Periscópio Internacional 32 – Um olhar sobre o mundo
Referendo boliviano aprova a nova Constituição
Eleições municipais e parlamentares em El Salvador
Referendo venezuelano aprova possibilidade de reeleição
Greve geral em Martinica e Guadaloupe
EUA – As primeiras medidas do governo de Barack Obama
Trégua em Gaza e eleições em Israel
Zimbábwe – continuam os desafios do primeiro-ministro no “governo de unidade”
África do Sul – eleições gerais marcadas para abril
O governo de Sri Lanka avança contra o LTTE
Fórum Social Mundial esteve novamente no Brasil
A recessão mundial se aprofunda
Referendo boliviano aprova a nova Constituição
Com uma participação excepcional do eleitorado boliviano de 90,3%, foi aprovada a nova Constituição do país com os votos favoráveis de 61,43% dos eleitores e os votos contrários de 38,57%. Quanto ao quesito limite para a dimensão fundiária que era uma pergunta à parte, 80,56% dos votantes preferiram a limitação de cinco mil hectares para a propriedade da terra enquanto apenas 19,35% preferiam um limite maior de dez mil hectares.
A nova Constituição que instaura um Estado plurinacional na Bolívia e assegura uma série de direitos e políticas públicas para setores sociais até então excluídos foi promulgada no dia oito de fevereiro de 2009.
Foi uma grande vitória para Evo Morales, o MAS e seus aliados depois de enfrentarem ao longo dos últimos anos muita pressão e tentativas de golpes de parte da direita do país representados principalmente por alguns governadores. A própria realização da consulta popular em janeiro passado dependeu de uma negociação anterior para suavizar certos itens da Constituição, como o limite de propriedade a ser aplicado apenas para as situações posteriores ao referendo e a realização de novas eleições presidencial e legislativa em seis de dezembro de 2009, quando Evo poderá se candidatar para disputar apenas um mandato consecutivo.
Apesar destas concessões e do resultado da votação, os governadores de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija formaram o Conselho Nacional Democrático (CONALDE) e insistem em não reconhecer a nova Constituição alegando que ela não teria sido aprovada nestes Estados e têm sucessivamente recusado os convites do governo federal para discutir a implementação dos termos da nova Carta Magna.
Trata-se de um “jus sperneandis”, pois é óbvio que o resultado de um referendo nacional vale para todo o país e a posição política destes governadores está fragilizada, uma vez que os parâmetros para negociar os termos da autonomia dos estados estão dados pela nova Constituição, e desrespeitar suas determinações poderá dar margem a processos jurídicos e condenações. Leia mais em alainet.org.
Eleições municipais e parlamentares em El Salvador
Estas se realizaram em 18 de janeiro, na prática foram uma preliminar para as eleições presidenciais a se realizar em 15 de março e seu resultado foi favorável ao partido da Frente Farabundo Martí de Libertación Nacional (FMLN).
A Frente elegeu 35 deputados de um total de 84 e 96 prefeitos de um total de 262 inclusive em algumas das maiores cidades do país como Santa Ana e Santa Tecla. O único revés foi a perda da prefeitura da capital San Salvador após governá-la desde 1997. Veja o avanço eleitoral e representatividade da FMLN nos quadros seguintes:
Deputados eleitos em 2006 e 2009 por partido
PARTIDO | ANO | |
2006 | 2009 | |
ARENA | 34 | 32 |
CD | 2 | 1 |
FMLN | 32 | 35 |
PCN | 10 | 11 |
PDC | 6 | 5 |
FDR | – | – |
Fonte: Sítio da FMLN
Votos para prefeito, população e municípios governados por partido em 2009
Partido | Votos | % | Municípios | % | População governada | % |
ARENA | 854.166 | 36,9 | 121 | 46,2 | 2.049.320 | 32,3 |
CD | 46.971 | 2,0 | N.D. | N.D. | 61.611 | 1,0 |
FMLN | 943.936 | 40,8 | 96 | 36,6 | 2.870.626 | 45,3 |
PCN | 194.751 | 8,4 | N.D. | N.D. | 423.176 | 6,7 |
PDC | 153.654 | 6,6 | N.D. | N.D. | 331.584 | 5,2 |
FDR | 22.111 | 1,0 | N.D. | N.D. | – | – |
Fonte: Sítio da FMLN
A FMLN é o partido político mais representativo de El Salvador atualmente e a Aliança Republicana Nacionalista (ARENA), partido de extrema-direita e herdeiro da ditadura militar foi colocado em segundo lugar, embora ainda possua muita força política, particularmente, nos grotões do país.
