INTRODUÇÃO

Neste trabalho são analisados os dados obtidos através de respostas escritas, recolhidas de questionários distribuídos a 41 pessoas que haviam sido torturadas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram distribuídos 200 questionários a pessoas que foram torturadas por motivos políticos em algum momento de suas vidas. O questionário foi elaborado por profissionais de saúde (médicos, psicólogos, dentistas etc.) pertencentes ao Núcleo de Profissionais de Saúde pela Anistia do Comitê Brasileiro pela Anistia – seção São Paulo. Dos 200 questionários distribuídos foram devolvidos 41; a maioria dos questionários foram respondidos por pessoas residentes na cidade de São Paulo – Brasil. Todas essas pessoas foram torturadas no Brasil e a maioria na cidade de São Paulo.

RESULTADOS: Época da tortura

Das 41 pessoas que responderam ao questionário, 35 (85,3%) foram submetidas a torturas no período compreendido entre 1970 e 1973; a maioria delas no ano de 1972.

Principais lugares da tortura
DOI-CODI, OBAN, DOPS.

Idade
A idade que predominava na época da tortura era de 21 a 30 anos. A idade que predomina na época em que foi aplicado o questionário foi de 31 a 40 anos.

Profissão

Na época da tortura: Profissão nº de pessoas
  estudantes 21
  professores 06
  outros 10
  não mensionam 04
  TOTAL 41

Métodos de Tortura

Método nº de pessoas submetidas Métodos de Tortura
a) Espancamento: sem instrumentos 35
com instrumentos 09
b) Choques elétricos 35
c) Pau de arara 19
d) Cadeira de dragão 18
e) Palmatória 13
d) Ameaça à própria vida, de companheiros ou familiares 09
g) Telefone 09
h) Ameaça de tortura a si mesmo e a outros 08
i) Fuzilamento simulado 07
j) Assistir à tortura de companheiros ou familiares 06
l) Afogamento 06
m) Outros  

Parte do corpo onde a tortura foi mais freqüentemente aplicada
Dos 41 analisados, relataram tortura mais freqüentes em:

Região do corpo nº de pessoas atingidas
Mãos 19
Órgãos genitais 17
Ouvidos 17
Pés 12
Cabeça 11
Boca 06

Duração de cada sessão de tortura

Tempo nº de pessoas Tempo nº de pessoas
5 a 10 minutos 01 10 horas 06

30 a 60 minutos

06 12 horas 03
2 a 3 horas 06 20 horas 01

3 a 4 horas

07 22 horas 01
4 a 5 horas 03 não responderam 04

5 a 6 horas

04 não sabiam avaliar aduração das sessões 04

6 a 9 horas

06 TOTAL 41

Número de sessões a que foram submetidos

Nº de sessões nº de pessoas Nº de sessões nº de pessoas

01 sessão

02 10 sessões 05
02 sessões 01 15 sessões 01

03 sessões

03 20 sessões 01

04 sessões

02 23 sessões 01
05 sessões 02 32 sessões 01

06 sessões

05 não sabem avaliar 07
07 sessões 01 não responderam 08
09 sessões 01 TOTAL 41

Intervalo entre as sessões

Intervalo Nº de pessoas que respondem
Até 1 hora 03
De 4 a 8 horas 04
De 8 a 16 horas 01
De 16 a 24 horas 04
De um dia ou mais 03
No começo algumas horas e depois alguns dias 09
No começo alguns dias e depois mais tempo 02

De forma variável

02
Não sabem avaliar 06

Não responderam

07
TOTAL 41

 

Objetivo da Tortura

 

Objetivo nº de pessoas
1) Informação sobre trabalhos políticos 25
2) Obter informação sobre localização de companheiros ou de sua identificação 22
3) Informação sobre a organização 11
4) Desestruturação psicológica 05
5) Obter confissões 03
6) Debilitar a moral 02

Participação de profissionais da área de saúde envolvidos diretamente com a tortura

a) Denunciaram a presença de profissionais
de saúde durante as torturas
28 pessoas das 41

b) Negaram a presença de profissionais de saúde durante as torturas

07 pessoas das 41

c) Não souberam responder

05 pessoas das 41

d) Não responderam

01 pessoa das 41

e) Denunciaram a presença durante as torturas de: enfermeiros

22
médicos 16
psicólogos 02
dentista 01

Obs: Algumas pessoas denunciaram a presença de mais de um profissional


Procuraram e receberam atendimento de saúde depois de saírem da prisão

Sim 24 pessoas
Não 16 pessoas
Não responderam 01 pessoa

 

Tipo de atendimento Nº de pessoas atendidas
a) Psicológico e psiquiátrico 04
b) Neurológico 04
c) Odontológico 04
d) Otorrinolaringológico 03
e) Cardiológico 01

