A história nada ensina, apenas castiga quem não aprende suas lições” (V. Klinchevsky, historiador russo)

Crises financeiras são fenômenos recorrentes na evolução das economias capitalistas.

Apesar de seus efeitos desestabilizadores e desorganizadores, elas têm um caráter saneador. São movimentos de correção de excessos de valorização de ativos reais ou financeiros -em geral, de natureza especulativa- que costumam ocorrer nas fases de expansão do ciclo econômico.

Quando desbordam a esfera financeira, as crises atuam também como vetores de ajustes estruturais, espécie de incubadora do processo de transição de um para outro padrão de alocação de recursos e de ordenamento das relações econômicas internacionais.

Foi assim, por exemplo, em 1929, nos EUA, quando o liberalismo exuberante dos anos precedentes implodiu e gerou uma prolongada e intensa depressão econômica. A reversão desse quadro só se materializaria no pós-guerra, no marco de um novo padrão de organização e dinâmica do capitalismo -que passa a ter na regulação estatal um dos seus eixos centrais- e um rearranjo na estrutura e hierarquia do poder mundial, com o deslocamento da Inglaterra, já manifesto desde 1914, e a consolidação da hegemonia norte-americana.

A crise atual embute tendências similares de desajuste e transformação. É verdade que o quadro econômico mundial é hoje distinto. Os EUA têm um menor peso relativo (25% do PIB mundial, contra 42% em 1929), em parte devido à desterritorialização da sua base industrial e, ao contrário do que ocorria no passado, há na periferia capitalista economias emergentes de grande porte e dinamismo.

Por outro lado, as conexões e interdependências geradas pelo avanço da globalização e financeirização da economia mundial amplificaram notavelmente a propagação e o impacto desestabilizador das crises, sobretudo quando originadas, como a atual, no núcleo do sistema capitalista.

A crise do “subprime” transmutou-se em crise de crédito norte-americana e, na fase seguinte, em crise financeira global. Agora, em crise econômica global. Praticamente todos os países mais avançados já estão em recessão, e mesmo economias de maior dinamismo, como a chinesa, já dão mostras de desaceleração. Não é provável, mas é possível a ocorrência de uma depressão acentuada da economia norte-americana, com desdobramentos em escala planetária.

Todo esse processo tem implicações que não são triviais.

A crise revelou as debilidades e inconsistências do modelo de auto-regulação do mercado que prevaleceu nas últimas décadas, cujo desmoronamento está a exigir enorme volume de recursos públicos e ampla e generalizada intervenção salvadora do Estado. Sua reformulação é inevitável.
Revelou também a incapacidade do ordenamento financeiro erigido a partir da ruptura do acordo de Bretton Woods -que transformou o dólar em moeda padrão internacional e constitui um dos elementos estratégicos de preservação da hegemonia norte-americana- para assegurar a estabilidade e simetria das relações econômicas internacionais.

O processo de endividamento do Estado e das famílias (estas devem, em média, 140% da sua renda disponível), que sustentou a expansão do consumo interno e o crescimento do PIB norte-americano nos últimos anos, esgotou-se.

A evolução da crise embute, nesse contexto, vetores que apontam em direção ao declínio da primazia norte-americana. O que não significa subestimar a capacidade de recuperação dos EUA -pela dimensão de sua economia e sua capacidade tecnológica e militar- e seu papel na definição de um novo modelo de ordenamento e governança da economia mundial.

A eleição de Barack Obama é, nesse sentido, promissora. É um sinal de revitalização da democracia norte-americana e uma esperança de mudança, que oxalá não seja tardia, dada a dimensão do desastre atual.

Ao contrário dos EUA, as economias emergentes estão em situação relativamente mais favorável, especialmente os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), o que não significa que não serão atingidas pela contração da economia mundial.

O Brasil, por exemplo, certamente será afetado, mas tem condições de sair na frente no processo de retomada pós-crise. Para isso, além do equacionamento das dificuldades existentes nas áreas creditícia e cambial, é essencial a adoção, desde já, de política monetária e fiscal anticíclica, que preserve a capacidade produtiva da economia, o investimento e o emprego e assegure proteção social aos segmentos sociais mais vulneráveis.

Aloizio Mercadante, 54, economista e professor licenciado da PUC-SP e da Unicamp, é senador da República pelo PT-SP.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo/Tendências/Debates em 30/11/2008.
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