A Frente apresentou a candidatura de Mauricio Funes à presidência da república e as pesquisas lhe dão uma vantagem que varia de 10% a 18%, conforme o instituto, sobre Rodrigo Aguilar o candidato da ARENA.
Funes é jornalista e conceituado apresentador de um programa de entrevistas e comentários políticos num dos canais de televisão do país e não era vinculado a Frente durante o período da guerrilha. Desta vez o partido conseguiu realizar alianças ao centro político coligando-se com a Convergência Democrática (CD), além de obter apoios de integrantes do Partido Democrata Cristão (PDC), entre outros. No entanto, o candidato a vice-presidente é Salvador Sanches Ceren também da FMLN.
As chances são boas para a FMLN, mas a violência e a possibilidade de fraudes estão sempre presentes e é fundamental que a eleição presidencial em El Salvador tenha um acompanhamento internacional como a que teve o Paraguai quando Fernando Lugo foi eleito. Leia mais no site oficial do FMLV.
Referendo venezuelano aprova possibilidade de reeleição
O referendo realizado na Venezuela no dia 15 de janeiro aprovou uma emenda constitucional que permitirá ao presidente, governadores e prefeitos se candidatarem à reeleição sem limite de mandatos consecutivos. Esta alteração permitirá que o atual presidente Hugo Chávez concorra novamente ao cargo na eleição presidencial prevista para se realizar em 2012.
O comparecimento do eleitorado de 70% foi considerado alto de acordo com a média de participação nos processos eleitorais venezuelanos, onde o voto é facultativo. A emenda constitucional defendida por Chávez e pelo seu partido Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV) alcançou 54,8% de votos favoráveis contra 45,1% de votos contrários, além de ter sido a proposta vencedora em 19 dos 25 estados do país.
Sem entrar no debate sobre a polêmica de reeleições sem limites, não há dúvidas sobre a manutenção da popularidade de Chávez na Venezuela, embora a diferença de votos entre o governo e a oposição tenha se reduzido em comparação com o resultado da eleição presidencial de 2006 – 62,8% contra 37,2%.
Contudo, apesar de o resultado do referendo lhe dar vantagem, a reeleição de Chávez em 2012 não está automaticamente garantida. Muito dependerá da consolidação das políticas econômicas e sociais que o governo vem implementando; dos efeitos da crise econômica mundial; e se a oposição se apresentará unida, o que, por sua vez, parece muito difícil.
Paradoxalmente, o resultado, que foi comemorado pela esquerda venezuelana e por muitos que apóiam as políticas de Chávez pelo mundo afora, preocupou parte importante dos setores progressistas na Colômbia, pois o presidente Uribe que já trabalha pela hipótese de uma nova mudança constitucional que lhe permita disputar um terceiro mandato, agora tem o argumento perante a opinião pública do precedente no país vizinho.
Greve geral em Martinica e Guadaloupe
Estas duas ilhas fazem parte do Departamento Ultramarino da França, uma denominação sofisticada para identificar as colônias remanescentes da França, como a Guyana Francesa, a Polinésia e as ilhas de Reunión, Saint Pierre e Miquelon.
Martinica e Guadaloupe se localizam no Caribe e sua principal fonte de receita provém do turismo, exportação de bananas e subsídios franceses. A concentração de renda é brutal com 1% da população detendo 90% da renda das ilhas.
No dia 20 de janeiro teve início uma greve geral liderada por uma coalizão social denominada “Coletivo Contra a Exploração” (LKP na sigla do idioma local) composta por 47 diferentes estruturas sociais e sindicais.
