Para melhor compreender a escalada que levou ao AI-5, em 1968, é preciso relembrar fatos anteriores, hoje às vezes esquecidos. Desde 1964, haviam surgido, por toda parte, os inquéritos policiais militares (IPMs) e as demissões ou prisões de todos aqueles considerados apoiadores do governo Goulart ou ideologicamente identificados com o comunismo. Em seguida, a vítima passou a ser o movimento sindical, em geral. Contra sindicalistas foi feita uma primeira lista de cassações, a 11 de maio de 1964. No ano seguinte, abertas as urnas das eleições para governador, constataram-se as vitórias de Israel Pinheiro em Minas Gerais e Negrão de Lima na Guanabara, ambos considerados adversários do golpe. Para prevenir futuros conflitos, foram abolidos os partidos políticos, mediante o AI-2, e — o que poucos se recordam — instituído o “domicílio eleitoral”, com a finalidade de afastar as pretensões eleitorais de notórios dissidentes do regime, como os generais Amaury Kruel e Justino Alves Bastos. Nesse momento também são criados os dois partidos consentidos: um da situação (ARENA) e outro de oposição (MDB). A bem da verdade, de início mal se podia perceber diferença entre situação e oposição, na medida em que integrantes de uma e de outra sigla comportavam-se de maneira tendente a aceitar as diretrizes militares. Esclarecedor dessa atitude é o fato de que Ulisses Guimarães, que viria mais tarde a se tornar um dos mais eminentes líderes de oposição, aceitara, nessa quadra, a relatoria da lei de greve, na verdade, muito restritiva.

Nesse mesmo Ato se fez também a primeira intervenção no Supremo Tribunal Federal. A melhor fonte para recordar o problema com o STF é a autobiografia de Luiz Viana Filho, Chefe da Casa Civil de Castelo Branco. Nela são descritas as turbulências ocorridas entre os militares e o tribunal, que passara a conceder habeas corpus aos inimigos da ditadura: citam-se, dentre outros, Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco, preso logo depois do golpe e Mauro Borges, governador de Goiás, ameaçado de impeachment e de prisão. Nessas circunstâncias, Luiz Viana sugeriu ao Presidente fazer, como tentara Franklin Delano Roosevelt, em 1937: o “packing the court”, isto é, o aumento do número de integrantes do Supremo para diminuir o peso dos que lá votavam contra o governo. Esse foi o instrumento de controle, depois consagrado na Constituição de 1967, aumentando de onze para dezesseis o número de ministros do Supremo. Com a mudança foram nomeadas como ministros pessoas absolutamente servis ao regime. Mais tarde, o AI-5, permitiu as aposentadorias dos ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva. Nisso também se vê a pertinência da observação de Vladimir Palmeira: o AI-5 significou uma adequação das instituições à natureza do regime militar.

*Sandra Starling é formada em Direito e mestre em Ciência Política pela UFMG; é fundadora do PT-MG; foi deputada estadual (1986-1989) e deputada federal nos dois mandatos seguintes. Integra o Conselho Curador da FPA (2004-2008).