PT e FSM no diálogo de Belém, por Remato Simões
Ainda não foi como pode e deve ser, mas a edição 2009 do Fórum Social Mundial em Belém marcou a comprovação de uma tese que ganha mais compreensão e apoios na militância antineoliberal e anticapitalista mundial: a de que partidos políticos de esquerda, movimentos sociais e governos progressistas só têm a ganhar com um diálogo franco, aberto, respeitoso das autonomias das partes entre si e permanente.
No debate estratégico sobre o futuro do FSM e da luta antineoliberal, esse foi um tema polarizador durante toda a preparação do evento de Belém. Ele se materializou em polêmicas sobre alterações na Carta de Princípios do FSM, sobre a presença de chefes de Estado nas atividades e território do Fórum, sobre o Guia para a Construção de Eventos FSM e em muitas outras, por vezes ácidas, divergências sobre temas práticos de organização do processo e do evento FSM/Belém.
Pouco a pouco, passos vêm sendo dados no sentido de reconhecer que não é possível implementar alternativas que são alimentadas no FSM desde sua origem, sem construir na sociedade força política capaz de derrotar as políticas neoliberais e fazer avançar medidas, nos planos local, nacional e internacional, que acumulem forças para transformações sociais de caráter anticapitalista. Esse processo, com toda certeza, avançou sobremaneira na América Latina, da mesma forma em que retrocedeu fortemente na Europa, os dois principais centros articuladores e elaboradores do FSM.
No entanto, esse é um processo que, em nosso continente, está em marcha, sofre derrotas e conquista vitórias a cada momento, manifesta contradições típicas de diferentes ritmos e profundidades das políticas adotadas em cada país e região decorrentes de opções políticas diferenciadas, de distintas correlações de forças econômicas e sociais, de aspectos peculiares de natureza cultural e ideológica.
Por isso, mais do que nunca é necessário que essas experiências mais avançadas, que concretizam em larga medida as alternativas preconizadas no processo do FSM ao longo de todo o período de resistência ao pensamento único neoliberal, estejam abertas a dois processos tão importantes quanto desafiadores.
Por um lado, é necessário aumentar cada vez mais o processo de participação popular na condução desses governos progressistas, fortalecer a auto-organização popular em todos os seus segmentos, particularmente os mais secularmente reprimidos (indígenas, quilombolas, negros/as, mulheres, jovens, crianças, trabalhadores/as do campo e da cidade, sem-terras, migrantes, LGBTTs, pessoas com deficiências, entre tantos outros) através de políticas públicas que democratizem a renda, a riqueza e poder nessas sociedades.
Por outro lado, é preciso exercer a permanente crítica e autocrítica capazes de fazer com que os avanços obtidos não sejam cristalizados e estagnados com a criação de falsas unanimidades ou da sujeição dos movimentos sociais e partidos à lógica do Estado.
Uma agenda comum de realizações é mais do que nunca urgente e necessária, de modo a potencializar conquistas obstaculizadas muitas vezes pela reação. Essa agenda comum, no entanto, não prescinde do reconhecimento de agendas diferentes e em certos casos contraditórias, e de uma forma democrática para tratar essas divergências entre partidos, movimentos sociais e governos.
Aos trancos e barrancos, o FSM Belém foi talvez o espaço em que esse processo mais esteve presente, por iniciativa de partidos e movimentos sociais da América Latina em particular, dentro dos formatos assegurados pelo Conselho Internacional do Fórum e na medida da tolerância de vários de seus membros.
Do ponto de vista do PT, é importante destacar a prioridade dada pela Direção Nacional a este FSM em Belém e ao processo do FSM, capaz de viabilizar a maior e mais qualitativa participação de petistas nestes eventos desde a sua criação, em Porto Alegre.
O PT pautou e conseguiu o aval do Foro de São Paulo para exercer uma representação, como membro observador, do Conselho Internacional do FSM, e assim articular uma presença mais qualitativa dos partidos membros do FSP no processo do FSM, em particular no Fórum Social das Américas, na Guatemala, e no evento de Belém. Essa participação foi marcante em Belém, com a manutenção da Tenda dos 50 Anos da Revolução Cubana, a realização de eventos sempre cheios de público e animação patrocinados sob a égide das Fundações Perseu Abramo (PT) e Mauricio Grabois (PCdoB), e uma intensa atividade de comunicação nos eventos de massa e através do boletim diário do PT distribuídos nos espaços do Fórum.
O ato político dos Chefes de Estado que reuniu os presidentes Lula, Chavez, Evo, Lugo e Rafael Correa, no Centro de Convenções do Hangar, foi um dos pontos altos de visibilidade do FSM no Brasil e no Exterior. Os temores expressos nas reuniões do Conselho Internacional do Fórum antes de Belém de uma concorrência e esvaziamento das atividades e da perspectiva do FSM não se verificaram, e às pálidas imagens de uma elite financeira internacional reunida e perdida em Davos se contrapuseram um vigor que pouco se viu nas edições anteriores do FSM. Ponto para Belém, que pode ser de fato um contraponto adequado à decadência e obsolescência do pensamento econômico de Davos neste momento de crise capitalista profunda.
A reunião do Presidente Lula, no dia seguinte ao ato, com o Conselho Internacional do FSM, foi mais um passo neste sentido, por iniciativa da Presidência da República. Ainda que um pouco frio e com falas pouco contundentes dos membros mais críticos do Conselho Internacional, foi útil no sentido de abrir portas para que esse diálogo possa prosperar não só no âmbito do Conselho Internacional como dos movimentos sociais e organizações não-governamentais que o compõem.
Sobre a Amazônia, é preciso destacar o imenso aprendizado que o PT como um todo pode construir sobre essa importante região do nosso país e continente durante o FSM. Se o PT construiu, ao longo dos anos 1980 e 1990, grandes elaborações sobre a Amazônia e foi capaz de colocar em prática várias delas em seus governos estaduais e federal, é igualmente verdade que teve grande dificuldade de construir um discurso seu sobre o assunto para este FSM. Temas como o desmatamento, a violação de direitos humanos e os prejuízos ambientais e sociais causados por iniciativas dos nossos governos na área de infraestrutura, em programas como o PAC e o IIRSA, mostram como será necessário um esforço superior de reflexão partidária que não seja apenas reprodutor do que governo e movimentos sociais elaboraram até o momento.
A Amazônia foi uma grande descoberta para o PT neste FSM, para milhares que militantes que se deslocaram para Belém, inclusive para os que vieram de estados da Região e que ali encontraram, talvez pela primeira vez, mas com certeza com dimensões inéditas, o desafio de refletir e agir sobre este Patrimônio da Humanidade a ser preservado e desenvolvido.
Creio que o saldo compensou amplamente, tanto nos objetivos imediatos quanto numa perspectiva histórica, o esforço político e material do PT de fazer-se presente e atuante neste Fórum Social Mundial de Belém e de seguir insistindo em utilizar esse espaço para fortalecer cada vez mais o diálogo com outros partidos, movimentos sociais e governos na busca da construção de um outro mundo possível.
Renato Simões é Secretário Nacional de Movimentos Populares do PT e representa o Foro de São Paulo como membro observador do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.
Publicado no Portal PT em 17/02/2009