A reivindicação do LKP é um aumento de 200 euros para os salários mais baixos. O representante do governo francês que compareceu inicialmente com o intuito de por fim ao conflito retirou-se poucos dias depois sem apresentar qualquer proposta, além de ter desencadeado forte repressão contra o movimento e um sindicalista, Jacques Bino, ter sido morto pela polícia.
A greve durou pouco mais de um mês e conseguiu o aumento parcelado do valor reivindicado no que foi considerado uma vitória pelo LKP.
EUA – As primeiras medidas do governo de Barack Obama
Em seu segundo dia como presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assinou uma ordem executiva a fim de determinar o fechamento do campo de detenção de Guantánamo em Cuba, tornada célebre no governo de George W. Bush por meio das torturas ali praticadas e tornadas públicas.
A medida, além de demonstrar uma mudança nas diretrizes da política de direitos humanos do país, marca uma ruptura com o governo anterior na urgência com que foi tomada. A ordem de fechamento do campo de detenção na Base Naval de Guantánamo visa simbolizar o fim da era neoconservadora dos aliados de Bush, que justificava o uso de tortura para garantir a proteção aos norte-americanos contra o terrorismo, embora haja ainda uma série de aspectos relativos à política de direitos humanos como os transportes secretos de prisioneiros para serem interrogados com violência em terceiros países que não receberam tratativas.
Desde sua instalação na base naval, em 2002, passaram por Guantánamo cerca de 800 detidos, dos quais 250 ainda permanecem presos. A maioria deles foi capturada no Afeganistão ou na fronteira do Paquistão e Afeganistão nas operações direcionadas a capturar terroristas supostamente ligados ao ataque de 11 de setembro.
A administração de Bush criou o centro de detenção em janeiro de 2002, fora da jurisdição da lei americana, sem possibilidades para que os presos acusados de terrorismo pudessem questionar sua detenção. A iniciativa recebeu um duro golpe em junho de 2008 quando uma decisão da Corte Suprema definiu que, mesmo no caso de Guantánamo, está assegurado o direito de questionar a detenção.
O primeiro mês da administração de Obama foi também marcado pela confirmação de sua equipe diante do senado e problemas com alguns dos indicados, mais notadamente Tom Daschle, escolhido pelo novo presidente para dirigir a pasta da Saúde. O ex-senador democrata pelo estado de Dakota do Sul teve problemas com o imposto de renda e por não ter incluído um carro e um motorista na sua declaração de renda como mandam as regras americanas e renunciou à indicação.
Outro nome que enfrenta problemas para ser confirmado é o de Hilda Solis, indicada ao cargo de Secretária do Trabalho. Sua posição como tesoureira da ONG Laboral American Rights at Work está sendo questionada pelos republicanos como conflito de interesses com a posição. Com o atraso da definição, o presidente solicitou a Edward Hugler, vice-secretário que assumisse a pasta e o movimento sindical americano começou a fazer pressões para que a indicação de Solis seja aprovada. Segundo os sindicatos dos EUA, a representante da Califórnia já respondeu todos os questionamentos possíveis e o atraso só se deve a questões ideológicas. Leia mais no artigo “Labor To Open Fire Over Solis Confirmation”, do Huffington Post.
O discurso de que os dois partidos poderiam trabalhar juntos na administração de Obama parece ter encontrado obstáculos fortes logo no inicio do governo. Além dos empecilhos à confirmação de indicados pelo presidente, a aprovação do pacote de estímulo à economia norte-americana não contou com o apoio massivo esperado dos republicanos.
Houve a tentativa do governo de encorajar os republicanos a participar do esforço, apenas para verificar que na votação, no dia 13 de fevereiro, os representantes do partido foram quase unânimes na rejeição ao pacote de estímulo à economia de US$ 787 bilhões. Isso apesar de a iniciativa conter corte nos impostos e de Obama ter sugerido o senador republicano Judd Gregg para a Secretaria de Comércio. Ele seria o terceiro republicano de seu gabinete, mas se retirou da postulação citando diferenças ideológicas, mesmo antes de a Casa Branca oficializar sua indicação.
