O dia de luta pela descriminalização do aborto – 28 de setembro – acontece há cerca de duas décadas e busca dar às mulheres o poder de tomar decisões sobre seu próprio corpo, além de defender os direitos sexuais, reprodutivos e a eqüidade de gênero.

O dia de luta pela descriminalização do aborto – 28 de setembro – acontece há cerca de duas décadas e busca dar às mulheres o poder de tomar decisões sobre seu próprio corpo, além de defender os direitos sexuais, reprodutivos e a eqüidade de gênero.

Dentre as resoluções do 3º Congresso do Partido dos Trabalhadores, de 2007, está a que aponta para um Brasil de mulheres e homens livres e iguais. Foi aprovada a defesa pela autodeterminação das mulheres, a descriminalização do aborto e a regulamentação do atendimento a todos os casos no serviço público. Na ocasião, lançou-se também a defesa do Plano Nacional de Planejamento Familiar, que contribui para a autonomia das mulheres sobre seu corpo e sua sexualidade. Este plano já foi implementado pelo governo federal, mas ainda precisa do comprometimento dos estados e municípios para que seja realmente efetivado. É fundamental que a federação aja como um todo articulado, afinal os municípios são as unidades mais próximas da população.

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, o aborto inseguro é a principal causa de mortalidade materna na América Latina e Caribe, e, de acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), cerca de 21% das mortes maternas nesta região se devem a complicações do aborto inseguro. A quase totalidade desses óbitos poderia ser evitada não fosse a clandestinidade, que cria um ambiente ameaçador, de violência psicológica, de culpabilidade e de risco de morte para as mulheres que se submetem a estas práticas.

O problema da gravidez não-desejada deve ser enfrentado a partir de políticas públicas que reconheçam os direitos humanos reprodutivos das mulheres, que incluam toda sociedade nessas políticas e criem, nos municípios brasileiros, ações de educação sexual e de atenção à anticoncepção. As mulheres que fazem aborto hoje acabam sendo punidas duplamente: pela culpa e pelo Estado, que as condena.

Precisamos reafirmar os compromissos assumidos há mais de uma década, quando o Brasil foi signatário das Conferências do Cairo (94) e Beijing (95). Em ambas se reconheceu pela primeira vez, em um documento internacional, o aborto inseguro como um grave problema de saúde pública e foi recomendado que os países que possuíssem medidas punitivas contra as mulheres, como é o caso do Brasil, que revisassem suas legislações.

Os dados são alarmantes: no Brasil são realizados, em média, 1 milhão e 400 mil abortos anuais. A morte por aborto constitui a terceira causa de mortalidade materna e as complicações advindas desta ação representam a quinta causa de internação das mulheres nos serviços públicos de saúde.

O aborto deve deixar de ser tratado na esfera penal no país, pois a criminalização não reduziu a sua incidência. Ao contrário, tem contribuído para aumentar a sua prática em condição de risco, com impactos graves para a saúde e a vida das mulheres. Além, é claro, de aumentar os custos do sistema único de saúde. É necessária a busca de soluções eficazes no âmbito da saúde pública, sem interferência de dogmas religiosos, como atribuição do Estado laico e democrático.

Na quase totalidade dos países onde houve um processo de não criminalizar mais as mulheres pelo aborto, o número de tais procedimentos caiu drasticamente. Junto com a não criminalização foram incentivadas políticas preventivas. País sempre citado é a Holanda, onde o aborto é permitido em todo e qualquer caso e que, por sua vez, conta com os menores índices desta prática em toda a Europa.

No contexto do processo de democratização e do seu desenvolvimento, houve um fortalecimento da sociedade, aumentando a mobilização em busca de direitos de cidadania. O grande desafio das discussões acerca do aborto é tirar o debate do dilema moral em que só existe a possibilidade do ‘sim’ e do ‘não’.

O abortamento representa um grave problema de saúde pública e de justiça social com uma complexa cadeia de aspectos envolvendo questões legais, econômicas, sociais e psicológicas. É urgente a conjugação de esforços no sentido de ampliar o debate sobre esses temas, abrindo cada vez mais caixas de ressonância capazes de influenciar a busca de soluções, ou de caminhos, consentâneos com o desejo de progresso e modernidade da nossa sociedade.

Laisy Morière é secretária nacional de Mulheres do PT.

Publicado no Portal do PT em 29/09/2008