É preciso deixar de lado a esperança liberal de que os bancos vão agir em benefício da sociedade e do desenvolvimento. O governo tem que injetar crédito direto na veia do setor produtivo e demais instituições. A palavra que falta dizer é: estatização do crédito”, diz, em entrevista à Carta Maior, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor-titular do Instituto de Economia da Unicamp e presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.

Redação – Carta Maior

O governo brasileiro, através do Banco Central, trava uma queda de braço neste momento entre a lógica do interesse privado, que orienta o sistema bancário, e as necessidade de crédito para girar a economia e assim evitar a recessão, ou pelo menos amortecer seu desembarque no país.

Nos últimos dias, o BC tem liberado volumes crescentes de recursos ao setor – na forma de redução do percentual de depósitos à vista, compulsoriamente recolhidos aos cofres oficiais, como medida de regulação da liquidez. Mesmo assim a economia patina. Em vez de robustecer os empréstimos ao mercado e a outras instituições, os bancos têm preferido o abrigo seguro das aplicações em títulos público, que aumentaram em mais de 25% desde o início da crise.

O negócio é bom para os bancos; graças à política ortodoxa de juros do BC, propicia um rendimento de 8% reais, sem risco à tesouraria. Mas é um mau negócio para o país. Na verdade, problema semelhante ocorre em outras praças do mundo nesse momento. Há um empoçamento geral de liquidez que acelera e antecipa dinâmicas recessivas fazendo ruir as Bolsas, como se vê hoje depois da euforia da última terça-feira. “O problema é que as ações implementadas até agora não conseguiram reanimar os mecanismos de crédito. Ou melhor, elas são inadequadas para isso; de uma vez por todas é preciso entender que liquidez não é crédito”, explica o economista Luiz Gonzaga Belluzzo em entrevista à Carta Maior.

“Liquidez só se torna crédito quando os bancos cumprem a sua função original e repassam recursos permitindo girar a roda da economia. Não adianta o governo brigar contra a lógica do interesse privado neste momento. É preciso deixar de lado a esperança liberal de que os bancos vão agir em benefício da sociedade e do desenvolvimento. O governo tem que injetar crédito direto na veia do setor produtivo e demais instituições. A palavra que falta dizer é: estatização do crédito”, afirma o economista, professor-titular do Instituto de Economia da Unicamp e presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.

“O Banco Central deve se tornar o emprestador universal , de modo a permitir que a liquidez disponível chegue a quem pode transformá-la em dinâmica produtiva”, reforça Belluzzo. “Para isso o BC deve liberar volumes determinados de crédito ao mercado e anunciar que a rede bancária, de agora em diante, está a seu serviço como repassadora do recurso. O industrial poderá então dirigir-se ao seu gerente e solicitar o empréstimo, sem o risco de ouvir uma negativa. O dinheiro do BC está lá a sua disposição”, emenda o economista.

Belluzzo lembra que os fatos caminham à frente das idéias também neste caso. Como decorrência da desregulação geral das finanças, desde os anos 70, os bancos sofreram uma mutação em todo mundo. Eles renunciaram à condição original de emprestadores finais, aqueles que geram o crédito e carregam o risco até a liquidação dos contratos: tornaram-se meros corretores das finanças, como observa também o economista francês Michel Aglietta. “O banco continua a originar o empréstimo, mas securitiza a operação, revendendo-a no mercado de forma a dividir os riscos”, explica Belluzzo. O problema é que esse mecanismo de defesa degenerou-se.

Assumiu a forma de imensas pirâmide de ativos securitizados, em diferentes versões de derivativos que turbinaram os circuitos especulativos das finanças desreguladas. Sua essência desestabilizadora – são pirâmides invertidas cujo ponto de apoio em valor real se esfumou – só foi reconhecida pelos neoliberais urbi et orbi quando a casa caiu nos EUA, na explosão da bolha imobiliária.

O que ocorreu no sistema financeiro do capitalismo desregulado , segundo o professor da Unicamp, vencedor do Troféu Juca Pato (2004) com o livro “Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX”, é que os bancos comerciais se igualaram aos bancos de investimento – que originalmente repassavam ativos – e estes assumiram prerrogativas das instituições comerciais, em operações especulativas de balcão. “Ou seja, o sistema bancário tornou-se um mero repassador de dinheiro. O jeito então é tratá-lo como tal, e não esperar uma reconversão social numa hora dessas”.

A hesitação do governo pode custar caro. Se a deficiência na pata financeira do capitalismo desregulado já causava problemas em tempos de vacas gordas, agora que o pasto escasseia, em vez de funcionar como contrapeso à recessão a engrenagem bancária age para antecipar o seu desembarque no país e seu teor letal. “O governo deve intervir sem medo, embora o coro conservador-midiático possa clamar respeito aos ditames do livre-mercadismo. Defendi isso ontem no Conselho de Economia da FIESP. A alternativa é fazer mais tarde, quando a vaca já tiver ido para o brejo; vai ser pior”, adverte o professor, palmeirense convicto, e heterodoxo dos mais respeitados nos circuitos acadêmicos, tendo sido incluído em 2001 entre os cem principais economistas do século pelo Biograpfical Dictionary of Dissenting Economistas.

Entrevista publicada na agência Carta Maior em 15/10