Periscópio Internacional 31 – Um olhar sobre o mundo
Paraguai – Fernando Lugo ultrapassa 100 dias de governo e os desafios se acumulam
EUA – Composição do governo Obama distante da mudança prometida
Grécia – protestos estudantis debilitam governo conservador
Geórgia, Ucrânia e Rússia: a disputa continua
Israel promove massacre em Gaza
Tailândia termina o ano com novo Primeiro-Ministro e velhos conflitos
China – Os efeitos da crise são sentidos
A crise agora é uma recessão mundial
A Rodada Doha da OMC foi para o congelador
COP 14 – Conferência termina com poucos avanços e muitas críticas
Paraguai – Fernando Lugo ultrapassa 100 dias de governo e os desafios se acumulam
Desde que Fernando Lugo assumiu o governo do Paraguai, em 15 de agosto, o tema da reforma agrária foi levado à frente das prioridades da agenda e o alvo principal dos protestos e marchas organizados pelos trabalhadores rurais, pequenos proprietários de terra e organizações sociais tem sido os brasileiros que ocupam a parte leste do país onde cultivam soja intensivamente tornando-o um dos assuntos da pauta de negociações com o Brasil.
No plano interno o governo paraguaio criou o Conselho para a Reforma Agrária, integrado por membros do governo e das organizações de trabalhadores e pequenos proprietários de terras. A criação desta instancia é avaliada pelos movimentos sociais do país como um grande passo em prol da democracia e da justiça social.
Entretanto, na esfera política, as diferenças entre os partidos e organizações sociais que compuseram a Aliança Patriotica por el Cambio (APC), vitoriosa na eleição, estão vindo à tona, principalmente os desentendimentos entre Lugo e seu vice-presidente Federico Franco do Partido Liberal Radical Autentico (PLRA), o principal partido no interior da APC.
Algumas causas para isso decorrem da indicação de ministros por oponentes de Franco no interior de seu partido, diferenças na concepção de defesa da propriedade privada e a decisão de Lugo de indicar o Ministro do Interior Rafael Filizzola para fazer a ponte do poder executivo com o parlamento, que de acordo com a constituição faz parte das competências do vice-presidente.
As relações de Lugo com o parlamento estão fragilizadas e sem uma adequada coordenação na apresentação das propostas de lei do governo aos legisladores. Tanto a Câmara quanto o senado são controlados pelo Partido Colorado, agora na oposição após 61 anos ininterruptos no poder. Embora a coalizão governista contasse no início com o apoio da Unión Nacional de Ciudadanos Éticos (UNACE), a relação deteriorou-se após a denúncia de uma possível conspiração golpista contra ao governo, capitaneada pelo líder da UNACE, o general Lino Oviedo, e o ex-presidente Colorado Nicanor Duarte.
Na esfera econômica, uma medida de grande impacto foi o início da cobrança de impostos sobre atividades produtivas de grandes propriedades rurais. Houve um aumento substancial na receita do Estado paraguaio, que, no entanto, poderia ter sido maior caso a evasão fiscal fosse mais controlada.
O ato da administração de Lugo acompanhado com mais atenção é a tentativa de renegociação do tratado que regula o funcionamento da Usina Hidroelétrica de Itaipu cuja administração é compartilhada pelo Paraguai e Brasil. Uma equipe de especialistas foi reunida para averiguar as demandas energéticas de ambos os países como ponto de partida, embora o governo brasileiro se recuse a renegociar o Tratado em si.
A renegociação havia sido uma das principais promessas de campanha de Lugo e a população paraguaia acredita que pela primeira vez, desde que o tratado foi assinado em 1973, há possibilidade de rediscutir seus termos, vistos como injustos pelos paraguaios na distribuição da energia e nos preços pagos por ela pelo Brasil.
Embora a popularidade do novo presidente permaneça alta, seu governo tem que enfrentar prioritariamente a questão agrária, o aumento da criminalidade e a necessidade de gerar empregos.
Porém, o maior desafio é fazer isso sem contar com o apoio necessário no parlamento para superar o legado das seis décadas coloradas no Paraguai.
Leia mais no Site Oficial da Presidência do Paraguai, e na Agência Carta Maior: “Lugo quer novas regras no jogo para Itaipu”.
EUA – Composição do governo Obama distante da mudança prometida
Quem acreditou na retórica de campanha do Partido Republicano de que Barack Obama era um perigoso socialista, radical e amigo de terroristas, deve estar surpreso com a composição de governo que está sendo delineada pelo presidente eleito.
E quem acreditava que a mudança, o slogan da campanha, seria expurgar os representantes de sempre em Washington, deve estar muito decepcionado.
A equipe econômica, a equipe de defesa e outros nomes que foram divulgados demonstram que Obama tem selecionado sua equipe com base na experiência anterior de governo e moderação política.
