Entrevista – Valmir Ortega: “Para deter o desmatamento é preciso superar a pobreza”
Por Maurício Thuswohl
BELÉM – Certamente existem poucos cargos públicos mais espinhosos do que o de secretário de Meio Ambiente do Pará, estado com riqueza natural inigualável, palco dos maiores conflitos socioambientais do país e campeão, ao mesmo tempo, do desmatamento e da floresta ainda intocada. Em toda sua história, o Pará teve com a floresta amazônica uma relação de mão única, que baseou boa parte da economia do estado na degradação de suas riquezas ambientais.
Agora, um dos principais objetivos do governo paraense é deter o desmatamento e dar condições dignas de sobrevivência aos habitantes da floresta. À frente desta missão está o secretário de Meio Ambiente, Valmir Ortega, que coordenada a ampliação de toda a área ambiental no governo da petista Ana Júlia Carepa. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Ortega fala sobre os desafios de sua pasta, sobre o programa do governo que pretende plantar um bilhão de árvores nativas e sobre a necessidade de se aliar o combate ao desmatamento à redução da pobreza. Leia a seguir a entrevista:
No Fórum Social Mundial de Belém, mais do que em qualquer edição anterior, as questões ambientais, sobretudo aquelas relativas à Amazônia, estarão no centro das discussões. A cobrança internacional por ações contra o desmatamento será forte. O que o Governo do Pará tem a apresentar sobre isso durante o Fórum?
Nos últimos dois anos, o Pará vive uma agenda ambiental muito intensa, pois o governo estadual está investindo de forma brutal e reconstruindo toda sua área ambiental. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente será no ano que vem, em termos de pessoal, três vezes superior ao que era no ano passado. Em termos de orçamento, será oito vezes maior. Isso vem fazendo com que o Estado tenha maior capacidade no combate ao desmatamento. Do ano passado pra cá nós tivemos uma mudança muito forte no padrão das fiscalizações e das operações de combate ao desmatamento. O Pará é o único estado da Amazônia onde se conseguiu desenhar uma estratégia de coordenação efetiva entre o Ibama e a fiscalização estadual e onde a madeira apreendida está sendo efetivamente retirada e leiloada, com o recurso destinado ao fortalecimento da fiscalização e à recuperação de áreas degradadas. Esse esforço de administração integrada entre as esferas federal e estadual foi o suficiente para que impedíssemos o crescimento do desmatamento, pois no início do ano, pelo aquecimento da economia e por diversos fatores externos, havia toda uma sinalização de que poderia acontecer uma explosão do percentual de desmatamento. Aqui no Pará, tivemos em março uma crise muito pesada na cidade de Tailândia, tivemos enfrentamentos em municípios como Altamira, Paragominas, Pacajás e outros. Mas, isso permitiu não somente que o governo impedisse o crescimento da taxa como também assegurasse uma diminuição.
Mas, o desmatamento ainda continua grande no Pará…
Apesar de ter crescido um pouco na Amazônia como um todo, o desmatamento diminuiu no Pará este ano. No entanto, mesmo tendo diminuído, o Pará ainda é o maior desmatador em termos absolutos. Quase metade de todo o volume que é desmatado hoje na Amazônia é desmatado no Pará. Isso acontece porque entre os estados que sofrem maior pressão por estarem na borda da Amazônia _ Pará, Mato Grosso e Rondônia _ o Pará é o que tem o maior remanescente florestal. O Pará tem mais de 70% de seu território coberto por vegetação florestal nativa e 52% de seu território em Unidades de Conservação ou Terras Indígenas. Portanto, mais da metade de nosso território é floresta protegida. Mas, é uma floresta sob pressão.