Pessoas que apresentavam particularidades de saúde ou estado físico antes da tortura

  Nº de pessoas
a) Patologia prévia 08
b) Não apresentaram patologia prévia 28
c) Não responderam 05
d) Algumas outras particularidades que foram relatadas:  
Epilepsia  

Gravidez

 

Labirintites

 
Tbc Pulmonar  
Diabetes  
Amaurose unilateral  


Marcas de Tortura
Relatos de pessoas que possuíam marcas de torturas

1) Sim: 16
2) Não: 23
3) Não responderam: 01
4) Não se lembraram: 01
TOTAL 41

Tipos de seqüelas

1) Marcas visíveis 8
7 (marcas, cicatrizes, queimaduras)
1 (Hematúria pós traumatismo da uretra posterior)
2) Diminuição da agudeza auditiva: 3
3) Labirintite traumática: 1
4) Não especificaram: 4

Alterações na capacidade Física temporária ou permanente

  1. Sim:
  2. Não
  3. Não responderam
    TOTAL
28 pessoas
08 pessoas
05 pessoas
41 pessoas

Tipos de Alterações

Sintomas gerais sem especificação

a) Alterações no sono
aumento ou diminuição do sono
agitação
pesadelos geralmente referentes a situação de tortura
16
b) Fadiga 5
c) Alterações da memória (diminuição da capacidade de evocação) 5
d) Anorexia 2
e) Alteração do ciclo menstrual 1
f) Cefaléia permanente 1
g) Adormecimento de braços e pernas 1
h) Perda da sensibilidade cutânea 1

Sintomas específicos

  1. Traumas (luxação do ombro e ruptura do menisco) –
  2. Diminuição da agudeza auditiva –
  3. Alterações dentárias –
  4. Alterações cardíacas –
  5. Disritmia cerebral:
  6. Dificuldade de coordenação motora global ou parcial:
  7. Sinusite:
  8. Alteração de agudeza visual:
02
03
01
01
01
02
01
01


ALTERAÇÕES NO FUNCIONAMENTO PSICOSSOCIAL

I) Alteração na Sensibilidade

Sim: 20 pessoas
Não: 18 pessoas
Sem resposta: 03 pessoas

A) Reações emocionais intensificadas frente a estímulos auditivos ou visuais: 17

  1. Medo ou pânico frente a determinados estímulos auditivos (som, sirene, barulho de porta, ruído de chaves, movimento)
  2. Irritabilidade ou intolerância a sons, ruídos ou luzes muito fortes.

B) Insensibilidade ou diminuição de sensibilidade (a sons, ruídos, luzes e a dor física: 02

C) Falsa percepção (chispas luminosas no olho direito principalmente e zumbidos nos ouvidos): 02

II – Sintomas psico-afetivos

Sim: 22
Não: 17
Sem resposta 02

A) Sensação de estar constantemente ameaçado: 14

  1. Medo de cair: 02
  2. Medo de andar de ônibus: 01
  3. Medo de ser preso ou morto: 06
  4. Medo de perder a privacidade até do pensamento: 05

B) Diminuição de auto-estima: 02

C) Idéias e situações recorrentes: 10

  1. Pensamento fixo da necessidade de castigo ao torturador: 02
  2. Pensar no sadismo do torturador: 01
  3. Fixação nas palavras sonoras, mas vazias de significado: 01
  4. Pesadelos com cenas de perseguição e torturas: 06

D) Alucinações auditivas: 01

E) Cadeias associativas sem possibilidade de inibição: 01
(alteração no curso do pensamento)

III) Alteração na sociabilidade:

Sim: 25
Não: 11
Sem resposta: 05

A) Retraimento ou irritação nas relações inter-pessoais: 32

  1. Isolamento: 05
  2. Desconfiança e superficialidade de relacionamento: 12
  3. Medo das pessoas: 05
  4. Insegurança ou sentimento de ser inadequado na relação com as pessoas : 03
  5. Labilidade e intolerância (impaciência e agressividade) : 07

IV) Alteração no comportamento sexual

Sim: 12 Duração 1) Temporária: 04
Não: 24 da 2) Permanente: 01
Sem resposta: 05 Alteração 3) Não especificaram: 07
  1. Ansiedade ou vergonha durante a relação sexual: 02
  2. Diminuição ou perda do apetite sexual: 04
  3. Preocupação de proteção do órgão genital: 01
  4. Dificuldades sexuais não especificadas: 05

Retomada de atividades políticas

Sim: 32
Não: 04
Sem resposta: 05

Quanto tempo depois da saída da prisão

1) Imediatamente: 11

2) Até 1 ano:

07
3) De 1 a 2 anos: 03
4) De 2 a 3 anos: 04
5) De 3 a 4 anos: 01

6) Mais de 5 anos:

02


DISCUSSÃO

A mostra estudada é muito pequena, tomando em conta a quantidade de pessoas que foram torturadas no Brasil. Também está restringida ao local onde nosso trabalho se desenvolveu, a cidade de São Paulo.