As escolhas na área econômica, particularmente Timothy Geithner, para encabeçar o Departamento do Tesouro, e Larry Summers, para chefiar o Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, são velhos conhecidos quando o assunto é crise fiscal. Ambos foram da equipe de Bill Clinton e participaram dos esforços para apaziguar os efeitos da crise asiática de 1997.
No front da segurança, a escolha de Hillary Clinton para o posto de Secretária de Estado mostra a habilidade política de Obama em lidar com as idiossincracias do Partido Democrata. A articulação para trazer sua maior rival nas primárias do partido é uma tentativa de unir os democratas, comprometê-la com sua administração Hillary e, portanto, longe de lhe fazer oposição caso o presidente tente a reeleição em 2012.
No entanto, representa poucas mudanças na política externa, em particular, no Oriente Médio, pois entre os vários sub-secretários e assessores para essa área não há nenhum árabe-americano e sim alguns que já trabalharam para o governo Clinton, inclusive com ascendência judaica, o que pode ser muito bom para dialogar com Israel, mas pouco produtivo quanto aos países árabes.
Por Hillary Clinton ser casada com um ex-presidente, que se mantém muito ativo na esfera internacional e preside uma fundação que recebe doações de empresas e governos, eventualmente poderão surgir problemas para justificar certas posições que ela venha a tomar.
Sob o argumento de cumprimento da promessa de campanha de apoiar a cooperação bipartidária, selecionou para seu gabinete um republicano ao manter o secretário de Defesa Robert Gates no cargo. Além de republicano, trabalhou na administração George W. Bush. A permanência de Robert Gates é uma medida que confirma a retórica de Bush sobre sua política para o Iraque: “stay the course” – “mantenha o rumo”.
Obama também escolheu alguns amigos para participarem da administração como Eric Holder, o novo procurador-geral de justiça, o primeiro negro a ocupar o cargo. O desafio dele, no entanto, será o de demonstrar que sua lealdade é ao país e à lei e não ao seu amigo.
A assessora para política externa de Obama, considerada a mais progressista em seu círculo, é Susan Rice que ocupará o posto de embaixadora da missão norte-americana na ONU. O presidente tornará este cargo parte de seu gabinete, a fim de demonstrar seu compromisso com o multilateralismo, mas Rice estará em Nova York e em política, a proximidade física do poder é crucial.
Outro progressista que ocupará um posto na administração de Obama será o economista Jared Bernstein, mas em um cargo bem menos proeminente, como chefe da assessoria econômica do vice-presidente Joe Biden.
O destaque progressista no primeiro escalão foi a indicação da congressista da Califórnia, Hilda Solis, para chefiar a Secretaria do Trabalho. Solis é filha de imigrantes e muito ligada aos sindicatos norte-americanos. Seu perfil de votações no parlamento do estado da Califórnia mostra que ela votou de acordo com as posições da Central Sindical norte americana, AFL-CIO, em 97%. Leia mais na matéria do The Nation, “Hilda Soli – A Warrior for Workers“.
Alguns analistas avaliam que a composição de Obama pode ser um passo para ganhar a confiança de uma ampla margem da opinião pública ao criar um gabinete envolto em uma embalagem de centro e bipartidária, mas que ele poderá dar uma guinada para a centro – esquerda.
Porém, seus apoiadores estão preocupados e se perguntam: após duas eleições, uma delas fraudulenta, será que o país não tem opções além de republicanos de direita ou uma mistura centrista?
Diversos blogs questionaram o fato de que, fora Hilda Solis, não há outro assessor do presidente eleito que esteja a sua esquerda, pois sua equipe de segurança nacional tem um pé na mesma doutrina de Bush e a econômica é toda ligada a Bill Clinton e defensora da deferência neoliberal ao mercado.
Por sua vez no Partido Republicano, vários setores começaram a trabalhar o nome do governador do estado da Louisiana, Bobby Jindal, como a resposta a Obama.
Ele é jovem, 37 anos, educado em universidades prestigiosas, filho de imigrantes e não-branco. Mas as semelhanças com o presidente eleito terminam aí. Jindal foi criado como hindu, mas converteu-se ao catolicismo, é contra o aborto, assinou uma lei em seu estado para que o criacionismo fosse ensinado nas escolas e é contra pesquisas com células-tronco. Estes setores esperam que ele seja uma nova versão de Ronald Reagan, com um grande apelo popular. Leia mais no artigo do Washington Post, “Jindal May Prove To be Republicans’ Version of Obama’.
Porém, neste assunto não se pode deixar de fora da competição no Partido Republicano a governadora do Alaska, Sarah Palin, que antes mesmo do final da campanha eleitoral parecia preparar-se para 2012.
