Saturnino Braga: Em busca de outro mundo no mesmo planeta perservado
Toda essa crise financeira, que continua nas manchetes causando danos, tem origem nesse impulso humano que é vil, nada nobre, que tem muito a ver com a ganância ou a avareza, um dos chamados pecados capitais, que é a vontade de ganhar dinheiro fácil, deitado no sofá tomando refresco, usando só a esperteza, algumas informações privilegiadas, e o conhecimento de pessoas também espertas e sem escrúpulos, que podem fazer dinheiro a partir de dinheiro, sem nenhum trabalho, através de meios que a lei nem sempre veda porque a lei é sempre generosa para quem tem dinheiro. E, mais, ganhar dinheiro fácil sem correr o risco de ser considerado desonesto.
O trambique desse Bernard Madoff é um caso exemplar. Figura antes impecável, sujeito sério, técnico altamente competente e confiável, muito bem relacionado nas finanças internacionais, ex-presidente da NASDAQ, a bolsa americana das empresas de alta tecnologia, símbolo do avanço da modernidade, do absoluto domínio infalível da ciência. E, entretanto, era um trambiqueiro; está preso em Nova Iorque; montou uma felipeta de 50 bi de dólares! E, com a sua imagem impoluta e tecnológica, arrastou uma multidão de espertos atrás do dinheiro fácil, agenciados por subtrambiqueiros de diversos países do mundo ligados a ele. Quando penso que o jogo do bicho é contravenção e os bicheiros tão mal falados, fico devendo mil explicações a mim mesmo.
Perderam muito dinheiro; tomaram boa lição os que correram atrás do Madoff. Será que aprenderam?
Espero que sim. Mais que esperar, eu creio que sim, porque acredito firme nessa evolução para melhor da humanidade como um todo. É possível, neste caso em pauta, ver a evolução em sentido contrário: é só considerar o austero espírito do capitalismo incipiente entre os povos protestantes do Norte, estudado e descrito por Weber, no qual preponderava a ética do trabalho, e compará-lo com o hedonismo dos capitalistas de hoje, que enriquecem à sombra das invencionices do sistema financeiro para explorar os que trabalham e produzem. Esse cotejo é realmente terrível, mas é da lógica do caminhar da História a ocorrência de desvios ou meandros que acabam retornando ao eixo principal de evolução. A espertalização do sistema financeiro para furtar de todos os outros foi um desses desvios. Criou algumas fortunas rápidas, bens que vieram para o mal; foi um desvio grave, mas acabou, está indo a pique, e a marcha no sentido correto continuará.
Não significa que o capitalismo esteja naufragando; isso ainda vai demorar alguns séculos. Mas o capitalismo financeiro vai ter controles políticos daqui para a frente; jogatinas e trambiques dessa natureza não mais ocorrerão. E posso até ousar e antever, como coisa para o curso deste século XXI, uma reação da tecnologia produtiva para impor nos negócios a ética dos seus interesses, que, no fundo, é um retorno à ética do trabalho, com a indispensável irrigação financeira controlada pelo poder público, político. O que quer dizer um sistema bancário submetido a regras e políticas de interesse da produção e do trabalho; de interesse de todos, por conseguinte, de interesse comunitário. O que pode ser, perfeitamente, um sistema bancário estatizado.
A política não acabou nem vai acabar nunca, pelo menos enquanto existir humanidade no planeta, sem se cumprir a terrível ameaça de Jarred Diamond (Colapso); porque a política é inerente à sociedade humana. E, existindo a política, existirão necessariamente, por ser da sua lógica, as vertentes da direita e da esquerda do pensamento e da ação política. E a vertente da esquerda, que esteve tão humilhada e perplexa no último quarto de século, pela derrocada soviética e pelo domínio do neoliberalismo, pode ter agora aquela bandeira de luta que vem procurando desde que se instalou o primeiro Fórum Social Mundial, sustentando que outro mundo é possível. A grande bandeira da esquerda nestes anos dois mil e tantos, que se lhe apresentam promissores, pode ser a do Sistema Bancário público, junto com a Previdência pública, como ferramentas político-econômicas para a consecução de objetivos que lhe são existenciais: a justiça social e humanista, o avanço da produção com justiça para o trabalho, a eficácia maior na defesa ambiental e até a redução da jornada de trabalho para seis horas diárias, propiciando ao ser humano mais tempo para se dedicar ao seu aperfeiçoamento profissional, cultural e moral.