A maioria das pessoas que responderam ao questionário (85,3%) foram torturadas entre 1970 e 1973, o que coincide com o período de repressão máxima no Brasil – o governo Médici. E foram, naquela época, jovens e principalmente estudantes e professores, ou seja, oriundos da pequena burguesia nacional.

Entretanto devemos destacar que dirigentes camponeses e sindicais sofreram igual ou pior repressão, infelizmente estes não estão na nossa mostra por causa da dificuldade de acesso a eles e a distribuição dos questionários.

Aproximadamente 70% não relataram um estado físico ou patológico prévio que fizessem mais graves as torturas que lhes foram aplicadas. Entretanto 70% relataram alterações temporárias ou permanentes na capacidade física depois de serem aplicadas as torturas. Estes resultados nos permitem perceber a dureza das torturas aplicadas . Por outro lado, somente 39% dos investigados relataram possuir marcas de torturas, o que revela a sofisticação do método de aplicação, evitando as marcas e sinais denunciadores. Neste trabalho, os métodos mais utilizados foram espancamentos e choques elétricos.

Gostaríamos de fazer sobressair que entre os entrevistados 17 (41,9%) relataram haver sofrido mais agressão nos ouvidos. E nessa mesma mostra, 3 (7.3%) relatam diminuição da acuidade auditiva pós tortura.

Vinte e oito (68%) das pessoas, na mostra estudada, denunciaram a presença de profissionais de saúde diretamente envolvidos nas torturas. E cinco (12%) não souberam responder se foram ou não atendidos por profissionais de saúde, durante as torturas. O profissional mais denunciado foi o enfermeiro.

Para maior compreensão dos dados analisados em seguida é necessário destacar que 23 entrevistados (56%) relataram haver tido sessões de tortura de 2 a 10 horas de duração, e aproximadamente 50% foram submetidos de 3 a 10 sessões, com intervalos mais curtos no começo e mais largos com o passar do tempo. Junto com isso, de acordo com o relatado nos questionários e amplamente conhecido através das inúmeras denúncias de presos políticos, havia péssimas condições carcerárias (isolamento, higiene precária, má alimentação, etc) que contribuiam para a degradação física e moral do indivíduo. Obviamente essas condições faziam parte de um quadro mais geral de tortura.

Os entrevistados notaram alterações no funcionamento psicossocial de diversos níveis e diversas ordens.

Vinte pessoas (aproximadamente 50%) apresentaram alterações na sua sensibilidade, ou seja, reagiam com medo ou pânico, irritabi1idade ou intolerância, frente a estímulos visuais e/ou sonoros. Estas reações sugerem o estabelecimento de uma espécie de reflexo condicionado: barulho de passos poderia estar associado a situações de extrema incerteza vividas na prisão, onde não se consegue avaliar a significação dos passos ouvidos (ser levado a uma nova sessão de tortura, prisão de um companheiro, hora da refeição etc); gritos podem levar a revivências de gritos de companheiros ou familiares sendo torturados etc.

Vinte e duas pessoas (aproximadamente 53,6%) apresentaram sintomas como medo, idéias ou pensamentos recorrentes, alterações no curso do pensamento etc., expressas através de respostas como "medo de ficar sozinho" ou "andar de ônibus", "a sensação de estar constantemente vigiado e ameaçado", a perda de auto-estima, que evidenciam um sentimento de grande fragilidade que gera a insegurança e o medo. Tais alterações poderiam ser indicativas de que alguns ex-presos políticos, momento após a soltura voltariam a sentir a impotência que vivenciaram frente ao torturador. Doze pessoas (aproximadamente 30%) respondem que tiveram alterações no comportamento sexual. Este resultado entra em contradição com os dados do item anterior que atestam dificuldades nas relações inter-pessoais. Dada a natureza da questão, e o fato de problemas de ordem sexual se constituírem tabus em nossa sociedade, supomos que os investigados encontraram dificuldades para responder a esses quesitos, pois estes teriam que se defrontar com pontos considerados extremamente íntimos e complexos. Finalmente, o fato de 78% dos investigados terem retornado e retomado alguma forma de atividade política, nos parece bastante positivo. Os investigados demonstram com esse resultado terem conseguido de alguma maneira sua reintegração à realidade social, o que nos leva a formular a hipótese de que, ao mesmo tempo, conseguiram em algum nível, uma integração pessoal. Ressalvamos no entanto que, na medida em que a pesquisa foi feita nos círculos de trabalho e de amizade dos investigadores, não havendo possibilidade de acesso a uma mostra mais ampla e variada, pelo menos no período em que a investigação foi realizada, isto impõe cuidados na apreciação e avaliação desse resultado.