Leia mais no Site Oficial da Transição do governo Bush ao governo Obama e no Acompanhamento das escolhas e da preparação para o governo de Barack Obama.
Grécia – protestos estudantis debilitam governo conservador
O bairro de Exarchia em Atenas é um reduto de jovens e estudantes onde a polícia não é bem vinda. Na Grécia existe um longo histórico de violência policial contra manifestações estudantis que explica esta incompatibilidade. Na noite de sábado em 6 de dezembro durante uma altercação entre uma patrulha policial e um grupo de cinco ou seis jovens numa das ruas do bairro, um dos policiais disparou três tiros e uma das balas atingiu Alexis Grigoropoulos de 15 anos no peito matando-o instantaneamente.
O policial alegou em sua defesa que os jovens haviam atacado a viatura com pedras e bombas caseiras e que ele apenas fizera disparos de alerta para o alto. O tiro então teria ricocheteado e atingido o garoto. Esta tese foi rejeitada posteriormente pela justiça e o policial passou a ser processado por homicídio doloso.
Porém, grupos de “ação direta” começaram a reagir com manifestações de rua na mesma noite e nos dias seguintes diversos grupos juvenis e estudantis aderiram a onda de protestos por todo o país, principalmente, na capital Atenas contra a violência policial e o governo conservador do Primeiro Ministro Costas Karamanlis que deu sustentação política ao seu Ministro do Interior ao qual a polícia é subordinada. Foram quase vinte dias de protestos diários reprimidos duramente pela polícia a ponto de esgotar o estoque de gás lacrimogêneo no país.
O governo que tem maioria de apenas um voto no parlamento esteve por um fio quando os sindicatos se somaram aos protestos decretando um dia de greve geral no dia 10 de dezembro, motivados também pela crise econômica que atingiu duramente a Grécia. Este país sempre foi um dos membros economicamente mais frágeis da União Européia quando esta possuía apenas 15 participantes e teve inúmeras dificuldades para se adaptar às condições macro econômicas exigidas para aderir à moeda única, o Euro.
No entanto, a decisão judicial sobre a classificação do crime, um pedido de desculpas do governo à família de Alexis e a chegada das festas de final do ano arrefeceram o movimento que, por sinal, estava começando a receber manifestações de solidariedade em outros países europeus. O movimento estudantil grego, no entanto, prometeu retomar as manifestações em janeiro.
O governo Karamanlis que sofreu forte queda nas pesquisas de opinião pública deverá reagir com uma reforma ministerial sob risco de nas próximas eleições perder a maioria parlamentar para o Partido Socialista Pan – Helênico (Pasok) liderado por George Papandreou que, por sua vez, subiu nas pesquisas. Leia mais em: “Inside Account of Activism in Greece” e “Greek Context“.
Geórgia, Ucrânia e Rússia: a disputa continua
No segundo semestre houve a guerra entre Geórgia e Rússia em função da ocupação pela primeira de duas províncias, Abkházia e Ossétia do Sul, que a Geórgia considera como parte de seu território, mas cujas populações majoritariamente preferem a independência ou algum vínculo com a Rússia com o qual possuem maior identidade cultural.
Estas duas províncias receberam o status de províncias autônomas da Geórgia em 1931 por Stálin, ele mesmo um georgiano e estavam sob tutela militar russa desde o início da década de 1990 quando foram invadidas por tropas georgianas para impedir sua independência no bojo do desmantelamento da URSS e incorporá-las definitivamente ao seu próprio território.
Num erro de cálculo político por avaliar que não haveria reação russa, pelo menos imediata, o atual presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, promoveu um ataque as duas províncias em nova tentativa de conquistá-las. Porém, 24 horas depois a contra ofensiva russa iniciou-se com bombardeios e ataques, inclusive, à capital da Geórgia Tbilisi e Saakashvili foi obrigado a recuar.
A França na sua função de presidência pro tempore da União Européia intermediou a negociação de um cessar fogo que se efetivou aproximadamente uma semana após o início da guerra e tentou interferir para conseguir um acordo mais permanente, o que até hoje não ocorreu. A Rússia re-estacionou tropas nas duas províncias e reconheceu a independência de ambas.
Nesse meio tempo subiu também o tom entre o governo russo e o ucraniano. A discórdia central era o acesso ucraniano ao gás russo e o transporte do mesmo até a Europa por gasodutos em território da Ucrânia. Neste caso há um acordo para a venda de gás da Rússia e a passagem de gasodutos por território ucraniano a valores especiais e favoráveis a Ucrânia. Este acordo foi feito anteriormente a eleição do atual governo ucraniano quando as relações entre os dois governos eram boas.
