Em princípio, esta é uma proposta sedutora, principalmente se voltada para superar o modelo de produção capitalista. O ideal, para sua realização, seria que o capital houvesse esgotado, tanto nos países centrais quanto no Brasil e demais países em desenvolvimento, sua capacidade de reprodução, que as burguesias já não mais tivessem a capacidade de continuar hegemonizando e dominando seus povos e que as grandes massas trabalhadoras não se dispusessem mais a viver como até então. Teríamos aí aquilo que alguns teóricos do passado chamavam de “situação revolucionária”.

Porém, uma análise séria da crise atual ainda não consegue comprovar que o capital tenha esgotado sua capacidade de reprodução. O maremoto causado pela atual crise, cujo epicentro está localizado no Atlântico Norte (EUA e UE), vai atingir e fazer estragos em outros países dessa parte do Atlântico, assim como ao Sul (México, Américas Central e do Sul e África Ocidental), e suas ondas de choque chegarão ao Pacífico e Índico (Américas do Sul e Central, África Oriental e Ásia).

No entanto, muitos dos países dessas áreas periféricas estão com uma capacidade de recuperação que não existia na grande crise de 1929, nem na de 1999. Por um lado, desenvolveram sua musculatura industrial e seu mercado interno. Por outro, seus governos, assim como as próprias corporações estrangeiras que atuam em seus territórios, possuem uma capacidade de pressão, inexistente alguns anos atrás, para furar o protecionismo e tirar partido dos programas de recuperação econômica dos países centrais. Portanto, em termos estritamente econômicos, o capital ainda tem espaços consideráveis de reprodução.

Uma análise, também séria, sobre a capacidade de as burguesias ainda hegemonizarem e dominarem seus povos não mostra, pelo menos por enquanto, que elas tenham perdido tal capacidade. Apesar das dificuldades para enfrentar a “filosofia” de que o mercado é capaz de resolver todos os problemas, e para adotar até mesmo as medidas capitalistas keynesianas, mais eficazes para recompor os empregos e os mercados domésticos, as burguesias estão manobrando com certa eficácia para descarregar a culpa sobre seus operadores financeiros e salvar os demais setores, contando para isso com o apoio de muitos setores dos trabalhadores.

Também não há sinais evidentes de que as massas trabalhadoras e populares já tenham chegado ao ponto em que se convenceram de que não há mais nada a perder e tudo a ganhar. Na grande maioria dos países mais afetados pela crise ainda não há mobilizações sociais massivas, nem mesmo para reivindicar empregos. Numa situação como essa, não é por acaso que o Fórum Social Mundial pareça ainda estar passando momentos idênticos aos preliminares de formação da I Internacional.

Assim, a ruptura deverá se apresentar como constrangimento, em algum estágio da história. Afinal, o capital está cada vez mais criando seus próprios limites. No entanto, tal necessidade ainda não explodiu como inadiável. Por outro lado, a crise atual recoloca a ruptura como perspectiva estratégica. Joga por terra certas teorias em voga, de que o capital e seu mercado haviam se tornado capazes de gerenciar seu desenvolvimento e impedir a erupção de crises devastadoras.

Tendo em conta o desenvolvimento das contradições das sociedades capitalistas dos EUA e da UE, assim como dos novos países capitalistas emergentes, o problema consiste em estimar quanto tempo a crise atual levará para ser superada, e a que custo, e quando será a próxima, e qual seu grau. A não ser, é dialético, que a história, como já ocorreu no passado, resolva aprontar alguma de suas peças.

*Wladimir Pomar é escritor e analista político.

Artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania, em 02/03/2009