O Governo do Pará tem resultados a apresentar em temas como desmatamento, proteção da floresta e da biodiversidade. Criamos o Instituto de Desenvolvimento Florestal (Ideflor), que fará a gestão de nossas florestas públicas e estamos hoje trabalhando na elaboração de planos de manejo e estratégias de proteção para um bloco de unidades de conservação na região da Calha Norte. Só em florestas estaduais são doze milhões de hectares que, integrados às terras indígenas e as unidades federais, formam um bloco contínuo de floresta de 25 milhões de hectares que estão hoje recebendo investimentos de US$ 3,5 milhões para planos de manejo, estruturação de equipes e organização das comunidades do entorno. A Calha Norte é um território gigantesco, equivalente à metade da França, que está sob a gestão do Estado. Portanto, o Pará, apesar da imagem negativa e de ter ainda uma participação muito grande no desmatamento ilegal, é um estado que tem um volume extremamente alto de floresta legal protegida.
Quais as metas do governo estadual em relação ao combate ao desmatamento?
Nosso objetivo é chegar ao desmatamento ilegal zero, mas isso não basta, pois o Pará tem quase 30 milhões de hectares de áreas degradadas, com florestas suprimidas ou alteradas. Para vencer esse desafio, por determinação da governadora Ana Júlia, estamos trabalhando para ter um grande programa de restauração florestal e recuperação de áreas degradadas, que é o programa Um Bilhão de Árvores. Quando falamos de desmatamento no Pará, estamos falando de uma atividade ilegal que movimenta R$ 2 bilhões por ano na nossa economia, que gera renda para mais de 250 mil pessoas. Nós temos casos de municípios de pequeno porte onde 70% da economia depende de alguma forma da extração ilegal e irregular de produtos da floresta. Portanto, não estamos falando de uma atividade que possamos combater apenas com repressão e com a polícia, mas que demanda também alternativas econômicas que sejam capazes de mobilizar recursos na casa dos bilhões de reais. O passivo ambiental do Pará gira em torno de cinco milhões de hectares, e nós assumimos o desafio de recuperar 20% desse passivo. Nossa meta é recuperar, nos próximos cinco anos, um milhão de hectares hoje degradados com o plantio de um bilhão de árvores nativas.
Esse plantio terá fins econômicos, mas cumprirá as funções ecológicas que se esperam de uma floresta nativa. O objetivo é desenvolver modelos de exploração da floresta nativa que tenham rentabilidade econômica para a extração de madeira, fibras, óleos, frutos e outros produtos que possam gerar renda e melhoria na qualidade de vida das populações rurais. Estimamos um custo de investimento para o programa Um Bilhão de Árvores de R$ 5 bilhões nos próximos cinco anos. Esses recursos virão de investimentos públicos e de investimentos privados. O nosso maior desafio é canalizar os recursos públicos, que muitas vezes são destinados a atividades pouco amigáveis com floresta, para a restauração florestal. Além disso, foi criada, numa articulação com o governo federal, uma linha de financiamento para médios e grandes produtores, que é o FMO Biodiversidade. Essa é uma linha de financiamento exclusiva para recuperação de passivos ambientais, com taxas de juros muito baratas e condições muito favoráveis. Temos hoje no Pará uma margem de captação de um bilhão de reais por ano.
Qual o atual estágio do programa?
Nós conseguimos criar os instrumentos financeiros necessários e estamos definindo a base técnica e científica para identificar as espécies que tenham maior rentabilidade e sejam capazes de cumprir suas funções ecológicas. O governo imagina que, com isso, conseguirá induzir uma atividade de recuperação florestal que seja capaz de gerar uma dinâmica econômica do mesmo porte da gerada hoje pela degradação da floresta. Isso também vai nos permitir ter maior capital político e social para fazer um enfrentamento cada vez mais duro com a ilegalidade. Temos que ter uma porta de saída para as centenas de milhares de pessoas que hoje dependem diretamente da degradação da floresta. Para deter o desmatamento, é preciso superar a pobreza, pois o Pará é um estado que tem quase 50% de sua população abaixo da linha da pobreza. Combater a pobreza e proteger a floresta são os dois grandes objetivos do governo.
Publicado na Agência Carta Maior em 15/12/2008