Ator relevante nas negociações ambientais multilaterais travadas ao longo dos últimos anos, o Brasil será objeto de cobranças internas e externas, e caberá ao governo a complexa tarefa de demonstrar para ambos os públicos que as políticas ambientais seguem se fortalecendo no país.

Por Maurício Thuswohl

A realização do próximo Fórum Social Mundial (FSM) em Belém colocará autoridades públicas e ativistas sociais de todas as partes do mundo, literalmente, no centro da problemática amazônica. Ator relevante nas negociações ambientais multilaterais travadas ao longo dos últimos anos, o Brasil será objeto de cobranças internas e externas, e caberá ao governo brasileiro a complexa tarefa de demonstrar para ambos os públicos que as políticas ambientais seguem se fortalecendo no país.

No primeiro FSM a se realizar sem a simbólica presença de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente (MMA), todas as atenções e cobranças sobre temas como aquecimento global e desmatamento da Amazônia, entre outros, serão provavelmente dirigidas ao atual ministro. Durante o Fórum, Carlos Minc terá que, ao mesmo tempo, divulgar as ambiciosas metas do recém-lançado Plano Nacional de Mudanças Climáticas, pedir doações para o Fundo Amazônia e tranqüilizar a todos sobre o racha público do governo federal em pontos sensíveis como as alterações no Código Florestal e o caráter do Plano Amazônia Sustentável (PAS).

A comunidade internacional tem ciência de que o resultado da disputa em torno do Código Florestal será um indicativo dos rumos que tomará a política ambiental brasileira nos últimos anos do governo Lula. A poucos dias do início do FSM, o impasse permanece dentro do governo, fato que aumenta a inquietação geral frente a essa questão. Apoiado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, Minc quer evitar que as alterações no Código permitam a diminuição de 80% para 50% da área mínima obrigatória de Reserva Legal nas propriedades situadas dentro do bioma amazônico.

A oposição ao MMA parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que, alinhado aos anseios do agronegócio e da bancada ruralista no Congresso Nacional, defende a redução da Reserva Legal. Hostilizado por representantes do movimento socioambientalista, o ministro Reinhold Stephanes chegou a abandonar as negociações sobre o Código Florestal, e agora passa por um processo de convencimento, capitaneado pela Casa Civil, para voltar ao diálogo com o MMA.

Curiosamente, outro foco de oposição às alterações propostas para o Código Florestal vem de um dos setores mais progressistas do governo: o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O ministro Guilherme Cassel já avisou ao colega Minc que, da maneira como estão propostas, as alterações no Código colocarão na ilegalidade milhares de agricultores familiares que plantam alimentos em áreas de encostas.

Por trás das divergências entre o MMA e o MDA, no entanto, existe uma questão de grande importância, que é a adequação dos assentamentos da reforma agrária às metas ambientais traçadas pelo governo. Durante o FSM, caberá às equipes dos dois ministérios, em sintonia com os movimentos sociais, virar a página do episódio em que os assentamentos do Incra foram responsabilizados pelo aumento do desmatamento na Amazônia e chegar a um entendimento comum sobre as falhas e dificuldades de aplicação das políticas públicas na região. É fundamental que, “vitaminados” pelos movimentos sociais em Belém, o MMA e o MDA se unam contra os setores mais atrasados do governo.

Questão fundiária
Outra questão que será alvo da inquietação de governos e de organizações não-governamentais do Brasil e do exterior durante o próximo FSM é a regularização fundiária na Amazônia. Comandado pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, o PAS, que ainda não saiu da gaveta, prevê a venda sem licitação de terras públicas com até 1,5 mil hectares na região, fato que já rendeu à Medida Provisória que criará o fundo o apelido de “MP da Grilagem”.

No que se refere à posse de terras na Amazônia, quem terá de sofrer pressões em Belém, além de Carlos Minc, é um estreante nesse tipo de contato com os movimentos sociais: o ministro Mangabeira Unger. Em busca de resultados a apresentar durante o Fórum, Mangabeira já fez um périplo pelos estados do Pará, Amazonas, Acre e Mato Grosso, onde negociou com os governadores questões ligadas à regularização fundiária e à transferência de terras da União para os governos estaduais.

Mudanças climáticas
Também não faltarão durante o FSM cobranças ao governo brasileiro no que se refere ao aquecimento global e ao desmatamento da Amazônia. Na última conferência da ONU sobre as mudanças climáticas, recentemente realizada em Poznan (Polônia), o Brasil assumiu posição de destaque ao pedir doações para o Fundo Amazônia e ao apresentar seu Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que prevê a redução de 73% do desmatamento da floresta amazônica até 2017.

Apesar de ter saído bem na foto em Poznan, caberá ao Brasil, como anfitrião do FSM, reconhecer que o encontro na Polônia em pouco avançou e postergou todas as resoluções com vistas a um “Pós-Kyoto” para a próxima conferência sobre o cima, que acontecerá no segundo semestre em Copenhague (Dinamarca). O ano de 2009, portanto, será fundamental para a luta contra o aquecimento global. Por isso, o movimento socioambientalista brasileiro e internacional espera no FSM um posicionamento do governo brasileiro que vá além das boas intenções e do estabelecimento de metas.

O próprio MMA reconhece que, para cumprir a meta de reduzir em 40% a média de desmate no período 2006-2009 em relação à média dos dez aos anteriores (1996-2005), será preciso fazer com que 2009 seja o ano com o menor desmatamento da história. Como se vê, as responsabilidades da política ambiental brasileira são imensas, e as cobranças sobre elas começarão já no mês de janeiro, na amazônica cidade de Belém.

*Maurício Thuswohl é jornalista.

Publicado originalmente na Agência Carta Maior, em 21/01/2009


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