Que ódio é esse que inspira a violência contra a mulher ?
A violência que desaba a vida familiar no momento em que uma mulher é humilhada, espancada e assassinada porque não deseja mais convivência com seu algoz é a mais cruel e deplorável manifestação de uma vontade que não pode ser contrariada em decorrência de uma ordem estabelecida.
A violência que desaba a vida familiar no momento em que uma mulher é humilhada, espancada e assassinada porque não deseja mais convivência com seu algoz é a mais cruel e deplorável manifestação de uma vontade que não pode ser contrariada em decorrência de uma ordem estabelecida.
A ordem estabelecida, socialmente aceita, é a de que a mulher não pode rejeitar ou recusar a convivência com o macho que a escolheu. Quando corajosamente contraria a ordem que há tempos dita as regras da relação entre homens e mulheres, firmada em muitos lares ainda na base de que a eles tudo é permitido e a elas não resta senão tudo ser tolerado, a mulher é apontada como a encrenqueira fútil, pra dizer o menos.
Deve, por isso, ser duramente castigada para que tudo volte a seu lugar, para que a “normalidade” seja recriada, com os mesmos padrões de ontem – assentada na cultura machista -, mas embalada pelas luzes da mídia sedenta pela espetacularização do privado, pela exploração da tragédia, o que acaba reforçando conceitos e estereótipos que marcam a violência de gênero.
O caso recente da menina-mulher Eloá Pimentel, de 15 anos, revela, com clareza, que negar a manutenção de um namoro conturbado com Lindemberg Alves, 22 anos, foi assinalar o castigo de morte. Inconformado com o fim do namoro, o rapaz agarrou-se à violência muito própria do homem que considera ser ele o único com direito a conduzir a relação, mantendo ou acabando o caso amoroso ao sabor de suas conveniências.
Eloá, seqüestrada por mais de 100 horas e depois assassinada, era tratada como “boneca” pelo namorado, revelou posteriormente sua mãe. Dizia ele que se ela não fosse dele não seria de mais ninguém.
Era dessa relação de propriedade, mais comum do que se pensa no país afora, que Eloá desejava se safar. Não queria ser brinquedo, inanimado, sem voz ativa, submetida ao status da dominação machista. A negação da convivência com alguém que lhe sufocava a autonomia acabou no desfecho trágico cujo processo foi uma seqüência indignada de desacertos por parte da segurança pública e da mídia, que fortaleceu a posição do tresloucado Lindemberg, impondo um ritmo de negociação que lhe interessava perante a ordem estabelecida.
Pouco se discutiu a típica violência de gênero que abalou Santo André, espantosamente crescente no Brasil. Lindemberg virou celebridade, o macho traído pela ousada firmeza de uma jovem, que, ao cabo de tudo, era apenas mais uma boneca, não significava nada.
Depois de Eloá, inúmeros casos de cárcere privado, seqüestro e assassinato de jovens mulheres têm sido noticiados quase diariamente. Crimes cometidos pelos namorados, maridos, companheiros, ex ou atuais. Foram três casos de seqüestro em São Paulo, e um deles terminou com a morte de uma jovem de 19 anos, pelo ex-namorado. Em Minas Gerais foram três.
Por esses dias, uma jovem de 18 anos foi estuprada e ficou cerca de dois dias presa dentro de uma tubulação no Jardim Angelina, em Ferraz de Vasconcelos (Grande SP). Ela foi encontrada amordaçada, com os braços amarrados e com hematomas.
Misteriosamente, mãe e filho caem do terceiro andar de um prédio em Guarulhos, depois que o ex-marido entrou no apartamento. Ela morreu. Durante o casamento, fora espancada.
Que ódio é esse que inspira pais, maridos, namorados, tios, padrastos e irmãos a agredir psicologicamente, verbalmente e fisicamente mulheres de sua convivência? Somente a tradição machista explica a insidiosa violência da qual são vítimas nossas mulheres ?
Hoje, Dia Internacional pela Eliminação de todas as formas de Violência contra a Mulher, é essencial refletir. Refletir sobre o fato socialmente aceito de que a ordem estabelecida, perpetuada inclusive no chavão de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, não se pode atacar ou contestar.
A Campanha 16 Dias de Ativismo indica o oposto. Indica que uma nova atitude faz diferença. Comprometer-se com a Lei Maria da Penha avança nessa direção.
Fátima Cleide é senadora da República pelo PT-RO, membro da Comissão de Direitos Humanos do Senado.
Publicado no portal PT em 26/11/2008