Apenas três republicanos votaram a favor do plano de resgate de Obama, mas o senado o aprovou na noite do dia 13 de fevereiro com o voto favorável de todos os membros do partido democrata no Senado.
Embora estes três votos dêem margem ao discurso de que o plano foi aprovado com apoio bipartidário, a realidade é que mesmo após semanas de negociações, este não recebeu um único voto republicano adicional na Câmara de Deputados (Congresso). A medida havia sido aprovada por 246 votos a favor e recebido 183 contra. Os votos a favor vieram de 246 democratas, enquanto contra a medida estavam os 176 republicanos e sete democratas. Leia mais no texto do pacote de medidas de estímulo à economia norte-americana votado no Congresso.
De toda forma, a opinião publica mostra que a aprovação de Obama fica entre 66% e 76%, e 48% dos americanos entrevistados disseram aprovar o trabalho dos congressistas democratas, contra somente 32% dos republicanos.
No quesito política externa, o novo governo tem enviado interlocutores para várias regiões além do périplo da Secretária de Estado, Hillary Clinton, pela Ásia e outras regiões que se seguirão.
O discurso em relação a Síria, Irã e países da América Latina como a Venezuela e Cuba tem adotado um tom mais positivo e cordial.
Foi anunciada a decisão de retirar as tropas americanas do Iraque em duas etapas a ocorrer em 2010 e 2011, mas ao mesmo tempo será ampliada a presença militar no Afeganistão.
Trégua em Gaza e eleições em Israel
A eleição parlamentar ocorrida em Israel no dia 10 de fevereiro ficou para a história como o pleito que custou a vida de 1.300 palestinos – número aproximado de vítimas do ataque israelense à Faixa de Gaza entre 27 de dezembro e 18 de janeiro, em sua maioria mulheres e crianças. Há indícios, inclusive, da utilização de bombas de fósforo e urânio empobrecido, materiais proibidos pela Convenção de Genebra, o que transforma este genocídio em crime de guerra.
Os disparos de foguetes pelo Hamas contra áreas do sul de Israel foram a justificativa para o ataque, mas sua relação com o processo eleitoral israelense era para melhorar a imagem do trio Olmert, Livni e Barak frente ao eleitorado, até então mais favorável ao Likud de Benyamin Netanyahu, partido ainda mais à direita que o Kadima, que governa o país desde 2005, inicialmente com Ariel Sharon que criou o partido a partir de uma dissidência do Likud, e depois com Olmert que o substituiu em 2006 quando Sharon sofreu um derrame cerebral. Atualmente, a Ministra de Relações Exteriores, Tzipi Livni é a presidente do partido.
É necessário registrar que a maioria da opinião pública israelense é favorável às ações militares como garantia de segurança.
No entanto, o vencedor da eleição foi o Likud, apesar de obter uma cadeira a menos no Parlamento que o Kadima. Após várias consultas com os principais partidos, o presidente de Israel, Simon Peretz, que deixou o Partido Trabalhista para se filiar ao Kadima, convidou Netanyahu para formar o próximo governo e assumir o posto de Primeiro Ministro.
Isto porque o Likud tem maior apoio entre os demais partidos de direita para formar uma maioria parlamentar, principalmente devido ao crescimento do partido Israel Beitenu liderado por Avigdor Lieberman que chegou em terceiro lugar, à frente dos trabalhistas de Ehud Barak que ficaram em quarto, fazendo sua campanha a partir da proposta de expulsar todos os árabes do país que não jurassem lealdade ao Estado de Israel. A aliança entre estes dois e outros partidos conservadores e de cunho religioso já daria a maioria a Netanyahu para governar e se também conseguir a participação do Kadima, esta maioria poderá ser de dois terços.
Neste caso, predominará a política econômica neoliberal e a beligerância contra a Palestina, embora aumente também a representatividade política do governo na hipótese, remota, de acordos de paz na região.
