Os jornalões, revistonas e redes campeãs de audiência no Brasil ignoraram um artigo publicado, dia 7 de fevereiro, pelo Wall Street Journal. Nele, está escrito: "Embora a economia brasileira rica em commodities, 10ª maior do mundo, deva ser afetada pelo declínio mundial, espera-se que tenha conduta melhor do que a maioria, mantendo crescimento enquanto EUA, Europa e Japão contraem, conforme previsão de economistas (…). O poder penetrante da diplomacia do Brasil é desdobramento benvindo para os formuladores da política externa dos EUA".

Blogs progressistas ou que confiam mais nos rumos da economia do país criticaram nos últimos dias o fato de ter nossa mídia golpista – sempre atenta na busca e diligente na amplificação dos textos de fora com previsões sombrias de efeitos terríveis da crise internacional que ainda vão golpear o Brasil – ignorou uma avaliação recente, feita no sábado, 7 de fevereiro, pelo Wall Street Journal.

A impaciência dos blogueiros é compreensível: enquanto nossos jornalões, revistonas e redes campeãs de audiência faziam questão de ignorar o artigo do Journal, até a Câmara de Comércio Brasileiro-Americana (Brazilian-American Chamber of Commerce), ao fazer a convocação em Nova York para sua "2009 Brazil Summit", a ser realizada a 27 de abril no Hotel Pierre, usou como epígrafe estas frases do jornal tido como a bíblia de Wall Street:

"Embora a economia brasileira rica em commodities, 10ª maior do mundo, deva ser afetada pelo declínio mundial, espera-se que tenha conduta melhor do que a maioria, mantendo crescimento enquanto EUA, Europa e Japão contraem, conforme previsão de economistas (…). O poder penetrante da diplomacia do Brasil é desdobramento benvindo para os formuladores da política externa dos EUA".

A força da economia – e as intrigas

Até o título do artigo pode matar de inveja os tecnocratas sobreviventes do "Brasil Grande" do ditador Médici e tucano-demo-pefelês de FHC: "Economia alimenta ambições do Brasil além da América do Sul". E embora o Journal o tenha publicado sob a rubrica "Negócios", a análise estava no contexto da política externa – o governo Obama e o salto do Brasil, a partir da economia, e seu novo papel no mundo.

É sintomático esse reconhecimento vir do Journal, publicado pela Dow Jones, hoje parte do império Murdoch de mídia. Até porque grupos de reflexão mais à esquerda que debatem questões latino-americanas, como o COHA (Council on Hemispheric Affairs), há muito dizem a mesma coisa e insistem em escancarar o erro da ênfase dos EUA ao usar a Colômbia como ponta de lança na América do Sul.

O texto do Journal (assinado por John Lyons, de São Paulo; e com colaboração de Peter Millard, do México) começou assim: "Nos anos seguintes aos ataques terroristas, com o foco da política externa dos EUA desviado para o Oriente Médio, o Brasil e a Venezuela disputavam a posição de substituto dos EUA como principal negociador nos assuntos do hemisfério. Agora a queda dos preços do petróleo aponta o vencedor: Brasil".

Provavelmente não foi coincidência John Lyons ter passado pela Venezuela, onde acompanhou a eleição de novembro, antes de viajar a São Paulo e escrever aquele texto. Desnecessário reconhecer que ele escorregou, para variar, na imagem habitual disseminada pela imprensa dos EUA: reduziu o papel de Hugo Chávez no continente apenas à "diplomacia do talão do cheque praticada pela Venezuela".

Contrapeso à influência de Chávez?

Mas Lyons pareceu preciso ao assinalar que "as fontes da influência brasileira são mais diversificadas e menos vulneráveis às intempéries econômicas". Daí a observação de que os formuladores da política externa dos EUA deviam dar as boas vindas ao poder diplomático "penetrante" do Brasil. Também o governo Bush já via o Brasil como contrapeso relevante à influência venezuelana, ainda que incapaz de ousar alguma proposta a partir disso.

