Os programas e ações do governo Lula tornaram o Brasil menos vulnerável à atual crise financeira e mudaram radicalmente a posição do país no cenário mundial, que agora figura como protagonista nas discussões de cúpula que buscam um modelo econômico capaz de reverter os estragos do neoliberalismo.

Essas foram as principais conclusões do debate promovido pelo PT na noite de quarta-feira (26), em Brasília, com o ministro da Fazenda Guido Mantega e com o assessor especial da Presidência da República Marco Aurélio Garcia – na primeira da série de encontros que a direção nacional do partido pretende fazer sobre a crise internacional e as alternativas de esquerda para superá-la. Os próximos acontecem em São Paulo e em Salvador nos dias 2 e 16 de dezembro, respectivamente, e envolvem parcerias com o PCdoB e o PSB.

No debate de Brasília, que lotou o auditório da sede do PT Nacional, tanto Mantega como Marco Aurélio, lembraram que a crise terá maior impacto nos Estados Unidos, na Europa e nos países centrais do capitalismo, que desregulamentaram excessivamente o mercado financeiro, permitiram que grupos especuladores movimentassem somas muito superiores às da economia real e agora, com estouro da bolha, correm risco iminente de entrar em depressão.

“A crise será de forte impacto nos EUA, fortíssimo na Europa e de impacto importante, mas diferenciado, nos emergentes”, avaliou Marco Aurélio. Ele e Mantega concluíram que, entre os emergentes, o Brasil – a partir das condições criadas pelo governo Lula – é o que está mais preparado enfrentar os principais efeitos da crise no plano mundial (diminuição do crédito, queda de consumo, recuo das exportações e desemprego).

Mantega fez uma apresentação com as primeiras medidas do Brasil contra a crise e as políticas de governo que colocam o país em situação menos vulnerável: democratização do crédito, fortalecimento do Estado e dos bancos públicos, programas de distribuição de renda e de valorização dos salários, desdolarização da dívida pública, aumento das reservas internacionais, investimentos em infra-estrutura e incentivos ao setor produtivo, entre outras.

“O país realmente trabalhou nestes anos e se preparou para enfrentar situações difíceis”, afirmou Mantega. “Desde o início nos preparamos para um novo ciclo de desenvolvimento. Reintroduzimos essa agenda. Temos uma nova forma de crescimento, com mais emprego e distribuição de renda (…) e uma nova forma de ação do Estado, que volta a ser protagonista (…); temos a redução da vulnerabilidade externa, a inflação sob controle e a construção de um mercado de massa – talvez o mais importante. Isso estava no nosso programa de governo de 2002. Hoje é uma realidade, existe”.

O ministro também lembrou os problemas vividos pelo Brasil em crises anteriores, “que eram de bilhões, não de trilhões”, e de como o cenário mudou. “Hoje estamos muito mais fortes do que nas crises vividas nos anos 90, que eram periféricas, não estavam no centro do sistema capitalista. Mesmo assim, o Brasil balançou em todas elas porque estava fragilizado. Imaginem se tivéssemos a crise de hoje nas condições de ontem. Já estaríamos de joelhos”.

A fala de Marco Aurélio Garcia seguiu o mesmo raciocínio e explicou que a rede de proteção criada pelo Brasil é importante porque hoje, diferentemente do que aconteceu em 1929, a crise tem se alastrado muito mais rapidamente para a “economia real”.

“Em 29, a crise levou meses para se propagar. A crise atual leva horas e, às vezes, minutos. Declarações recentes do Paulson (Henry Paulson, secretário do Tesouro norte-americano) meia hora depois estavam derrubando a bolsa de São Paulo. Vivemos na realidade do capital insone, que não dorme nunca. Sempre existe uma bolsa aberta ou um grupo de especuladores acordado”, disse.

Batalha de idéias e protagonismo brasileiro
Além das boas condições que o Brasil apresenta, Marco Aurélio acredita que a redução dos impactos da crise nos próximos anos também vai depender dos acertos da política econômica interna. Respondendo a questionamentos do plenário sobre a taxa Selic praticada pelo Banco Central, ele disse acreditar que a eficácia da política econômica será maior se houver uma redução efetiva dos juros. “É inclusive uma recomendação do G20”, comentou.

Também será decisiva, na avaliação de Marco Aurélio, a capacidade da esquerda em enfrentar a “grande batalha de idéias” entre os que defendem mudanças no modelo e os que insistem no mantra neoliberal.

“Hoje não estamos tirando grande proveito dessa batalha. É preciso deixar claro que o que desmoronou não foram as nossas teses, mas as idéias neoliberais (…). Faltou Estado, faltou política econômica. O que fracassou foi a estrutura financeira internacional (…). O extraordinário é de que essas pessoas (as que pregam o neoliberalismo) continuam insistindo nas mesmas receitas que nos conduziram a essa situação”, disse.

Para ele, o primeiro reconhecimento desse fracasso foi a substituição do G8 (só países ricos) pelo G20 (países ricos e principais emergentes, entre eles o Brasil) como a instância que deverá regulamentar o capitalismo e dar mais transparência às relações internacionais daqui em diante.

O fortalecimento do G20 também foi citado por Mantega como prova de que mesmo os países ricos, que conduziram o mundo para o desastre do neoliberalismo, já concordam com uma mudança de modelo. “Em Washington, eu procurei, mas não encontrei nenhum liberal”, brincou, referindo-se ao último encontro realizado pelo grupo, nos EUA.

“Ao contrário do Marco Aurélio, acredito que a disputa ideológica vai ser relativamente fácil. O setor público salvou o privado, este é o fato. No G20 vamos fazer propostas de regulamentação do sistema. Isso significa uma nova ordem econômica mundial. O G20 promoveu os emergentes a protagonistas. Temos a chance de reorganizar a economia mundial”, disse, lembrando do respeito com que o Brasil e o presidente Lula têm sido tratados nestes encontros multilaterais.

“Quando o Brasil participa das reuniões do FMI, o país tem o respeito total nas suas iniciativas e propostas. A relação hoje é outra: o país protesta e é ouvido”, assegurou o ministro. Para Mantega, a insistência nas fórmulas neoliberais – principalmente por parte de colunistas da grande imprensa – não encontra mais respaldo na realidade. “Hoje há consenso mundial de que isso não serve mais”, concluiu.