A Rússia constantemente utiliza a ameaça de redução de gás para a Ucrânia como arma política quando quer pressioná-la. Recentemente reduziu o fornecimento direto de gás para a Ucrânia que, por sua vez, compensou a redução ao desviar parte do gás russo destinado a vários países europeus para uso próprio.
Esta possibilidade reduz a ameaça russa e acabou-se definindo um acordo de procedimentos quanto a passagem de gás pela Ucrânia. Porém, a demora em firmá-lo e normalizar a situação levou o presidente da Comissão Européia João Manuel Durão Barroso a sugerir que as empresas européias de distribuição de gás deveriam processar as empresas fornecedoras e transmissoras da Ucrânia e Rússia por quebra de contrato e investirem em fornecimento alternativo.
O que está por trás destas disputas entre antigos parceiros é o fato de um grupo de países situados geograficamente entre a Rússia e os novos membros da UE no Leste Europeu, que anteriormente estavam sob influência da URSS, tentarem trocar a esfera de influência russa pela dos grandes países europeus e dos EUA. A sinalização mais visível disso no curto prazo é a tentativa da Ucrânia, Geórgia e Moldova de aderirem a OTAN e para isto contam com pleno apoio dos EUA, embora não da UE. Esta tem se portado com muita cautela em relação a Rússia e a preocupação desta com sua segurança e situação hegemônica na Ásia Central, embora a perspectiva dos europeus no longo prazo certamente seja a adesão daqueles três países, bem como dos países balcânicos a União Européia. Leia mais em ‘Russia/Georgia talks advance, but no agreement” (da Reuters), em “Ossetia-Georgia-Russia-U.S.A – Towards a Second Cold War?” (de Noam Chomsky, setembro de 2008) e em “Notes from the Inside – South Ossetia and Abkhazia” (do Counterpunch.org).
Israel promove massacre em Gaza
O ano de 2008 terminou e o de 2009 começou com o desenvolvimento de um dos maiores massacres cometido até agora pelos israelenses contra a população palestina ao atacarem a Faixa de Gaza.
A trégua de seis meses intermediada pelo Egito em junho de 2008 terminaria no dia 19 de dezembro, mas o Hamas, a organização palestina que governa a Faixa, declarou que não aceitaria renová-la e reiniciou o disparo de foguetes sobre regiões do sul de Israel no dia 24 de dezembro. Esta por sua vez deu início no dia 27 a um pesado bombardeio aéreo sobre Gaza que já dura mais de 20 dias, causando a morte de mais de mil pessoas das quais um terço eram crianças e mulheres, seguido por operações terrestres. Há também milhares de feridos e praticamente toda a infra-estrutura da área foi destruída, inclusive a Universidade.
Era previsível que o conflito se reacenderia, pois além de Israel manter o bloqueio e impedir o acesso e saídas da Faixa de Gaza apesar da trégua, ambos chegaram a rompê-la no mês de novembro. Israel ao proporcionar uma incursão do exército a Faixa para assassinar seis militantes palestinos e o Hamas ao disparar foguetes sobre o território israelense.
O que não se previa eram a intensidade e a violência dos ataques israelenses, provavelmente motivados pela proximidade das suas eleições parlamentares em fevereiro, pois a maioria da população israelense não acredita na possibilidade de paz e apóia os ataques contra os palestinos.
O atual primeiro ministro, Ehud Olmert, não concorrerá a reeleição, pois apenas aguarda o término de seu mandato para responder a uma ação judicial por corrupção. Porém, a sua sucessora na liderança do Partido Kadima e ministra de relações exteriores, Tzipi Livni, bem como o líder do Partido Trabalhista e ministro da defesa, Ehud Barak querem manter a atual coalizão governamental no poder e representam os principais partidos que a compõe. Porém, para alcançar este objetivo, particularmente após o fracasso do ataque israelense ao Líbano em 2006, precisam demonstrar que sua postura belicista é mais dura que a de Binyamin Netanyahu, líder do Likud, o partido de oposição pela direita com maiores chances de vencer as eleições, pelo menos, antes do início dos ataques.
A justificativa política para o desencadeamento dos bombardeios e ataques terrestres foi o reinício do disparo de foguetes a partir da Faixa de Gaza sobre o território israelense.
É verdade que a postura do Hamas na contribui para uma solução ao não seguir a resolução política da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), a frente que engloba as diversas organizações políticas e militares palestinas, que prevê o estabelecimento de dois países, Palestina e Israel.
Porém, por outro lado, não há gestos israelenses em direção a paz e estes necessariamente tem que partir do ator mais poderoso para se viabilizarem. A trégua de seis meses que deveria ser um ponto de partida para novos passos em direção a um acordo permanente de paz não encaminhou nada nesse sentido. Pelo contrário, reduziu ainda mais as precárias condições de vida de 1,5 milhões de pessoas confinadas num território de apenas 300 km2 onde o desemprego é superior a 80% e elas dependem de ajuda humanitária para sobreviver.
