não ficava apenas no campo das reivindicações por melhores condições educacionais e da oposição à ditadura militar. “As discussões e os questionamentos que fazíamos sobre o capitalismo se manifestavam na cultura, no comportamento”, explica.

Ao traçar um quadro das inúmeras manifestações juvenis e estudantis que pipocaram em várias partes do planeta em 68, o sociológo destacou que havia um inconformismo com o modelo estabelecido . “Chegou-se à conclusão que o mundo não estava legal”, destaca. Naquele contexto, pelo menos para os militantes estudantis brasileiros, a revolução para o socialismo não era apenas uma palavra de ordem, explica o sociológo, ao lembrar que a revolução cubana era o exemplo mais vivo na América Latina. “O idealismo e o voluntarismo eram as características em comum dos estudantes, as condições para a revolução estavam dadas, bastava querer.”

Nas considerações finais, Ricardo de Azevedo afirmou que hoje se considera um reformista, acreditando que há possibilidade de avanços para o socialismo dentro da democracia que está estabelecida no Brasil. Por sua vez, Willy Correa colocou enfaticamente que não há reforma que consiga alterar a bárbarie instaurada pelo capitalismo.