O Brasil talvez já disponha de um programa anti-recessivo capaz de compor, juntamente com o PAC, uma poderosa alavanca, não apenas para resistir às turbulências atuais. O nome do programa é Territórios da Cidadania, um conjunto de políticas capaz de deflagrar uma nova dinâmica de crescimento, mais equilibrada do ponto de vista regional, e capaz de incorporar, de fato, as populações do campo ao desenvolvimento do século XXI. A avaliação é de Ignacy Sachs.

Da Agência Carta Maior

O Brasil talvez já disponha de um programa anti-recessivo de recorte rooseeveltiano capaz de compor – ao lado do PAC- uma poderosa alavanca, não apenas para resistir às turbulências atuais. Mas para deflagrar uma nova dinâmica de crescimento, mais equilibrada do ponto de vista regional, e capaz de incorporar, de fato, as populações do campo ao desenvolvimento do século XXI.

O nome do Programa é Territórios da Cidadania. O visionário que enxerga na crise uma oportunidade para o Brasil reinventar o seu futuro dessa forma é Ignacy Sachs.

O economista, que dirige o Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo, na França, já está no país para participar do Seminário Internacional sobre Desenvolvimento; iniciativa do CDES, o ‘Conselhão’, ligado à Secretária de Assuntos Institucionais do governo.

Ao lado de Luciano Coutinho, do BNDES; de Márcio Pochamnn, do Ipea; do economista James Galbraith, da Universidade do Texas e de Jan Kregel, que chefiou a Área de Desenvolvimento da ONU. O professor Sachs participa na quinta-feira, às 15 horas, em Brasília, da mesa ‘O Papel do Estado no mundo pós-crise e os Desafios do Estado Brasileiro’.

O debate terá coordenação da economista e especialista em desenvolvimento regional Tânia Barcelar, professora da Universidade Federal de Pernambuco.

Pouco depois de desembarcar em São Paulo, Sachs falou sobre a oportunidade que uma crise estrutural oferece a uma nova agenda de desenvolvimento.

“Não se trata de otimismo”, adverte esse senhor alto e de cabelos brancos, nascido na Polônia, que conviveu durante oito anos com Michel Kalecki, considerado o Keynes de esquerda, cuja obra antecipou várias das idéias que dariam fama depois ao economista de Cambridge. Kalecki escrevia em polonês. Suas idéias ficaram prisioneiras do alcance de sua língua. Só mais tarde seus trabalhos foram reconhecidos pela qualidade e o pioneirismo no tratamento de questões que condicionam o investimento e suas oscilações, portanto, as crises do ciclo econômico. Mais que nunca, uma obra oportuna.

Sachs e Kalecki foram companheiros na célebre Escola de Planejamento e Estatística de Varsóvia. O que se tinha ali era uma espécie de think tank avant-la-lêtre de estudos avançados sobre o planejamento socialista, tudo tratado a partir de uma abordagem desassombrada, intelectualmente rigorosa, permitida pelo governo Gomulka, entre 1961 e 1968. O namoro de Sachs com o Brasil, porém, era antigo; o economista aprendia sobre a Polônia para entender os desafios tropicais; do mesmo modo que olhava o Brasil para enxergar melhor seu país .

Sachs chegou ao Rio de Janeiro no início de 1942, trazido “pelo último navio português que aportou com refugiados de guerra” Formou-se em economia na Cândido Mendes e aqui permaneceu até 1954 quando a troca de correspondência com outro economista polonês famoso, Oskar Lange, reitor da Escola de Planejamento levou-o à efervescente experiência política e teórica em Varsóvia. Depois disso viveria na Índia , na Europa, na África e, novamente, no Brasil reunindo vasta e singular experiência que lhe permite apresentar-se atualmente como ecossocioeconomista. Algo como um desenvolvimentista sintonizado com a questão social – em especial, com o futuro da agricultura familiar; ao mesmo tempo ousado a ponto de ter sido um dos pioneiros a erguer a ponte entre a agenda do desenvolvimento e a do meio ambiente – em especial, a bioenergia.

É com essa bagagem que ele desembarca em Brasília, dia 5, para expor suas idéias no seminário do CDES que vai discutir o crescimento e o Estado brasileiro no pós-crise. Sachs prefere não antecipar suas reflexões sobre o Territórios da Cidadania, na medida em que deve apresentá-las ,em primeiro lugar, ao MDA, que o contratou como consultor do programa no ano passado.

Mas é perceptível seu entusiasmo com a relevância adicional que essa iniciativa adquire em meio à crise que devasta os mercados e as agendas convencionais dos economistas. “ Faço uma constatação, não se trata de otimismo nem de pessimismo”, argumenta sobre o momento único desfrutado pelo país. “A crise é uma enorme avenida e o Brasil pode pavimentar nela seu futuro no século XXI. Qualquer crise é um tranco, mas é também um hiato de reflexão e escolhas obrigatórias. Este país tem o que escolher, não está tangido por imposições. Ao contrário. Possui um bônus demográfico valioso, com população economicamente ativa superior à soma de idosos e crianças; tem um parque industrial preservado – o que não ocorreu na maioria das economias submetidas ao regime neoliberal nas décadas anteriores; tem um vasto território e desenvolveu tecnologia para explorá-lo de forma sustentável, através da Embrapa; lidera as frentes da bioenergia e da produção de alimentos; tem estoque de capital suficiente e um poderoso mercado interno”.

Ele argumenta que o PAC vai dinamizar uma boa parte disso ao reestruturar grandes áreas do território, com forte impacto especialmente em concentrações metropolitanas, através de ações de logística social e urbana. É um imenso canteiro de obras que vem a calhar num momento em que o ativismo do investimento público é a principal arma contra a recessão. “Vejo porém o Territórios da Cidadania”, argumenta Sachs , “ como um irmão-gêmeo do PAC; gêmeos no sentido de que são iniciativas indissociáveis num projeto de reordenação econômica e social que aproveite as demandas da crise para legitimar novos motores de crescimento”.

O economista não menospreza os desafios embutidos num programa inédito e ambicioso como o Territórios da Cidadania. Seu arcabouço reúne recursos (e conflitos) de 15 pastas diferentes; pretende implantar 120 núcleos de intervenção no país; abrange quase mil pequenos municípios e uma população de quase dois milhões de famílias rurais. Tudo isso gravitando em torno dos pólos que concentram os maiores índices de pobreza e os menores IDHs, Índice de Desenvolvimento Humano, de toda a sociedade. De onde então Ignacy Sachs tira o entusiasmo para enxergar esperança em tamanho nevoeiro de impossibilidades? Sem dúvida da história. Sachs viveu e estudou mutações poderosas. Sabe que estamos diante de uma delas. O longo périplo geográfio, teórico e político de sua vida aguçou sua percepção intelectual diante do novo. E é isso que vê no Brasil nesta hora da crise: uma espaço para a história avançar. No rumo certo. A ver.

Serviço:

– O seminário será transmitido ao vivo pela TV Carta Maior, com cobertura completa das mesas programadas para a quinta e sexta-feira (05/3 e 06/3).

Publicado originalmente na Agência Carta Maior, em 05/03/2009