A ONU, por sua vez, assim como em 2006, foi solenemente desconsiderada e somente conseguiu reunir seu Conselho de Segurança vários dias depois do início dos ataques para analisar a situação e aprovor uma resolução absolutamente inócua. Seu escritório na Faixa de Gaza e uma escola que administrava foram bombardeados e três funcionários da organização morreram. O Secretário Geral da ONU, Ban ki Mon, se declarou “chocado” e o governo israelense reconheceu que foi uma “grave falha”.
Apesar de uma jornada internacional em janeiro de manifestações de protesto contra o ataque que ao todo reuniu 1,2 milhões de pessoas, a tônica geral da comunidade internacional tem sido de indiferença. Há exceções: o governo brasileiro enviou alimentos e gêneros de primeira necessidade para Gaza e buscou mobilizar outros governos para pressionar Israel a interromper a agressão e buscar o diálogo de acordo com o espírito do Acordo de Annapolis. A Bolívia e a Venezuela romperam relações diplomáticas com Israel. Há propostas de setores da sociedade civil para realizar um boicote econômico contra Israel nos moldes do realizado contra a África do Sul durante o período do “apartheid”.
A paz jamais será alcançada sem uma forte intervenção da comunidade internacional. Embora os responsáveis para negociar os termos de qualquer acordo sejam israelenses e palestinos, não há confiança suficiente entre eles para chegarem a algum lugar. Por isso, o envolvimento de terceiros atores é fundamental, pois além de compensar o sectarismo e a falta de confiança entre a população de Israel e da Palestina, é também necessário que mude a política norte americana para o Oriente Médio.
Tailândia termina o ano com novo Primeiro-Ministro e velhos conflitos
Após pelo menos seis meses de protesto, em 15 de dezembro foi definido um novo primeiro-ministro para a Tailândia, o 27º da história política recente e o terceiro em quatro meses. Trata-se de Abhisit Vejjajiva, líder do Partido Democrata, que recebeu 235 votos do Congresso contra 198 coletados pelo antigo chefe da polícia nacional, Pracha Promnok, aliado do ex-premiê Thaksin Shinawatra.
A Tailândia está em crise desde 2006, quando um golpe tirou do poder o primeiro-ministro Thaksin Shinawatra, que havia sido reeleito em março de 2005. Em fevereiro de 2008 o país voltou a mãos civis, por meio de Samak Sundaravej, mas em setembro ele foi forçado a deixar o cargo por conta de conflitos de interesse pautados na legislação tailandesa. Assume em seu lugar, Somchai Wongsawat, e os protestos se intensificam. O estopim dos protestos nas ruas são as condenações por corrupção de Thaksin e sua esposa.
A expectativa é de que a escolha de um novo primeiro-ministro possa acalmar o cenário político do país. Mas embora Abhisit tenha recebido o apoio do rei Bhumibol Adulyadej desde sua escolha, agora são os apoiadores de Thaksin que devem organizar grandes manifestações publicas, uma vez que este ainda conta com grande apoio popular. No início de dezembro, antes da eleição, durante um comício foi mostrado um vídeo de Thaksin para mais de 40 mil apoiadores que se reuniram em um estádio no centro de Bangkok. A ação demonstra sua força, não só pelo numero alto de correligionários dispostas vê-lo mesmo que em vídeo gravado, como pela localização do ato, no centro da capital do país.
Abhisit e seu partido têm apoio da classe média e da elite e apesar da coalizão encabeçada pelo PPP (Partido do Poder Popular) ter sido dissolvida e do ex-premiê Somchai Wongsawat, cunhado de Thaksin, ter sido banido de desenvolver atividades políticas durante cinco anos, as causas dos protestos não foram resolvidos.
Os analistas tailandeses afirmam que a população não terá paciência para que o jovem primeiro-ministro possa mostrar suas eventuais qualidades. Ele faz parte da oposição desde 2001 e não apresentou nenhum plano para solucionar a crise política na qual o país se encontra. Além disso, para complicar o cenário, a economia tailandesa não vai bem.
A crise e o desaquecimento da economia mundial, o clima local de incertezas e o fechamento dos aeroportos ocorrido pelos protestos em novembro foram um forte golpe para a indústria do turismo na Tailândia, um setor essencial de sua economia. A estimativa é de que cerca de 300 mil turistas deixaram de visitar o país neste ano e os números devem manter-se abaixo do normal e a previsão é de que a segunda maior economia do Sudeste Asiático entre em recessão em 2009.
O PPP que foi dissolvido pela corte tailandesa por acusações de corrupção foi reagrupado no recém-criado Puea Thai, que seguirá fazendo oposição ao governo atual. Leia mais em: “Timeline: Thailand crisis” (publicado em AlJazeera.net), e em “New face, old anger – Thailand’s new prime minister faces a near-impossible job” (do The Economist).
