A queda de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no quarto trimestre do ano passado, o maior recuo da série histórica que iniciou em 1996, fez acender a luz vermelha no governo. Uma queda já era esperada, mas poucos apostavam neste índice. Após sua divulgação, multiplicaram-se as vozes pedindo a imediata mudança na política monetária do Banco Central. A demora do BC em baixar a taxa Selic foi apontada como uma das razões centrais da queda do PIB no final de 2008. Segundo os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a crise econômica mundial, agravada a partir de setembro de 2008, provocou queda nas taxas de todos os setores que compõem o PIB brasileiro no último trimestre do ano passado, com exceção do Consumo da Administração Pública, que cresceu 0,5%, em relação aos três meses anteriores.

Para o coordenador das Contas Nacionais do IBGE, Roberto Olinto, é prematuro fazer projeções sobre impactos futuros e tendências da economia brasileira. “A dimensão efetiva desse momento econômico não está clara ainda. Não acredito que um processo de investimento como vem sendo desenvolvido no Brasil nos últimos anos possa ser analisado por um único trimestre”, afirmou ao comentar os números que apontaram também um crescimento do PIB de 5,1% em relação ao ano anterior. Segundo o IBGE, o setor mais afetado das atividades produtivas no final de 2008 foi o da indústria que registrou queda de 7,4%, do terceiro para o quarto trimestre. Já o setor agropecuário apresentou uma queda bem menor na produção, 0,4%. O consumo das famílias, por sua vez, registrou uma queda de dois pontos percentuais no quarto trimestre.

Aposta no consumo doméstico
A queda do consumo familiar, observou Olinto, pode ser explicada em parte pela queda da renda, mas também pela decisão das famílias de adotar uma posição mais cautelosa em função da crise. “O consumo das famílias é umas das variáveis mais importantes para o crescimento do PIB, tanto que tem um peso de 61% do total”, explicou. Evitar a retração do consumo doméstico será um dos desafios para a economia brasileira nos próximos meses. Esse desafio foi reconhecido nesta quarta-feira pela ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em um encontro com deputados da região Nordeste. “Acredito que o Brasil tem uma grande alavanca para fugir da crise, transformando o nosso povo em consumidor. São 190 milhões de brasileiros consumindo”, disse a ministra. Também aí a redução das taxas de juros terá um papel decisivo.

Dilma Rousseff anunciou outra proposta do governo para reaquecer a economia: a construção de casas populares para a população de baixa renda. “Será muito mais que um pacote. Será um programa de habitação para combater o déficit de 7,5 milhões de moradias”. Esse projeto terá foco maior na população com renda de zero a três salários mínimos. “Vamos subsidiar sim. Essas pessoas não têm condições de pagar a casa própria. Mas o subsídio será para os mutuários. Não vamos repassar dinheiro para prefeito, governadores e nem para Caixa. Vamos subsidiar o mutuário,” assegurou. As prestações terão valor simbólico e o mutuário só começará a pagar quando estiver dentro do imóvel. Os recursos sairão do Tesouro e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

O tamanho do impacto no Brasil

No Seminário Internacional sobre Desenvolvimento realizado dias 5 e 6 de março, em Brasília, várias propostas foram apresentadas para enfrentar a crise. Duas delas em especial: a redução drástica dos juros e investimentos públicos pesados em infraestrutura. A maioria dos debatedores previu que o Brasil será, sim, afetado pela crise, mas de modo menos intenso do que a maioria dos outros países. Após o anúncio da queda do PIB no último trimestre de 2008, esse otimismo foi posto em dúvida. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, disse que o Brasil já é uma das “vítimas inocentes” da crise mundial e pode sofrer ainda mais. “O caso do Brasil mostra que os Estados Unidos conseguiram exportar sua recessão”. Stiglitz considerou os números do PIB surpreendentes. “Eu fui ao Brasil há poucos meses e me diziam que a crise não o afetaria. Parece que esse não é mais o caso. Muitos países emergentes estão se tornando as vítimas inocentes dessa crise”.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, previu que “o Brasil foi um dos últimos a sentir o impacto da crise e pode ser um dos primeiros a sair dela”. E apontou algumas condições que, segundo ele, fariam o país sair mais cedo da crise. Nos últimos três anos, a economia brasileira vem se beneficiando com crescimento dos investimentos (10% em 2006, 13,3% em 2007 e 14% em 2008). O aumento do consumo interno é outra arma para enfrentar a crise. Hoje, destacou, cerca de 52,6% da população encontra-se na classe média. No plano macroeconômico, Mantega destacou a solidez fiscal do país (o superávit primário em 2008 foi o maior dos últimos anos, chegando a 4,5%) e a redução da dívida pública brasileira para 36,5% do PIB. “Teremos que cortar gastos correntes para manter investimentos”, admitiu, mas “reduzimos nossa vulnerabilidade externa e mantivemos nossas reservas quase intactas”.

