O Centro de Memória Sérgio Buarque de Holanda, da FPA promoveu, nessa terça, dia 28 de outubro, dentro do evento A Propósito, a exibição do filme Terra Vermelha, co-produção Brasil-Itália, dirigido por Marco Bechis. O filme conta a história de uma tribo guarani-kaiowá que decide deixar a reserva onde viviam depois do suicídio de duas jovens. Dispostos a retomar sua terra de origem, onde estão enterrados seus antepassados, montam acampamento ao lado da fazenda que a ocupou e desmatou. O conflito violento com o fazendeiro e seus homens é inevitável, assim como as diferenças dentro do próprio grupo. Entre os atores principais estão alguns dos próprios kaiowás da região (arredores de Dourados, no Mato Grosso do Sul). Terra Vermelha, no entanto, não tem nada de documental: é um filme de ficção, fortemente baseado em fatos reais.

Ao final da exibição, Bechis, Nereu Schneider (advogado da causa dos kaiowás) e os atores Ambrósio Vilhalba, Abrisio Silva Pedro, Ademilson Concianza Verga, Alicélia Cabrera e Eliane Juca da Silva, todos representantes de comunidades indígenas do MS, responderam perguntas da platéia. Schneider contextualizou a situação mostrada no filme: “a reserva indígena é resultado das políticas de Getúlio Vargas na década de 40, quando era estimulada a expansão no meio-oeste do país. Com a chegada dos não-índios, a idéia era que os índios deixassem de ser índios para se tornarem ‘cidadãos’. Então foram criadas 8 pequenas, bem pequenas, reservas indígenas, com escola, posto de saúde, alimentação etc. A partir dos anos 80, no entanto, as reservas ficaram superpovoadas, o que trouxe a miséria, a fome, o alcoolismo e os suicídios. Daí a frase (que está no filme): ‘ou retomamos nossa terra de origem, ou morreremos’.

Cacique
Ambrósio Vilhalba, que faz o papel do cacique Nadio, ressaltou a questão: “Chamam o índio de invasor. Mas o índio veio de onde? Precisamos voltar a ocupar o que é nosso. 600 mil hectares. O Marco (Bechis) mostrou nossa luta, que estava escondida debaixo do tapete. Tudo o que vocês viram no filme é a vida que a gente passa e continua passando. Nossos jovens se matam porque não vêem saída.” E lembrou: “Às vezes a própria polícia aparece querendo matar alguém da aldeia. Não temos segurança. Precisamos usar a arma da Justiça”.

“Me inspirei muito na vida de Ambrósio: tal como no filme, ele passou 6 anos morando na beira de estrada e enfrentou capangas de fazendeiros”, salientou Bechis. “Mas não queria retratar a vida do Ambrósio e sim do personagem que ele interpreta. A escolha dos atores partiu da certeza de que esses atores só poderiam ser indígenas.” E continuou: “Pesquisei bastante a questão indígena na América Latina. Achava que o problema não era bem tratado no cinema. Queria mostrar a vida dos sobreviventes desse genocídio. E tentar encontrar soluções. O governo precisa demarcar as terras indígenas o quanto antes. E proibir coisas como a pulverização de agrotóxicos nas regiões próximas dos rios, que é onde os indígenas buscam sua água.”

Esperança
Para Schneider, “a realidade é de esperança, do contrário esse filme nem existiria. Já são mais de 500 casos de suicído nas comunidades indígenas – a OMS considera esse índice o maior do mundo. Há desnutrição, alcoolismo e maus tratos como mão-de-obra barata. No entanto, hoje já temos 38 terras indígenas demarcadas. O governo está para assinar um termo em que se compromete a reconhecer outros 38 territórios indígenas. Há uma terrível resistência daqueles que consideram ser muita terra para pouco índio. É uma guerra política. Mas temos esperança”.

Esperança também foi o sentido do depoimento de Eliane Juca da Silva, jovem índia kaiowá. Para ela, diminuir os suicídios entre os jovens indígenas é possível, “se trabalharmos juntos. É preciso todo tipo de apoio, pois onde moramos não há espaços de lazer para o jovem, que acaba se entregando ao álcool. Não há também oportunidades de emprego. Até mesmo alguns caciques cometem suicídio, quando vêem que seu povo está infeliz. Precisamos trabalhar unidos para encontrar uma saída.”


Da esquerda para a direita: o diretor Marco Bechis, e os atores Ambrósio Vilhalba, Alicélia Cabrera e Eliane Juca da Silva e Ademilson Concianza Verga


Ambrósio Vilhalba debate com a audiência do filme


Eliane Juca da Silva fala antes da exibição de “Terra Vermelha”

Imagens Acervo FPA