China – Os efeitos da crise são sentidos
Mesmo com o anúncio, em novembro, de um pacote de US$ 586 bilhões para o estímulo de sua economia, a China tem sentido os efeitos da crise que abate a economia mundial.
No ano do 30º aniversario das reformas capitaneadas por Deng Xao-pin, o país vem precisando de menos combustíveis, sinal da desaceleração de sua indústria, e as taxas de crescimento de sua economia já estão sendo revistas (7,5% para 2009 segundo o Banco Mundial). Além disso, muitas das regulamentações ambientalmente responsáveis estão sendo revisadas.
Por exemplo, em fevereiro de 2008, uma fábrica têxtil foi fechada por despejar restos de corantes em um rio na vizinhança. Mas com a economia chinesa desacelerando e o nível de desemprego aumentando, a fábrica foi reaberta. Encorajada pelo governo, a fábrica simplesmente trocou de nome, mudou-se para um novo local e reabriu em silêncio.
Com a recessão econômica global, a China aparentemente está se distanciando dos compromissos assumidos anteriormente com relação à proteção ambiental. Novos compromissos inclusive faziam parte das resoluções do 17º Congresso do Partido Comunista Chinês ocorrido no final de 2007 e na 3ª plenária, ocorrida em outubro de 2008.
O problema é que a China contém algumas das cidades mais poluídas do mundo e em 2007 ultrapassou os EUA como maior emissora de gás produtores do efeito estufa. O primeiro-ministro Wen Jiabao comprometeu-se a fazer com que a economia chinesa dependa cada vez menos da indústria produtora de papel, químicos e têxteis, tidas como as mais poluidoras. A idéia é calcar o desenvolvimento daqui por diante em computação, biotecnologia e outras ciências, ação que aparentemente ganhou projeção e força com a realização dos Jogos Olímpicos no país em agosto.
A iniciativa de Wen Jiabao foi bem recebida pelos ambientalistas, mas neste momento há dificuldades em cumpri-la diante dos protestos cada vez mais constantes dos desempregados e que apresentam um grande desafio para o Partido Comunista. Os benefícios ambientais estão sendo duplamente pesados antes de alguma ação que possa criar instabilidade social.
Além do relaxamento na fiscalização ambiental, o orçamento chinês diminuiu os recursos disponíveis para iniciativas ambientais diante da necessidade de cobrir custos de salários de empresas que vão a falência ou de prover as comunidades rurais, em dificuldades para vender suas colheitas, com serviços sociais.
O resto do mundo não tem se preocupado com estes aspectos, pois o papel da economia chinesa para o equilíbrio da economia mundial é crucial e o sucesso de seu pacote de estímulo pode fazer com que os efeitos da crise mundial sejam menos impactantes.
2008 também foi o ano em que a China venceu uma batalha de 15 anos e foi aceita como membro do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) como país doador. O duro processo de negociação foi acelerado justamente pela crise financeira iniciada nos EUA. Como os países da região devem precisar mais do BID, o ingresso da China capitaliza o banco com a entrada de US$ 350 milhões nos fundos para fortalecimento de seus programas-chave.
A entrada da China no BID oferece mais uma oportunidade de negócios e aumento do comércio da região com o país asiático. Em 2007, o intercâmbio comercial entre China e América Latina e Caribe foi de US$ 100 bilhões, 13 vezes maior que os US$ 8,4 bilhões registrados em 1995. Hoje, o país é o segundo maior sócio comercial da região, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Em 2009, o país comemora 60 anos da existência como República Popular, um marco de grande importância e há muita expectativa quanto ao resultado das reformas em execução na China ainda mais diante do enfraquecimento econômico dos EUA.
A entrada do país na seara americana do BID e o início do restabelecimento das relações com Taiwan podem dar algumas pistas do que deve direcionar o país em 2009, embora haja preocupações com a possibilidade de instabilidades políticas advindas da crise, pois o governo chinês necessita de alto crescimento do PIB para gerar perspectivas de trabalho e renda para as novas gerações e para uma parcela importante da população que continua abandonando o campo em busca de emprego nas cidades.
Leia mais em: “Thirty years of China’s reforms” (publicado no The Economist), e no jornal El Pais, edição de 18 de dezembro de 2008.
A crise agora é uma recessão mundial
A crise financeira iniciada há meses nos EUA agora se tornou uma recessão econômica profunda ameaçando, inclusive, a existência de uma das maiores empresas multinacionais do mundo, a General Motors.
A crise americana se espalhou em função da interdependência econômica da globalização e o ano de 2008 terminou em recessão mundial, mais ou menos perceptível, a depender do país em referência.