O Brasil não repetirá, garantiu o titular da Fazenda, o comportamento adotado por outros governos em crises anteriores. Lembrou que esse comportamento consistia basicamente em elevar os juros, cortar investimentos e promover arrocho salarial. Mantega disse que, graças à atual solidez macroeconômica, o Brasil poderá implementar políticas anti-cíclicas. Será feito um aporte adicional de R$ 100 bilhões ao BNDES que, em 2009, terá ao todo R$ 168 bilhões para investimentos. Por outro lado, reconheceu que há um conjunto de problemas a solucionar. Um deles é a falta de crédito e o custo financeiro elevado, especialmente para pequenas e médias empresas. Outro é a retração do comércio internacional, que afetará o Brasil. Diante desse quadro, a prioridade do governo, garantiu, será trabalhar para manter o nível de emprego e estimular o investimento.

Queda dos juros será suficiente?

Uma das primeiras recomendações para evitar um quadro recessivo no Brasil foi atendida nesta quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central que reduziu sua taxa básica de juros, a Selic, em 1,5 ponto percentual, passando de 12,75% ao ano para 11,25%. Com essa segunda redução consecutiva, os juros voltaram ao nível de um ano atrás, em março de 2008. Foi o maior corte em pontos percentuais desde novembro de 2003, quando o juro básico passou de 19% para 17,5%. Para muitos, uma medida atrasada e insuficiente, mas que sinaliza, ao menos, uma tendência de futuras quedas. Para além das percepções otimistas e pessimistas sobre as repercussões da crise no Brasil, há um fator de ordem subjetiva muito importante: o comportamento da população. Uma retração significativa do consumo é o pior cenário possível. O governo conta com o aumento do consumo interno para segurar o nível de emprego e a atividade industrial.

No seminário promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Jan Kregel, consultor independente e ex-chefe da Área de Desenvolvimento e Análise de Políticas no Departamento de Economia e Assuntos Sociais da ONU, jogou areia no otimismo brasileiro. “Durante a crise do México, dizia-se que não iria acontecer nada com o Brasil. Agora escuto a mesma coisa. Em geral, essa é a reação brasileira. Em quase qualquer crise internacional, a resposta inicial brasileira é de que o Brasil é muito forte e não será afetado. O Brasil será afetado, e mais do que geralmente se reconhece”.

A importância dos programas estruturantes

Nesta quarta-feira, o representante do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista, rebateu esse pessimismo dizendo que é um exagero afirmar que o PIB brasileiro no último trimestre de 2008 é o pior entre os países do bloco dos emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia e China (Bric), como afirmou no dia anterior o alemão Heiner Flassbeck, economista-chefe da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Desenvolvimento e Comércio. Segundo Nogueira Batista, o Brasil só está atrás da China.

Seja como for, as sugestões apresentadas por Kregel para enfrentar a crise, repetidas, com algumas variações, por vários palestrantes, parecem estar na ordem do dia das declarações das autoridades política e econômicas do governo. Para ele, a resposta mais eficaz à crise reside na série de programas estruturantes propostos pelo governo brasileiro. Programas como o PAC, os Territórios da Cidadania, o Plano de Desenvolvimento da Educação, as políticas de estímulo às empresas de pequeno e médio porte e programas de garantia de emprego que já vem sendo implementados em alguns países. O que não pode acontecer, advertiu, é que as políticas de curto prazo (como a de juros altos) suplantem as de médio e longo prazo.

Artigo originalmente publicado na Agência Carta Maior, em 11/03/2009