Nesse quadro, como deixar de admirar a competência da diplomacia brasileira, a cargo do chanceler Celso Amorim, ao usar o prestígio e a imagem do presidente Lula e, paralelamente, os êxitos inegáveis de nossa economia? Note-se que aí aparecem os alvos obsessivos da mídia golpista do país, tanto nos destemperados ataques cotidianos, como na obstinação da escolha daquilo que publica e daquilo que esconde.

Citando Michael Shifter, do Diálogo Latino-Americano, o Journal destacou que a cooperação com o Brasil é crucial para qualquer progresso na agenda hemisférica. "Maior exportador mundial de minério, carne, galinha, açúcar e café, o Brasil e seu carismático presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem ajudar os EUA a reparar na região sua imagem gravemente danificada pelo governo Bush".

A diplomacia brasileira deixou claro, em episódios como o do ataque da Colômbia (apoiada por Bush) ao Equador, que repudia o velho jogo americano no continente. Ao mesmo tempo, o presidente Lula tem feito questão de ignorar as pressões e provocações dos EUA, com o respaldo de nossa mídia golpista, para intrigá-lo com Chávez e envolver o Brasil na aventura de Álvaro Uribe e seu sonho maluco de ser Israel na América do Sul.

A herança de Bush e Otto Reich

Muita gente queixou-se de que durante a campanha presidencial Obama ignorou o continente. A escolha da secretária de Estado, uma Hillary Clinton voltada para outras áreas, pouco ajuda representou em favor de uma mudança no quadro deixado por Bush, da versão americana da ALCA às escaramuças com Chávez – posições que, não por acaso, encantam a mídia. Mesmo assim o Brasil está agora em melhor posição para defender um diálogo franco.

O que Shifter disse pode parecer óbvio, até em razão da descoberta recente dos novos campos de petróleo pela Petrobrás num momento em que declinavam na Venezuela os investimentos no setor petrolífero. Mas estará o Departamento de Estado preparado? Permanece no cargo o secretário Assistente para o Hemisfério Ocidental, Thomas A. Shannon, agora subordinado ao novo sub-secretário para Assuntos Políticos, William J. Burns – ambos diplomatas de carreira.

Para a América Latina, soa como continuidade, não mudança. Shannon serviu nas embaixadas do Brasil (1989-92) e da Venezuela (1996-99), depois integrou o Conselho de Segurança Nacional na Casa Branca (governo Clinton), como diretor de Assuntos Interamericanos (1999-2000), foi embaixador alterno na OEA (2000-2001) e era adjunto do infame Otto Reich, secretário Assistente que encorajou e gerenciou para Bush o fracassado golpe contra Chávez na Venezuela em 2003.

Como o ideológico Reich viera do lobby cubano (nomeação política de Bush, no recesso do Congresso, para fugir do voto no Senado, onde havia o risco de rejeição), há razoável diferença entre os dois. Mesmo levando em conta que a mudança terá de ser decisão de cima e não da burocracia, ainda é um início pouco alentador para o continente. O telefonema do próprio Obama a Lula seria o fato positivo, mas até isso ainda espera versão definitiva, capaz de alimentar esperanças.

(*) Como jornalista, desde a década de 1980, Argemiro Ferreira escreve para o diário Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. É autor dos livros "Informação e Dominação" (edição do Sindicato de Jornalistas do Rio de Janeiro, 1982 – esgotado), "Caça às Bruxas – Macartismo: Uma Tragédia Americana" (L&PM, Porto Alegre, 1989), "O Império Contra-Ataca – As guerras de George W. Bush antes e depois do 11 de setembro" (Paz e Terra, São Paulo, 2004). Foi colaborador de Rede Imaginária – TV e Democracia (org. por Adauto Novaes, Companhia das Letras, São Paulo, 1991), Mídia & Violência Urbana (Faperj, Rio de Janeiro, 1994).