Nesse meio tempo, prosseguem as negociações intermediadas pelo governo do Egito para alcançar uma trégua mais consistente na Faixa de Gaza. O Fatah e o Hamas estão negociando um acordo visando constituir um governo de unidade nacional, o que seria uma sábia medida diante do que vem ocorrendo do lado israelense.
Esta unidade palestina e a pressão internacional são fundamentais para um projeto de paz na região e o novo governo americano tem a chave para desencadeá-lo.
Zimbábwe – continuam os desafios do primeiro-ministro no “governo de unidade”
Morgan Tsvangirai, candidato pelo Movimento para a Mudança Democrática (MDC sigla em inglês), venceu o primeiro turno das eleições presidenciais em março de 2008, mas se retirou do polêmico segundo turno devido à campanha de violência contra seus eleitores por parte de militantes do partido de Robert Mugabe, a União Nacional Africana do Zimbabwe-Frente Patriótica (ZANU-PF sigla em inglês).
Em setembro, o MDC acabou concordando em dividir o poder com Mugabe, que há 28 anos lidera o Zimbábue, em um acordo mediado pela Comunidade pelo Desenvolvimento do Sul da África (SADC, na sigla em inglês). Segundo este acordo, Mugabe continuaria na presidência do país e responsável por uma série de medidas executivas, enquanto Tsvangirai assumiria o cargo de Primeiro-Ministro. Os demais ministérios seriam divididos entre o ZANU-PF, o MDC e uma fração do MDC liderado por Arthur Matumbara, o que asseguraria uma ligeira maioria de ministérios à oposição em proporção equivalente aos votos alcançados para o parlamento (51%) em 2008.
No entanto, o acordo não foi cumprido por Mugabe quanto aos ministérios que caberia à oposição, pois ele queria entregar apenas os de menor relevância. Além disso, a truculência contra o MDC prosseguiu a ponto de os órgãos competentes se recusarem a fornecer passaporte para Tsvangirai viajar ao exterior, mesmo na sua posição de Primeiro Ministro.
Um novo acordo foi costurado mantendo a mesma divisão numérica dos ministérios, porém com os ministérios da Defesa e Segurança do Estado, além de outros postos chave sob controle do ZANU-PF. Os dois partidos co-administrarão o Ministério de Assuntos Domésticos – que controla a polícia e o MDC assumirá a pasta de finanças.
Os primeiros dias como primeiro-ministro do Zimbábue, conforme era esperado, trouxeram muitos desafios a Morgan Tsvangirai. O primeiro deles foi tentar garantir, sem sucesso, que cerca de 30 de seus apoiadores mantidos presos pela segurança do governo fossem liberados. Além disso, mesmo com tudo acordado, Mugabe tentou empossar cinco ministros a mais do que o combinado.
Nova reunião foi necessária para discutir a questão dos postos ministeriais e, finalmente, o ZANU-PF concordou em honrar o Acordo Político Global sob o qual 15 ministérios ficam sob sua responsabilidade, 13 com os indicados de Tsvangirai e o MDC, e três com a facção do MDC liderada por Arthur Mutambara.
Contudo, a questão dos presos políticos apenas complicou-se. Desde a posse de Morgan Tsvangirai, em 13 de fevereiro, a ativista Jestina Mukoko foi transferida da prisão para uma clínica privada, mas permanece sob guarda. Porém, mais de 30 presos políticos estão ainda encarcerados na prisão de segurança máxima de Chikurubi por meio de acusações que vão desde tentativa de desestabilizar o Zimbábue até uso de meios violentos para retirar o presidente Robert Mugabe do poder.
Além disso, o tesoureiro-geral do MDC, Roy Bennett, que deveria ser empossado como Ministro para a Agricultura, foi preso no Aeroporto de Harare quando tentou embarcar para a África do Sul no dia 13 de fevereiro. De acordo com nota do partido, ele foi acusado de tentativa de deixar o país de forma ilegal, acusação em seguida modificada para a de traição.
