Entrevista: Claudio Batalha – Dicionário vem preencher lacuna histórica
Você coordenou o Dicionário. No que consiste exatamente esse trabalho?
O uso da designação “coordenador” foi por associação com outras obras do gênero. A coordenação de uma obra supõe uma equipe relativamente estável na sua produção, e não foi esse o caso, nesse dicionário. Na verdade trata-se de uma obra de um autor, fruto de mais de 20 anos de pesquisa, que contou com algumas colaborações. Os verbetes assinados, que foram total ou parcialmente elaborados por outros autores não chegam a 50. Eu teria preferido de fato coordenar uma equipe de elaboradores, mas infelizmente isso não foi possível nesse volume.
Existem similares em outros países?
Existem vários outros exemplos de dicionários do gênero, ainda que quase todos, sejam exclusivamente biográficos. O principal exemplo é o Dicionário Biográfico do Movimento Operário Francês, coordenado por Jean Maitron, cuja publicação teve início em 1964.
Qual a importância deste dicionário para a história do Brasil?
Em primeiro lugar, supre uma lacuna que é a ausência de obras de referência com esse recorte tratando do período abordado. Em nenhum outro lugar o leitor ou o pesquisador encontrará uma sistematização das associações operárias atuantes no período ou dados biográficos abrangendo um grupo tão vasto e heterogêneo de militantes. Em segundo, obras dessa natureza abrem espaço para o desenvolvimento de estudos prosopográficos, isto é, a abordagem das trajetórias de um dado grupo social. Enquanto, os estudos de trajetórias biográficas individuais têm ganhado espaço crescente nos últimos anos, as trajetórias coletivas ainda são um campo pouco explorado.
Quais foram os critérios utilizados para se chegar aos nomes dos militantes e organizações que compõem o Dicionário?
No caso das organizações o critério foi mais simples: toda organização mutualista, sindical, política, educacional ou cultural formada e voltada por trabalhadores que foi detectada na documentação pesquisada foi incluída. Já dos nomes dos militantes pesaram fatores diversos, tais como: a participação em diretorias de associações, em redações de jornais operários, em delegações a congressos, em partidos operários, as vítimas da repressão policial ou ainda, papel de destaque em movimentos como greves.
Este Dicionário está focado em um determinado período e também em um estado brasileiro. Diante da grandiosidade deste trabalho, você acha que é possível a elaboração de um dicionário único com todas as informações sobre os militantes e as organizações? E de que dependeria sua realização?
O dicionário não está focado em um estado, mas de fato em uma cidade, que no Império e no início da República era uma unidade da federação. Isso se deve a dois fatores: a enorme atomização do movimento operário no período que não tinha um caráter nacional, mas local ou, quando muito, regional. Isso também tem implicações na documentação que teria que ser pesquisada, que não está concentrada em um único local. Do ponto de vista operacional a realização de um único de caráter nacional, seria possível desde que critérios muito mais restritivos fossem adotados. Para que um projeto dessa ordem pudesse ser levado adiante simultaneamente, seria necessária a montagem de diversas equipes regionais, o que implica em recursos humanos e materiais.
Quais foram as maiores dificuldades encontradas pelos autores dos verbetes?
Não posso falar por todos os autores, mas creio que a principal dificuldade é a ausência de dados habituais em outras obras do gênero, como local e data de nascimento e morte no caso dos verbetes biográficos. Esses dados não constam da maioria das entradas. E no que diz respeito às organizações o período exato de funcionamento desde a fundação, quase sempre esse período é estimado.
Algum fato curioso foi marcante para a equipe que elaborou o Dicionário?
Talvez um dos fatos mais curiosos, foi ter encontrado o neto de um dos biografados, Victor Izeckson, neto de Isaac Izeckson, que acabou colaborando na redação da biografia do avô.
Quais são os próximos passos?
Existem outros projetos do dicionário em andamento que devem resultar em outros volumes de outros estados e regiões nesse período. O mais adiantado é o Dicionário do Movimento Operário no Rio Grande do Sul, organizado por Beatriz Loner, Benito Schmidt e Silvia Petersen, que logo deve ser publicado. Estão em andamento também o trabalho para São Paulo e para Minas Gerais, e há possibilidades para estender esse trabalho para o norte e nordeste. Terminado esse período, uma próxima etapa seria produzir volumes para períodos posteriores a 1930.