A economia global atravessa a maior crise desde 1929 e é muito mais grave do que as ocorridas nos anos 90, nos países emergentes. O epicentro da crise atual tem origem nos países avançados e envolve US$ trilhões. É uma crise sistêmica que atinge todos os países e todos os mercados, porém, se manifesta em diferentes magnitudes através da escassez e do encarecimento do crédito, da diminuição do comércio internacional, da queda da renda e da riqueza. Logo, promove grandes incertezas, irracionalidades na tomada de decisões e expectativas auto-realizáveis e os tratamentos já são bastante conhecidos.

A concentração de renda e algumas de suas conseqüências, tais como super-oferta e/ou subconsumo, mudanças abruptas dos paradigmas tecnológicos, assim como os movimentos de correção de excesso de valorização de ativos reais e financeiros, são ocorrências comuns nos ciclos de expansão capitalista.

O movimento de DEFLAÇÃO deveria ter sido esperado e assim, poderia ter sido neutralizado para evitar a crise sistêmica. Os preços de todas as classes de ativos financeiros estão em queda livre e em um movimento de forte volatilidade. A confiança de consumidores e de empresas se deteriora, atingindo baixos índices históricos. Estima-se que metade da economia mundial já se encontra em recessão, a despeito dos esforços governamentais para sanear os sistemas financeiros domésticos, ampliar a coordenação supranacional das intervenções e implementar medidas fiscais de caráter anticíclicos.

O sistema financeiro, sem qualquer regulação e controle, experimentou, nos últimos vinte anos, um vigoroso processo de valorização fictícia de ativos através da geração, sem limites, de derivativos e alguns tipos de fundos de investimentos. Segundo levantamento do BIS – Bank for International Sttlements – derivativos e outras inovações financeiras atingiram o incrível valor de US$ 600 trilhões, enquanto a produção efetiva de riquezas, medida pelo PIB mundial, alcança apenas US$ 65 trilhões.

Cabe ressaltar que não existe experiência histórica de deflação sistêmica em escala planetária e, conseqüentemente, é da maior urgência a imperiosa necessidade de serem construídas propostas de engenharia econômica, financeira, fiscal e contábil que permitam o enfrentamento adequado de um problema dessas dimensões e magnitudes.

Políticas monetárias de flexibilização seletiva de liberação de depósitos compulsórios e redescontos, acompanhadas da redução de juros e de políticas fiscais de elevação de gastos governamentais, principalmente para investimentos, são fundamentais e já estão sendo adotadas pela maioria dos países, mas parecem não ser suficientes para evitar a esterilização daqueles papéis lastreados por ativos financeiros e reais que experimentaram rápida e falsa valorização, cuja correção resulta tanto na redução do valor dos ativos quanto de preços de mercadorias, principalmente, de commodities, posterga investimentos privados e desestimula gastos com o consumo. O resultado natural desse processo é a evolução crescente da preferência pela liquidez e pelo entesouramento.

Medidas recentes tomadas pelo FED e pelo Tesouro Americano para garantir US$ 300 bi, de ativos do CitiGroup em rápido processo de desvalorização; aquisições US$ 600 bi de hipotecas da Fannie Mae e da Freddie Mac, empresas com patrocínio governamental, e das agências públicas Ginnie Mae e Federal Home Loan, que beneficiam – em última instância – os especuladores e responsáveis pela supervalorização de ativos, não estão inseridas em um plano de longo prazo e podem, inclusive, agravar a já baixa confiança existente no mundo econômico.
Como os Estados Unidos, a Europa e o Japão já estão em recessão, acredita-se que caberá a alguns países emergentes, entre os quais o Brasil, a construção do novo eixo dinâmico de crescimento econômico mundial.

Cabe chamar a atenção, no entanto, que o Brasil já está sendo afetado pela crise, especialmente, através da queda do comércio exterior, da redução de preços das commodities e da diminuição dos fluxos de créditos internacionais e também da desvalorização de empresas no mercado de capitais. Mesmo assim, o país ainda reúne condições para minimizar os impactos e, até mesmo para sair na vanguarda no esperado processo de retomada do crescimento econômico pós crise.

O governo brasileiro pretende, corretamente, preservar os programas sociais, os investimentos e o nível de emprego; assegurar proteção aos segmentos sociais mais vulneráveis; continuar a valorizar o salário mínimo; acelerar a implementação do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento –, a PDP – Política de Desenvolvimento Produtivo -, especialmente, maior apoio às principais cadeias intersetoriais como o setor automobilístico, indústrias intensivas em tecnologia e aos agronegócios.

No que diz respeito aos investimentos em infraestrutura, é decisão estratégica da maior relevância a criação de uma Empresa Nacional de Ativos, com capital integralizado através da aglutinação de ações de empresas estatais (BB, CEF, PETROBRÁS, ELETROBRÁS, FURNAS, INFRAERO, IRB, etc.), destinada a alavancar recursos visando acelerar e elevar investimentos em infra-estrutura e, inclusive, na exploração do Pré-sal e de projetos de integração regional.

Deve, também, o governo brasileiro envidar os maiores esforços para elevar suas relações com os países emergentes, tanto da América Latina, quanto da Ásia, particularmente, a China. A manutenção do dinamismo da economia chinesa poderá contrabalançar, pelo menos parcialmente, as tendências deflacionistas das economias maduras. Atualmente a China apresenta níveis de liberdade relativamente mais elevados para a implementação de medidas contra-cíclicas, visto que vem de um período de melhoria substantiva da solvência fiscal e de suas contas correntes. Ademais, o imperativo da manutenção do crescimento econômico, para a sustentação da estabilidade política, indica que as lideranças chinesas tratarão de adotar todas as ações de política interna e externa necessárias à concretização da estratégia de “desenvolvimento pacífico”.

É contraditório o comportamento do BACEN. Em lugar aproveitar a enorme margem existente para reduzir os juros possibilitando que os bancos oficiais diminuam fortemente seus spreads e induzam, assim, os bancos privados ao mesmo comportamento. O BC mantém, na contramão da maioria dos países, a taxa SELIC em 13,75% a.a, uma das mais altas taxas reais básicas de juros.

É importante enfatizar, que o BACEN deve ser estimulado a aperfeiçoar sua metodologia de análise de cada item das aplicações em ativos reais e financeiros de cada instituição bancária de modo a minimizar, preventivamente riscos de deflação.*

Cézar Manoel de Medeiros, economista, doutor pelo IE-UFRJ, dezembro/2008

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* A propósito cabe incluir importante sugestão de um leitor qualificado: “a ABSORÇÃO PROGRESSIVA DOS ATIVOS VIRTUAIS pode ser alcançada através da criação de uma Subsidiária Integral de Objetivo Específico – SIOE – destinada a desintoxicar o balanço de empresas que aplicaram em derivativos e foram atingidas pela desvalorização daqueles ativos. Contabilmente, se quantificaria com maior precisão do problema; com o balanço saneado as empresas apresentariam melhor ao mercado; e poderiam ser concedidos alguns incentivos fiscais através da depreciação acelerada de tais ativos, permitindo sua absorção ao longo – por exemplo – dos próximos vinte anos, prazo razoável para o retorno da economia a seus níveis satisfatórios”.
Dr. Paulo César Palhares, administrador, cientista político, aposentado do Banco do Brasil
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