Muitos oficiais e apoiadores do MDC foram levados de suas casas por agentes de segurança do estado entre outubro e dezembro de 2008 e presos. Quando a facção do partido liderada por Tsvangirai resolveu aderir ao governo de união nacional, este afirmou categoricamente que não iria juntar-se a um governo de união se todos os presos políticos não fossem libertados. No dia 30 de janeiro, o atual primeiro-ministro declarou que o Conselho Nacional do MDC requeria que todos os prisioneiros fossem libertados incondicionalmente até o dia 11 de fevereiro.
Ele também fez da economia sua prioridade e se comprometeu a pagar os salários de soldados e servidores públicos com moeda estrangeira tendo encaminhado um pedido de ajuda internacional para angariar recursos para cumprir esta promessa,que também tem o objetivo de conquistar o apoio da base das forças armadas.
Embora seu discurso de posse tocasse no tema dos presos políticos, os grupos de defesa de direitos humanos locais, como o Zimbabwe Lawyers for Human Rights (Advogados do Zimbábue por Direitos Humanos), afirmam que falta compromisso do novo governo e dos políticos com relação à segurança e liberdade da população. Outros grupos como a ONG National Constitutional Assembly (Assembleia Nacional Constitucional), afirmam que o fato de a posse ter ocorrido mesmo sem o cumprimento da libertação dos presos políticos, coloca em xeque o acordo como um todo, fazendo do governo de união algo já controverso.
Além dos graves problemas de direitos humanos, o novo governo também terá que lidar com uma epidemia de cólera que já causou a morte de 3.400 pessoas, a inflação anual do país, estimada em 231 milhões por cento, e uma taxa de desemprego que chega a 90%.
Segundo os analistas, não será possível esperar muitas mudanças do novo governo. Tsvangirai deve levar este mandato adiante como uma preparação para as próximas eleições. Quanto a Mugabe e a cúpula das forças de segurança do país há sérias dúvidas sobre sua disposição em dividir o poder. Leia mais no artigo “Zimbabwe – A unity government, at last”, publicado no The Economist.
África do Sul – eleições gerais marcadas para abril
O presidente sul-africano Kgalema Motlanthe anunciou que as eleições gerais acontecerão em 22 de abril próximo. A expectativa para este pleito é grande, sendo considerada pelos analistas como a grande eleição no país depois de Nelson Mandela ter chegado à presidência em 1994.
O presidente do Congresso Nacional Africano (ANC na sigla em inglês), Jacob Zuma, tem sido apontado como o favorito para tornar-se o novo presidente do país, mesmo com as acusações de corrupção que ele nega de forma veemente. Seu julgamento está agendado para agosto. Ele declarou que só desistirá do cargo, caso seja eleito, se for condenado.
Um grupo de membros do ANC, que se opunha a eleição de Zuma para a presidência do partido e automaticamente seu candidato presidencial, liderado por Mosiuoa Lekota, ex-ministo da Defesa, e Mbhazima (Sam) Shilowa, ex-secretário geral da COSATU – a principal central sindical do país – e ex-governador de Gauteng (região ao redor de Johanesburgo), formou o rival Congresso do Povo (Congress of the People – Cope na sigla em inglês) em novembro de 2008. Leia mais em Periscópio Internacional 30.
O partido estava seriamente dividido entre os apoiadores de Zuma e do ex-presidente Thabo Mbeki na convenção do CNA que escolheu seu novo presidente. Embora não pudesse se candidatar a um terceiro mandato como presidente da África do Sul, Mbeki queria permanecer na presidência do partido como forma de barrar as intenções de Zuma com quem se desentendeu durante o primeiro mandato (1999 a 2003).
Pouco depois da derrota, Mbeki foi forçado a renunciar em setembro de 2008, quando um juiz acusou seu governo de ter interferido nos processos contra Zuma por interesses políticos. Contudo, a corte de apelação definiu em janeiro de 2009 que o juiz havia chegado a esta conclusão erroneamente, mas nesse momento Motlanthe já havia sido nomeado para o cargo e a fração de Mbeki já havia formado o Cope.
