Os mesmos que torciam pela volta da inflação agora torcem pela crise e tentam criticar os procedimentos adotados pelo governo Lula

Os mesmos que torciam pela volta da inflação agora torcem pela crise e tentam criticar os procedimentos adotados pelo governo Lula
OS GOVERNOS dos países centrais, ante a crise financeira internacional, decidiram estatizar e nacionalizar bancos, o que pode significar o enterro do neoliberalismo. Apesar disso, no Brasil, alguns saudosos da política do Estado zero, os mesmos que no primeiro semestre torciam pela volta da inflação e agora torcem pela crise, tentam criticar os procedimentos adotados pelo governo Lula para enfrentar a turbulência. Caso o Brasil não tivesse se preparado desde 2003, o país já estaria cantando um réquiem para sua economia.

Oposicionistas -como o senador tucano Sérgio Guerra nesta Folha ("Tendências/Debates", 14/10)- criticam o governo Lula por supostamente ter reagido tarde e mal à crise, ter deixado o "mercado em pânico" e por "torrar dólares" das reservas para tentar segurar o câmbio e assumir riscos da desvalorização cambial.
O senador ainda apontou o Proer de FHC como grande responsável pela surpreendente estabilidade do Brasil, mas não explicou por que o tão benfazejo programa não foi capaz de proteger o Brasil das crises de 1999 e 2002. As observações do líder tucano estão descoladas da realidade.

As reservas acumuladas -e tão criticadas pela oposição- são como um arsenal a ser usado em tempo de guerra. E o conjunto de medidas adotadas pelo governo não constituem um "Proer envergonhado", pois o que se fez foi aumentar a liquidez do mercado e permitir que bancos com liquidez comprem carteiras de empréstimos de bancos menores. É completamente diferente de fazer o Banco Central aceitar papéis podres de bancos falidos, como fez o Proer de FHC.

Os fracassos do passado obscurecem os sentidos da oposição, impedindo-a de apreciar os êxitos do presente. No governo Lula, a economia brasileira construiu linhas defensivas importantes, numa posição de destaque entre os emergentes. O sistema financeiro está mais fiscalizado, o nível de reservas é confortável, a dependência do mercado norte-americano foi reduzida, o crescimento é impulsionado predominantemente pelo mercado interno, e a inflação e o déficit fiscal estão sob controle.

É claro que o governo observa atentamente o desempenho da arrecadação, das exportações e das importações, dos mercados de imóveis e outros bens duráveis. Mas cairia numa armadilha neoliberal se "morresse com o barulho do tiro". Ninguém sabe ainda qual será o grau de desaceleração dos países ricos e qual o grau de reverberação no resto do mundo.

O Brasil acumulou nos últimos anos um patrimônio de crescimento via empregos formais, investimentos em infra-estrutura e políticas sociais que não deve ser jogado ao mar na primeira tormenta. O governo, de forma responsável, deve continuar trabalhando para manter, na medida do possível e desejável, o crescimento que evite que os males da estagnação se auto-alimentem, no rumo dos pacotes neoliberais que o Brasil conheceu de Collor a FHC.

A crise de liquidez internacional demanda medidas preventivas que nos permitam superar eventuais dificuldades e aproveitar as oportunidades abertas pela nova configuração da economia mundial. O governo já age, via Banco Central, Banco do Brasil e CEF, além de medidas Provisórias e Resoluções do Conselho Monetário.

O crescimento pode ser afetado? Sim, mas é precipitado afirmar a dimensão do impacto. Primeiro, porque o Brasil vem numa trajetória positiva de crescimento, cuja base, além do aumento da massa salarial e do crédito, está nos investimentos públicos e privados. Depois, pelo fato de que vários vetores do crescimento estão vinculados à ampliação da capacidade produtiva para atender demandas reprimidas historicamente, como habitação e saneamento, para as quais temos "funding" de qualidade (baixos custos e estabilidade de permanência), como FGTS e poupança.
E mais: só 14% da economia brasileira vincula-se às exportações, e o novo patamar do dólar pode estimular exportações, substituir importações e até atrair novos investimentos.

Diz o samba que o velho marinheiro, no nevoeiro, toca o barco devagar. É prudente, mas, na economia, é bom não ouvir quem sempre tem a mesma receita para os mais diversos problemas. Com a crise, surgem os que comemoram: o governo vai ter de reduzir investimentos, pisar no freio, reduzir gastos públicos e aceitar que a economia não pode crescer.

Não é arriscado dizer que o Brasil pode sair maior do que entrou na crise. Ao anunciar o fim do mundo, numa espécie de novo "bug do milênio", certos segmentos parecem torcer para que o consumidor entre em pânico, fique trancado em casa, no escuro, em jejum. Quem sabe assim o pânico vira caos e a previsão se realiza. Felizmente, a imensa maioria do povo não costuma dar muita bola para essas análises. Afinal, o índice de acerto desses "especialistas" é muito baixo.

RICARDO BERZOINI , 48, deputado federal (PT-SP), é presidente nacional do PT. Foi ministro da Previdência Social (2003) e do Trabalho (2004-2005).

Artigo publicado na Folha de S.Paulo em 21/10/2008

`