Brasil consolida política anti sub-prime

A atual crise financeira internacional trouxe fortes impactos sobre a economia brasileira. No entanto, nosso país mostrou uma nova capacidade de resistir a choques externos, tanto que os impactos estão sendo menores que em outras crises e menos intensos do que nos países desenvolvidos.

Para isso, foram importantes o crescimento dos últimos anos, a ampliação dos investimentos e da capacidade instalada, a incorporação de brasileiros ao consumo e à cidadania, a adaptação da política comercial à nova realidade do mercado externo, a geração de superávits e a ampliação das reservas internacionais. O governo federal também agiu tempestivamente, enfrentando a escassez do crédito e a redução da capacidade produtiva, acentuadas pela crise internacional.

Mas também foram importantes as condições do sistema bancário. Os elevados depósitos compulsórios permitiram um maior direcionamento do crédito, sobretudo para a agricultura e a habitação. Depois de anos onde a palavra de ordem foi a privatização, consolidou-se um competitivo setor bancário público. Estes detêm cerca de 1/3 dos ativos totais, sendo que a Caixa é responsável por mais de 57% dos financiamentos habitacionais e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social concentra a quase totalidade dos financiamentos de longo prazo, permitindo, assim, uma intervenção positiva na atual crise.

Não menos importante, o governo federal não se omitiu frente ao grave problema social da moradia, e conseguiu tirar o setor habitacional do marasmo em que se encontrava desde os anos 80. É verdade que este esforço ocorreu em conjunto com o segmento empresarial, que tinha um diagnóstico das deficiências e propostas para superá-las.

Desde 2003 – através de processo que buscou amplo entendimento entre os vários atores – reergueu-se a construção habitacional, ampliou-se o crédito e melhoram-se as condições institucionais. Desenvolveu-se o Sistema Nacional de Habitação e criaram-se mecanismos e incentivos – como o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, criado através de iniciativa popular – que permitem que o Estado, nas três esferas de governo, possa praticar uma política de subsídios transparente, sem a qual, não haverá acesso à moradia pelas famílias de menor renda.

Em paralelo, fortaleceu-se o FGTS e aperfeiçoaram-se as regulamentações voltadas ao setor, tais como o patrimônio de afetação, a regra do valor incontroverso e as reduções de carga tributária, sem as quais também não se teria alcançado o desempenho dos últimos anos.

Tais esforços, conduzidos pelo governo federal, favoreceram o intenso crescimento do setor da construção civil sem que houvesse o abandono dos menos favorecidos, como desejavam os economistas conservadores que brandiam as propostas do Estado Mínimo e do fim das políticas públicas.

Nunca é demais lembrar que foi a expansão das finanças – em mercados altamente desregulados – que reduziu as políticas públicas. Muitos países tentaram simplesmente transferir parte das responsabilidades do Estado ao mercado e este procedimento, aliado à desregulamentação, responde, em grande medida, pela atual crise internacional.

Na origem da crise dos sub-prime americanos estava este procedimento. Abandonada a população de mais baixa renda à sua própria sorte, esta foi atendida apenas pelo sistema financeiro, porém com taxas de juros mais elevadas, dado o risco embutido na operação. E, beneficiando-se da ausência de transparência e de controles do mercado financeiro, suas hipotecas foram “empacotadas” e transferidas para bancos de investimentos e fundos que as passavam adiante sem nenhum constrangimento. Quando dos primeiros solavancos…

No Brasil, o pacote habitacional a ser anunciado proximamente – dadas as informações já veiculadas pela mídia – mostra que outra política é possível. As questões em discussão, relativas à construção de cerca de um milhão de novos imóveis até 2010, aos subsídios para os mutuários que ganham até três salários mínimos e à constituição de um Fundo Garantidor, indicam a consolidação de uma política habitacional que incorpora as camadas de menor renda, mas também de mecanismos de segurança e prevenção contra riscos exacerbados de inadimplência. Enfim, consolida-se no Brasil um verdadeiro anti sub-prime.

Ao incorporar um aumento do subsídio à habitação popular, baratear os seguros no financiamento à população de menor renda, criar um fundo garantidor e abrir uma linha especial de financiamento para a infra-estrutura das áreas desses empreendimentos, este novo pacote habitacional pode tornar-se exemplar e indicar – não só para Brasil – de que é possível, mesmo em meio a uma grave crise internacional, deixar de lado a omissão do Estado e o vale-tudo de mercados desregulados.

Suely Muniz foi pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (1985-2008) e Diretora Financeira e Presidente da COHAB-SP (2001-2004). É Doutora pela POLI-USP e economista.

Jorge Mattoso foi professor doutor na UNICAMP (1985-2008) e presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2006). É Secretário de Finanças em São Bernardo do Campo, SP.

Publicado no portal PT em 19/3/2009