O Fórum de Belém ocorre em meio a três acontecimentos de primeira grandeza: o avanço da crise econômica, o massacre promovido por Israel em Gaza e a posse de Obama. Se estes temas não estiverem no centro do debate, o encontro dificilmente alcançará a relevância política que teve em suas primeiras versões.

O Fórum de Belém ocorre em meio a três acontecimentos de primeira grandeza: o avanço da crise econômica, o massacre promovido por Israel em Gaza e a posse de Obama. Se estes temas não estiverem no centro do debate, o encontro dificilmente alcançará a relevância política que teve em suas primeiras versões.

O Fórum Social Mundial chega à sua oitava edição, em Belém, dois anos após sua última reunião, em Nairóbi, no Quênia. Tendo começado como uma saudável reação à globalização dos fundamentalistas do mercado, o Fórum tornou-se de imediato uma fresta para a entrada de ar fresco em um ambiente mundial contaminado pelos mantras da ortodoxia financeira.

Cada edição teve suas particularidades e seu momento histórico. O primeiro valeu pelo contraponto ao Fórum de Davos e por conseguir juntar organizações, turmas, tribos e gente dispersa ao redor do mundo. Todos tinham algo em comum: a não-adaptação ao modelo vigente. A segunda edição, em 2002, ocorreu ainda sob a névoa dos atentados de 11 de setembro. Havia uma difusa acusação por parte da direita mundial de que os participantes do encontro de Porto Alegre flertavam com os autores do ataque. A edição seguinte foi marcante por seu caráter eminentemente político: aconteceu pouco depois da posse do primeiro governo Lula, no Brasil e recebeu a inesperada visita do presidente venezuelano Hugo Chávez, que enfrentava um locaute petroleiro de dois meses, que quase o tirou do governo.

Contra a guerra
Em 2005, o FSM foi precedido pelas maiores manifestações pacifistas ocorridas no mundo desde a guerra do Vietnã. O objetivo era protestar contra a invasão do Iraque pelos EUA. Ao mesmo tempo, duas vertentes dissonantes começavam a ganhar peso na organização dos encontros. A primeira advogava que o Fórum seria um evento em si, longe da política e articulado ao redor de organizações não governamentais (ONGs). Seu objetivo seria apenas o de possibilitar encontros. Outra orientação defendia que, apesar de assembléias tão dispares quanto as dos Fóruns, consignas mínimas poderiam ser definidas, como o repúdio às guerras, o combate ao imperialismo e às medidas concretas dos governos liberais, como a privatização do Estado.

O Fórum, de início, repelia a participação de partidos políticos e a presença de chefes de Estado, apesar de ser basicamente patrocinado por verbas públicas. Logo a decisão foi suplantada pela realidade, pois o evento foi tomado por organizações políticas, para desgosto dos integrantes do autodenominado “terceiro setor”.

Apesar do risco de se autonomizar das disputas políticas reais em curso nos diversos países, a maioria das dezenas de milhares de participantes das várias edições estiveram nas lutas que resultaram na eleição de vários presidentes de centro e de esquerda na América Latina.

De 2001 para cá, boa parte do continente claramente pendeu para a negação de governos liberais. Ao mesmo tempo, a Europa inclinou-se para a direita, com a eleição de administrações direitistas na França, na Itália e na Alemanha e pela tendência conservadora de administrações teoricamente à esquerda, como as da Espanha e da Inglaterra.

Peso político
O Fórum Social Mundial aparentemente perdeu peso no contexto mundial. As lutas políticas reais, que resultaram na eleição de governos com plataformas mudancistas de várias nuances, assumiram o centro da cena.
O Fórum de Belém ocorre concomitantemente a três acontecimentos de primeira grandeza no mundo. O primeiro é o avanço da crise econômica mundial, ainda longe de qualquer previsibilidade quanto ao seu desfecho. O segundo é o brutal genocídio cometido por Israel sobre o povo palestino. E o terceiro é a posse de Barack Obama como presidente dos EUA.
Seguramente o país não deixará de lado sua hegemonia internacional. Desde o início de 2009, o país não tem, pelo menos na aparência, um falcão da direita na Casa Branca. Barack Obama encarna uma espécie de "imperialismo de fala mansa", diante do qual a luta política será forçada a se sofisticar.

A crise pode ter efeitos devastadores na região. Apesar da eleição de governos embalados em campanhas opostas às chamadas reformas neoliberais, a partir de 1998, o fato é que nenhum deles mudou radicalmente os modelos de desenvolvimento vigentes. Alguns exemplos são claros. Soja, cana, carne e minérios in natura ainda dominam a pauta de exportações brasileira, carne e trigo definem as vendas da Argentina ao exterior, gás e soja ordenam o comércio boliviano com outros países, cobre e pescados ainda são o que o Chile tem de melhor para comercializar e a economia venezuelana segue dependente das exportações de petróleo.

A saída de capitais e o naufrágio da especulação em commodities tiveram seu efeito mais espetacular na queda dos preços do petróleo. A tradução prática é que haverá menos dinheiro para os programas sociais, responsáveis em grande medida por alavancar nos últimos três anos a popularidade de governantes como Hugo Chávez, Evo Morales, o casal Kirchner, Rafael Correa e mesmo Lula, embora a economia brasileira seja a maior e mais sólida do continente.

Estas três questões, acima de todas as outras, precisam estar no centro dos debates do Fórum. Se não estiverem, o encontro dificilmente alcançará a relevância política que teve em suas primeiras versões.

*Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

Publicado originalmente na Agência Carta Maior, em 23/01/2009


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