Embora o presidente tenha marcado a data da eleição para abril, há um fator que pode complicar o encaminhamento da votação. A Corte Suprema em Pretoria definiu que os cidadãos sul-africanos vivendo fora do país também poderão votar. Se esta decisão for realmente implementada agora, o processo eleitoral poderá se atrasar.
Mesmo com a impressão de que nada pode deter Zuma rumo à presidência da África do Sul, o partido terá que trabalhar duro, voto a voto, para garantir a manutenção da maioria no Parlamento. Será a primeira vez, desde que subiu ao poder em 1994, em que a representatividade política do ANC será realmente testada. Segundo as pesquisas de opinião e as análises feitas na África do Sul, o Cope poderá, no mínimo, receber votos suficientes para impedir que o ANC mantenha a maioria de dois terços no Parlamento.
Segundo alguns comentários em off de partidários do ANC e do Partido Comunista Sul Africano (CPSA na sigla em inglês) que é parte do mesmo, isso até que não seria tão negativo, pois o atual hegemonismo do ANC o tem levado a adotar medidas unilaterais sem maiores discussões e, se perder a maioria absoluta na Parlamento, terá que negociar com outras forças políticas, em particular com o Cope. Leia mais no sítio oficial do Congresso Nacional Africano e no sítio oficial do Congresso do Povo.
O governo de Sri Lanka avança contra o LTTE
O Sri-Lanka (ex-Ceilão) conquistou a independência da Inglaterra em 1948. Seu primeiro governo, representado pelo Primeiro Ministro S. W. R. D. Bandaranaike, junto com seus colegas da Índia, Paquistão, Birmânia e Indonésia articularam a Conferência de Bandung em 1955 e o Movimento dos Países Não Alinhados como conseqüência. Após o assassinato de Bandaranaike em 1959, sua viúva, Sirimavo Bandaranaike tornou-se a primeira mulher no mundo a assumir uma chefia de Estado adotando uma política de cunho socialista e nacionalista.
No entanto, apesar deste início progressista de governo, nunca houve um tratamento adequado para promover a convivência harmônica entre as principais etnias da ilha, os cingaleses que compõem 74% da população e os tamis que representam 20%. Os conflitos étnicos iniciados na década de 1950 se tornaram um processo de luta armada permanente em prol da independência da região norte e leste do país, onde vive a maioria dos tamis, a partir de 1972.
Os tamis têm origem no sul da Índia e é entre a população tâmil/indiana que recebe a maior parte do apoio financeiro que sustentou a guerra pela independência por aproximadamente 30 anos por meio de uma organização chamada “Tigres pela Libertação Tâmil Eelam” (LTTE na sigla em inglês). O LTTE chegou a ser considerado o grupo guerrilheiro mais poderoso do mundo, pois além de possuir marinha e aeronáutica, dominou por muito tempo parte do território norte e leste do Sri Lanka. Foi também o primeiro grupo do gênero a utilizar ataques suicidas como tática de guerra.
Ao logo deste processo houve várias tentativas de negociar acordos de paz que sempre esbarraram na divergência entre as lideranças tamis sobre a melhor estratégia política: independência ou maior autonomia sob um governo nacional. Pelo lado do governo, o problema que freqüentemente levou ao rompimento de algumas tréguas se devia a setores que exigiam a rendição do LTTE.
No momento, o exército do governo central está na ofensiva e conquistou Mullaitivu, a última cidade ainda sob controle do LTTE após a queda de sua capital política Kilinochi em janeiro.
Apesar desses reveses, o comandante da guerrilha tâmil, Velupillai Prabhakaran, declarou que a luta prosseguirá a partir das selvas da região e, como resposta à derrota em Mullaitavu, dois aviões do LTTE começaram a bombardear Colombo, capital do Sri Lanka, matando duas pessoas antes de serem abatidos.
Mais de cinqüenta mil pessoas morreram ao longo destas três décadas, vítimas do conflito, além do grande êxodo populacional. Intermediários favoráveis a negociações como o Japão, Noruega e outros países, tentam agora construir uma trégua para que a população civil possa ser retirada das zonas de combate.
