Antonio Palocci: Um novo ciclo com novos parâmetros
Embora a atual crise financeira ainda tenha muita história para contar e seus efeitos para a economia real estejam apenas no início, nos melhores círculos do pensamento econômico há pelo menos dois temas que ganham força. O primeiro diz respeito à nova regulamentação das finanças. O segundo, à necessidade de projetar um novo ciclo de crescimento incorporando os desafios das mudanças climáticas.
A questão da nova regulamentação financeira não é um assunto banal. Não fazê-la significará a certeza de que caminharemos para uma próxima bolha. Após os escândalos financeiros corporativos ocorridos nos Estados Unidos, onde o caso da Enron foi o mais vistoso, os reguladores americanos entraram em ação para aperfeiçoar os controles de gestão e a transparência das empresas. Isso culminou na aprovação, em junho de 2002, da lei de autoria do senador democrata Paul Sarbanes e do deputado republicano Michael Oxley, conhecida como Lei Sox, ou Sarbox.
De implementação cara e complexa, a Sarbox acabou mostrando pouca eficácia para evitar a atual crise, que se iniciou no mercado imobiliário americano, atingindo todo o sistema de crédito global. É certo que não era esse seu foco principal, mas esperava-se mais de seu desempenho. Por isso, novas regulamentações não deverão ser apenas um conjunto extenso e custoso de regras e procedimentos.
Ao contrário, elas deverão ser – ao mesmo tempo – eficientes e leves, resolvendo questões como níveis de alavancagem, limites e registros adequados de derivativos, sem, entretanto, impedir que o sistema crie produtos financeiros inovadores de redução de custos e mobilização de investimentos. Além do o que fazer, haverá também muita polêmica sobre o quem deve fazer, na medida que a crise atual mostrou uma integração intensa das finanças em termos intercontinentais, deixando claro que sistemas de regulação de âmbito nacional são insuficientes.
A outra questão, referente à busca de um novo ciclo de crescimento em novas bases ambientais, é tema de preocupação de importantes líderes globais. O presidente Lula tem atuado fortemente nessa temática, dado a importância do Brasil em termos de reservas florestais e fontes renováveis de energia. Gordon Brown é um líder natural para esses assuntos, dado que o Reino Unido tradicionalmente está muito presente no debate sobre as mudanças climáticas.
Barack Obama tratou com freqüência desse tema em sua campanha e em sua primeira entrevista como presidente eleito, ao se referir a combustíveis renováveis. A França e a Alemanha mostram avanços importantes na busca de alternativas tecnológicas livres de carbono, enquanto que o Japão pratica políticas de mobilização social de razoável impacto na redução do desperdício de energia, como o “Cool Biz”.
Esses e muitos outros países discutem, agora, a oportunidade de conceber um novo ciclo de crescimento mundial sob novas bases, incluindo o uso de fontes alternativas ao carbono nos sistemas de energia, de construção civil e da indústria em geral, com um forte sistema de incentivos para tecnologias limpas, além do esforço para uma maior preservação das reservas florestais e outras riquezas naturais. O objetivo é construir um padrão de crescimento menos dependente do uso de energias fósseis, emissoras de gases de efeito estufa, responsáveis pelo agravamento do aquecimento global.
Para muitos, pode parecer uma preocupação um tanto romântica, ou pouco vinculada à realidade dos desafios que estarão diante das lideranças mundiais, dado a profundidade da crise atual. Mas o fato é que os relatórios mais recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU têm confirmado riscos importantes para a temperatura global, caso o processo de desenvolvimento econômico continue desprezando tão solenemente os temas ambientais.
Hoje, ainda é muito difícil prever o resultado dos esforços para essa temática pós-crise. Mas o fato de elas estarem presentes na agenda dos formuladores de políticas e de lideranças mundiais significativas já é um bom começo.
Antônio Palocci é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.