Com o tema “Juventude e minorias da França e juventude negra do Brasil. Realidades diferentes, problemas semelhantes: a intolerância, a discriminação e o racismo”, o seminário "Discriminação, integração: Brasil-França, experiências cruzadas" reuniu em debate militantes brasileiros e franceses. Ocorrida em São Paulo/SP no dia 20/3, o encontro teve como expositores/as Loubna Mèliane, ex-vice-presidenta do SOS Racisme, integrante da Direção Nacional do PS francês; Nazaré Cruz, representante da entidade Mocambo, do Pará, e da Juventude Negra do PT; e Júlio Evangelista Santos, ex-coordenador nacional do Fórum Nacional de Juventude Negra e coordenador do Núcleo Educafro-Baixada Santista. A mesa foi coordenada por Severine Macedo, Secretária Nacional de Juventude/PT e membro do Conselho Curador da FPA. O evento foi promovido pelas fundações Perseu Abramo-FPA (Brasil) e Jean Jaurès (França).

A relação entre juventude, minorias e preconceito foi tema de encontro promovido no seminário “Discriminação – integração: Brasil-França, experiências cruzadas”, organizado pelas fundações Perseu Abramo-FPA e Jean Jaurès. O debate foi iniciado com a militante francesa Loubna Mèliane, em fala na qual lembrou das ondas migratórias recebidas pela França principalmente nos anos 1970, quando o país necessitava de mão de obra. Filha de pais marroquinos, Loubna faz parte da geração que têm o chamado “direito de solo”, francesa por ter nascido em território francês. “Sou dessa geração que defende os valores republicanos franceses, liberdade, igualdade”, disse ela.

Foi o compromisso com tais valores que a levou a militar em uma organização antirracista, dedicando-se à aplicação do “método de teste” como forma de identificar a discriminação. Loubna explica que o método consistia no levantamento de práticas discriminatórias através da reação causada por grupos de brancos e de negros numa mesma situação. O lazer foi o primeiro campo a ser estudado, comprovando que os negros não tinham direito ao mesmo acesso que os brancos. Numa discoteca, por exemplo, o grupo de brancos foi facilmente aceito, enquanto o de negros barrado. Resultado que se mostrou o mesmo nos testes de acesso a trabalho e moradia.

O método de teste se mostrava especialmente eficaz pela dificuldade, na França, de se provar atos discriminatórios, uma vez que o racismo no país teria caráter não explicitado ou verbalizado. No início, segundo Loubna, houve resistência por parte dos franceses, que insistiam em negar a discriminação, defendendo a ideia de uma sociedade aberta, com lugar para todos/as. Do mesmo modo, a inclusão de testes sobre acesso ao lazer foi criticada, já que muitos entendiam que emprego e moradia eram as prioridades para a grande faixa da população que se encontrava excluída do centro, vivendo no subúrbio.

Discriminação revelada
Apesar das resistências, a campanha alcançou grande sucesso, contando com a ajuda da mídia e mobilizando a opinião pública – principalmente, jovens que tinham passado por essas situações. Um anos depois do início dos “testes”, os primeiros acusados foram condenados. As multas eram pesadas, de 100 mil euros.

Para a verificação da discriminação no mercado de trabalho, foram elaborados currículos idênticos com nomes distintos: um, europeizado; outros, com nome árabe. Estes, afirma a francesa, não chegavam a ser chamados para entrevistas. O mesmo ocorreu com a questão da moradia. As gravações dos testes foram levadas ao tribunal, e o acompanhamento do trabalho por promotores ajudou a dar a vitória jurídica ao movimento.

No caso das moradias privadas, o grupo ligava para classificados que ofereciam casas ou apartamentos. Os telefonemas feitos com sotaque africano comumente recebiam a resposta negativa “já foi alugado”. Minutos depois, ao ligarem com sotaque francês, recebiam a confirmação da proposta: “está vago sim, pode ser alugado”. Em moradias públicas, divididas com mais pessoas, a situação se repetiu, o que levou à denúncia dos encarregados pelos espaços.

Para Loubna, uma das maiores vitórias foi o reconhecimento do método; hoje todos podem usá-lo para comprovar discriminação e apresentar queixa. Utilizar a lei, portanto, é um meio de trazer soluções e garantir o direito de qualquer pessoa ser reconhecida como cidadã francesa.

Jovens, muitas vozes
O debate prosseguiu com a representante da entidade paraense Mocambo e integrante da juventude negra do PT, Nazaré Cruz, falando sobre a militância dos jovens na questão da discriminação racial. Em sua fala, Cruz enfatizou a concretização de várias conquistas do movimento, como a criação da secretaria de combate ao racismo. Ela lembrou que os militantes de outra geração que lutaram para a consecução de políticas para superação da discriminação ocupam, hoje, posições de destaque na gestão de políticas de promoção da igualdade racial. E concluiu, citando nomes como Matilde Ribeiro, ministra da Seppir, Flávio Jorge, diretor da Fundação Perseu Abramo, Martvs Chagas, secretário de mobilização do PT, entre outros.

Nazaré também destacou a nova geração que busca firmar seu lugar na luta pela superação do racismo. “Os militantes do PT eram oriundos do movimento social negro, tinham sua especificidade e sua participação vinha da percepção de estavam pautando a questão do extermínio da população negra, mas não tínhamos essa organização dentro do partido”, conclui.

Para a militante, as pessoas não se identificavam como juventude negra petista. Foi e continua sendo fundamental, portanto, a formação dos jovens, que são protagonistas enquanto sociedade civil. “Estávamos nesse processo, muitos de nós, como atores. E a juventude negra brasileira provou que consegue se organizar”.
 

Da esquerda para a direita: Nazaré Cruz, Severine Macedo,
Júlio Evangelista Santos e Loubna Mèliane
(Foto: Sylvia Masini)

A questão prosseguiu com o ex-coordenador nacional do Fórum Nacional de Juventude Negra, Júlio Evangelista Santos, para quem a grande diversidade de posicionamentos de valores é refletida dentro do próprio partido. E o movimento negro precisa de toda essa diversidade, da participação de jovens de todo o pais.

Júlio alerta para o fato de que a juventude precisa ser ouvida: “Queríamos gritar ‘estamos sendo exterminados, daqui a algum tempo não haverá mais jovem negro no país’”. E conclui, afirmando que a juventude é o segmento da sociedade que carrega seus estigmas e tem dificuldade de posicionamento.

A questão do extermínio, segundo Júlio, não pode ser encarada como algo normal: é um fato, e é um problema de Estado. A tão propalada democracia racial, afirma, é uma mentira. E os negros que estão nos partidos querem fazer esse debate. Sem que seja esquecida, finaliza Santos, a importância da ocupação de espaços onde os negros estejam na condição de militantes do movimento social e do movimento negro, principalmente nos locais onde partidos e agremiações não vão.

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