Fórum Social Mundial esteve novamente no Brasil
A oitava edição do Fórum Social Mundial ocorreu novamente no Brasil, mas em Belém do Pará e não em Porto Alegre onde nasceu em 2001 e se realizou três outras vezes. Uma das razões para a escolha de Belém era levar o Fórum para a Amazônia tendo em vista a premência das questões ambientais e o simbolismo da região.
Segundo os organizadores, em torno de 133 mil pessoas se registraram para participar das centenas de eventos auto-geridos que foram distribuídos entre os campi da UFRA e UFPA.
Um momento de grande destaque no Fórum foi o comparecimento de cinco chefes de Estado: Lula, Chávez, Rafael Corrêa, Fernando Lugo e Evo Morales. Eles se reuniram com cerca de 8.000 participantes do Fórum que conseguiram acesso ao “Hangar”, o centro de convenções de Belém. O tom de suas intervenções foi a favor da integração dos países da América Latina, combate ao neoliberalismo e enfrentamento da crise econômica mundial.
O Fórum terminou no domingo, dia primeiro de fevereiro, com a realização de quase 30 assembléias temáticas (mudanças climáticas, gênero, trabalho, crise financeira, etc) e uma “assembléia das assembléias” onde foram relatadas as decisões de cada uma delas.
Principalmente diante da grave crise econômica mundial expressaram-se duas posições quanto ao papel do Fórum Social Mundial: a sua continuidade como um espaço onde as organizações sociais se encontram e se articulam ou a adoção de iniciativas e encaminhamentos para fazer frente a certos temas cruciais como a própria crise mencionada.
Como não houve “espaço” em Belém para decidir sobre isso, a única certeza é que o próximo Fórum Social Mundial deverá ocorrer em 2011 em algum país africano a ser definido pelo Conselho Internacional do Fórum. Leia mais em na Revista Forum edição 71, e nos artigos de Renato Simões no Portal do PT; de Kjeld Jakobsen no Portal FPA; e de Gilberto Maringoni, Marco Aurélio Wesheimer e Emir Sader na Agência Carta Maior.
A recessão mundial se aprofunda
Todos os indicadores mundiais apontam para o aprofundamento da recessão mundial, apesar da injeção da soma de quase US$ 2,0 trilhões na economia por vários governos nacionais, para socorrer o sistema financeiro e em menor grau o setor produtivo.
O ritmo do comércio mundial e dos investimentos externos diretos refluiu porque o consumo mundial diminuiu e o setor privado não quer se arriscar a fazer novos negócios enquanto não tiver certeza sobre onde estarão os lucros.
As projeções, até o momento, apontam para a retração de 1,1% do PIB mundial e a OIT prevê que o número de desempregados poderá chegar a 50 milhões de pessoas em 2009, além de continuidade na queda da renda do trabalho.
Os países do Leste Europeu solicitaram US$ 200 bilhões da União Européia para socorrer seu sistema financeiro, mas receberam a oferta de apenas 10% deste valor para ser aplicado caso a caso.
O governo chinês declarou que sua estratégia de aplicação de aproximadamente US$ 500 bilhões na economia nacional começou a dar resultados com a melhoria dos indicadores no mês de janeiro/fevereiro. Ainda assim, a projeção é de crescimento de 6,0% do PIB em 2009, quase metade do crescimento de 2008.
O quadro é grave, mas, suprema ironia, o único consenso alcançado até o momento é sobre a necessidade da intervenção do Estado na economia para estimular a sua dinâmica, manter o consumo aquecido e preservar postos de trabalho.
Entretanto, esta intervenção socializou os prejuízos ao fazer grandes concessões ao setor bancário, promover cortes nos impostos de renda e reduzir encargos de empresas como é o conteúdo geral do recente pacote do governo Obama aprovado pelo congresso americano.
O problema é que não há garantias de que os bancos utilizem o auxílio recebido para manter o crédito, nem que os cidadãos que pagarão menos impostos utilizem este recurso adicional para consumir mais e tampouco que os recursos destinados à indústria preservem os empregos da mesma.
Se essas premissas não forem atendidas, a crise e o desemprego não serão afastados.