Keynes demonstrou que o nível de atividade e emprego, em qualquer economia de mercado, depende da demanda efetiva por bens e serviços de consumo pelas famílias e por bens e serviços de investimento pelas empresas. Quanto mais as famílias consumirem e as empresas investirem, tanto mais crescerão a produção e o emprego. Se, por algum motivo, os gastos de consumo e de investimento caírem, a produção e o emprego os acompanharão na queda.

A crise resulta do encolhimento da demanda efetiva (como Keynes, também não consideramos aqui efeitos do comércio externo e do gasto público, para facilitar o entendimento).

A queda da demanda efetiva em muitos países, a partir de 2008, tem por causa a redução do crédito, resultante da crise de inadimplência causada pelo estouro da bolha imobiliária em 2006. Entre 2001 e 2006, bancos de investimento passaram a oferecer abundantes financiamentos para a compra de moradias, em condições muito favoráveis, o que fez a demanda por imóveis crescer à frente da quantidade posta à venda. Logo, os preços dos imóveis subiam o tempo todo, caracterizando a bolha.

Em 2006, o número de compradores começou a cair, enquanto a quantidade de prédios e casas em construção ainda crescia. A falta de compradores fez com que os preços dos imóveis começassem a encolher, decretando o fim da bolha. As famílias que haviam comprado moradias a prazo, cujos valores caíam abaixo da dívida por pagar, suspenderam sua amortização, dando aos bancos e aos fundos que possuíam esses créditos em carteira prejuízos totalizando muitos bilhões de dólares.
As instituições financeiras atingidas não tinham mais como cumprir suas obrigações com as demais, assim também alcançadas pelo vórtice da inadimplência. O resultado se tornou patente em 2008: as finanças de todas as economias nacionais globalizadas foram tomadas pelo pânico. Mesmo os bancos pouco atingidos suspenderam as operações de crédito, com medo de os tomadores ficarem inadimplentes. O crédito se tornou ultraescasso e a crise atingiu empresas não financeiras. A crise da indústria automobilística, por exemplo, se deveu à queda das vendas, relacionada ao encurtamento dos prazos de pagamento dos carros, e a formação de estoques invendáveis deixou a indústria sem dinheiro para pagar fornecedores e empregados, que haviam construído os carros encalhados nos pátios.

Processos como esses atingem paulatinamente todas as atividades econômicas, que tendem a parar se nada for feito. A política anticíclica keynesiana consiste essencialmente em ações do setor público em substituição ao setor privado, paralisado pelo pânico. Os bancos públicos “salvam” tanto bancos privados em crise -oferecendo-lhes o crédito que eles se negam mutuamente- como empresas não financeiras em crise.

Além disso, as instituições governamentais podem ampliar a oferta de serviços públicos -educação, saúde, pesquisa, saneamento, segurança, justiça etc.-, pois, diferentemente das firmas privadas, não visam lucro e não correm o risco de quebrar.

Os governos são responsáveis pela construção, conservação e restauração da infraestrutura urbana -de transporte e energia, entre outras- e as promovem até o limite de seus recursos orçamentários, quase sempre aquém das necessidades. O combate a crises oferece oportunidades para expandir serviços e infraestrutura vitais para a qualidade de vida dos mais carentes. Além disso, governos democráticos distribuem renda diretamente aos mais pobres, sob a forma de Bolsa Família, cestas básicas, merenda escolar, habitação de interesse social e reforma agrária. Na medida em que essas políticas são financiadas por impostos arrecadados dos mais ricos, a demanda efetiva de consumo sobe, contribuindo diretamente para o aumento da produção, do emprego e do investimento.

Como os ricos entesouram rendas adicionais -ao passo que os pobres as gastam para satisfazer suas necessidades mais urgentes-, a redistribuição de renda financiada pelos impostos pagos pelos primeiros contribui com o aumento de produção, emprego e investimento e, portanto, com o combate à crise. Todas essas políticas ativam a economia e ao mesmo tempo a tornam socialmente mais justa. Elas terão sucesso, no entanto, apenas se puderem superar o pânico e restaurar a confiança na sociedade civil de que a economia está reagindo e de que os primeiros a ampliarem suas atividades produtivas serão recompensados. O que, na prática, não deixa de acontecer.

* Paul Singer , 76, economista, é professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (Universidade de São Paulo) e secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina). É autor de Introdução à Economia Solidária (EFPA), entre outros livros.

Texto originalmente publicado na seção Tendências/Debates da Folha de S.Paulo, em 19/03/2009

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