No caso dos EUA, os números são graves, por exemplo, com a ocorrência de 1.256.000 demissões entre setembro e novembro de 2008 e redução sensível do número de horas extras. Na Espanha cujo forte crescimento dos últimos anos se apoiou no turismo e na construção civil, dois setores muito sensíveis às mudanças econômicas, o desemprego voltou aos dois dígitos que caracterizaram a reestruturação da economia espanhola nas décadas de 1980/1990.
Aliás, a maioria dos países europeus já vinha exibindo taxas de crescimento econômico desacelerados, muito antes do início da crise, o que não favorece uma reação eficiente no curto prazo.
Apesar dos pacotes americano, europeu, chinês e outros de menor dimensão, há dúvidas sobre a eficácia dos mesmos, por várias razões;
– os recursos dirigidos ao sistema financeiro com o intuito de fortalecer o crédito bancário em grande parte foram aplicados em títulos mais seguros do que simples empréstimos para continuar garantindo os altos lucros do sistema financeiro;
– nos casos dos recursos americanos destinados à compra de títulos podres de determinadas instituições financeiras sob a justificativa de evitar o colapso do sistema, há sérias dúvidas se as escolhas recaíram sobre as instituições que ofereciam maiores riscos ou sobre as que possuíam o lobby mais eficiente;
– pouca ou nenhuma contrapartida foi exigida dos beneficiados pelas ajudas governamentais, seja em termos de postura empresarial, seja em termos de manutenção dos empregos;
– apesar do aspecto “keynesiano” da intervenção estatal na economia, o Estado se limitou a prover os recursos e tem sido extremamente vaga quanto à definição de regras para evitar a repetição das conseqüências da especulação financeira e impedir absurdos como as “Pirâmides de Madoff”. A reunião do G-20, por exemplo, “equilibrou” sua resolução com loas ao papel do Estado e reafirmações dos valores fundamentais da economia de mercado;
– não foram apresentadas até o momento quaisquer alternativas aos mecanismos controladores do fluxo financeiro ora existentes como as agências de classificação de riscos que por serem sustentados pelos próprios investidores acabaram por se tornar coniventes ou omissas diante dos abusos cometidos;
Enfim, não há certeza alguma sobre o que poderá acontecer quanto à evolução da presente recessão, apenas que a liberalização financeira que dura a mais de 30 anos, no mínimo, necessita de controles.
Leia mais em: “G-20 delinea algunos compromisos en respuesta a la crisis”, no estudo do Conselho Nacional de Inteligencia do governo dos EUA “Global Trends 2025: A Transformed World”, no texto da IPS “LATIN AMERICA: Summit Marks Distance from US“, e no artigo do The Economist “Fare well, free trade – With the global economy facing its worst recession in decades, protectionism is a growing risk“.
A Rodada Doha da OMC foi para o congelador
No último grande encontro dos negociadores comerciais na OMC em julho do ano passado chegou-se relativamente próximo de um consenso sobre os princípios e parâmetros que poderiam nortear o conteúdo de um acordo comercial detalhado e assim concluir a Rodada Doha iniciada em 2001.
O que estava sobre a mesa era no geral de pouco interesse para o conjunto dos países diante de suas ambições, mas aparentemente poderia haver uma conclusão como forma de evitar ainda maiores desgastes para a OMC. O próprio G-20 se dividiu sobre a proposta de Acesso a mercados Não Agrícolas (NAMA) e de agricultura com o Brasil disposto a aceitar o que fora negociado até então e, particularmente, Índia e Argentina contrários.
A Índia é um país onde mais de 70% da população, algo como 700 milhões de pessoas, vivem da agricultura e, portanto, ela reivindicava mecanismos de proteção contra excessos de importações de produtos agrícolas, o que foi questionado principalmente pelos EUA e não se chegou a um acordo.
No entanto, os grupos de negociação em torno destes dois temas prosseguiram seus trabalhos e chegaram a avançar em alguns poucos detalhes. A reunião do outro G-20, o dos países com maior PIB, realizada em Washington em novembro passado, entre suas várias resoluções aprovou realizar mais uma tentativa em dezembro para fechar a Rodada.
No entanto, com o novo governo eleito nos EUA e o Partido do Congresso Indiano (ICP) disputando uma série de eleições regionais e preocupado em não perder as eleições nacionais de 2009 para o nacionalista Bharatya Janata (BJP) sequer chegou a haver uma reunião formal de ministros e o Diretor Geral da OMC e candidato único à reeleição para o cargo, Pascal Lamy, anunciou que não era o momento de prosseguir com as negociações.
Portanto, os ativistas sociais que se mobilizaram ao longo dos últimos anos contra novas reduções das tarifas industriais dos países em desenvolvimento e crescimento do agrobusiness em prejuízo dos pequenos produtores podem relaxar por alguns meses.
A depender da evolução da atual recessão mundial, o protecionismo nacional tenderá a se fortalecer reduzindo ainda mais a possibilidade de grandes acordos comerciais multilaterais.
Leia mais em: OMC destaca mayor crecimiento del comercio en 2007, no así en 2008, no Estudo da OMC “Estadísticas del comercio internacional 2008″, e nos artigos da IPS “DEVELOPMENT: U.N. Looks to Doha Summit for Answers” e “DEVELOPMENT: Rights In Times of Crisis
DOHA“.
COP 14 – Conferência termina com poucos avanços e muitas críticas
A Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP14), realizada em Poznan, na Polônia, de 1 a 13 de dezembro, terminou sob críticas de países em desenvolvimento e ambientalistas. A conferência marcou a metade do caminho para um novo acordo sobre emissões de gás carbônico, que deve ser fechado em Copenhague, Dinamarca, no final de 2009. O novo acordo vai substituir o Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. Mais de 11 mil participantes, entre representantes governamentais e não-governamentais, compareceram a Conferência de Poznán.
O principal avanço da reunião foi a aprovação do Fundo de Adaptação às Mudanças Climáticas – considerado um dos pontos mais urgentes pelos participantes, que agora deverá sair do papel e liberar recursos financeiros anualmente para países em desenvolvimento que enfrentam conseqüências das mudanças climáticas.
Porém, quanto à Redução de Emissões Decorrentes de Desmatamento e Degradação de Florestas (Redd), um dos assuntos de maior interesse para o Brasil, o compromisso de redução de emissões por desmatamento e degradação pouco avançou. No texto de Poznan, foi incluída uma frase sobre “a necessidade de participação completa e efetiva de povos indígenas e comunidades locais” nos projetos de Redd, mas as ONGs e movimentos sociais protestaram porque a redação não incluiu a palavra “direitos” dos povos indígenas no documento.
A fim de dar continuidade ao processo, foram marcadas reuniões em Bonn, na Alemanha, de 29 de março a 8 de abril, e de 1º a 12 de junho, na qual deve ser avaliada a primeira versão de um possível substituto do Protocolo de Kyoto. Em agosto ou setembro deve acontecer mais um encontro preparatório para a próxima reunião da ONU sobre mudanças climáticas que acontecerá entre 7 e 18 de dezembro, em Copenhague, Dinamarca.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo criado pelo Protocolo de Kyoto prevê que países desenvolvidos abatam de suas metas reduções de emissões provocadas por projetos em países em desenvolvimento. Em Poznan, foi adiada para 2009 a decisão sobre a inclusão de projetos de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês), que possibilitariam usinas termoelétricas de carvão capturar a sua poluição e armazená-la subterraneamente. Também foram adiadas decisões sobre o uso de reflorestamento em áreas degradadas como forma de ganhar créditos de carbono e ainda sobre novas propostas de emissão de créditos de carbono a partir da destruição de gases CFC, que contribuem fortemente para o efeito estufa.
Os países que ratificaram o Protocolo de Kyoto concordaram que um novo acordo deveria se concentrar em cortes de emissões mais profundos, em vez de outras formas de verificação de poluição. O grupo repetiu as intenções anunciadas antes da Conferência de Bali (dezembro de 2007) de reduzir emissões entre 25% e 40%, em comparação com os níveis de 1990, até 2020. Dessa forma, as emissões ficariam dentro dos limites sugeridos pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), para que o aquecimento global não passe de 2ºC.
A fim de reduzir o mal estar pelos parcos resultados da conferência e minimizar os conflitos países industrializados e países em desenvolvimento, o presidente da Conferência, Ministro do Meio Ambiente da Polônia Maciej Nowicki, declarou que o evento terminou com um “claro compromisso dos governos de adentrar – no próximo ano – em modo de negociação sem reservas a fim de criar uma resposta ambiciosa e efetiva para a questão das mudanças climáticas, a ser acordado em Copenhagen no fim de 2009”.
O secretariado da UNFCCC também achou por bem apregoar a conferência como “um sucesso”, declarando ter sido um evento chave para o compartilhamento de visões de longo-termo para a cooperação ativa na questão climática.
Na visão dos ativistas sócio-ambientais a esperança quanto a um possível progresso repousa em três novos elementos: o compromisso da União Européia “20+20+20” de 20% de redução das emissões e 20% a mais de utilização de energias renováveis em 2020, a chegada de Barack Obama à Casa Branca e os compromissos voluntários de algumas economias emergentes como China, Índia, México e Brasil.
Leia mais em: Posição da Central Sindical Internacional sobre a Conferência e no Site Oficial da 14ª Conferência das Partes.