Periscópio Internacional 26 – Um olhar sobre o Brasil

Edição 26 – Agosto de 2008

anchor

As eleições municipais

Forças armadas

Meios de comunicação

Movimentos sociais

Mudanças sociais

Política econômica

anchor
As eleições municipais

As pesquisas de opinião mostram que a maior parte da população brasileira ainda não escolheu em quem vai votar, para prefeito e para vereador.

A eleição ocorrerá no primeiro e no último domingo de outubro (nesta segunda data, apenas nas cidades com mais de 200 mil eleitores, salvo se um dos candidatos obtiver 50% mais 1 dos votos válidos já no primeiro turno).

Uma variável importante, daqui até outubro, é o início do horário eleitoral gratuito: a partir de 19 de agosto, as televisões e as rádios brasileiras começaram a divulgar propaganda política das diferentes campanhas eleitorais.

Conforme a legislação brasileira, a propaganda eleitoral gratuita nas rádios e televisões é feita da seguinte forma:

a) nas eleições para Prefeito e Vice-Prefeito, às segundas, quartas e sextas-feiras; das sete horas às sete horas e trinta minutos e das doze horas às doze horas e trinta minutos, no rádio; das treze horas às treze horas e trinta minutos e das vinte horas e trinta minutos às vinte e uma horas, na televisão;

b) nas eleições para Vereador, às terças e quintas-feiras e aos sábados, nos mesmos horários explicados no item anterior.

Os horários reservados à propaganda são distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham representação na Câmara dos Deputados, observados os seguintes critérios:

a) um terço do tempo é dividido igualitariamente;

b) dois terços do tempo, é dividido proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integram.

Evidentemente, nem todos os municípios brasileiros possuem emissoras de televisão. Mas o horário eleitoral gratuito joga um papel fundamental na definição das campanhas eleitorais, especialmente nas 79 principais cidades do país (capitais de estado, cidades com mais de 200 mil eleitores, cidades que possuem emissoras e retransmissoras de sinais de televisão).

No segundo turno, a partir de quarenta e oito horas da proclamação dos resultados do primeiro turno e até a antevéspera da eleição, também está previsto um horário destinado à divulgação da propaganda eleitoral gratuita.

Maiores detalhes sobre a programação eleitoral podem ser obtidos no seguinte endereço eletrônico: http://www.senado.gov.br/web/codigos/eleitoral/eleit010.htm

O horário eleitoral gratuito influencia todas as camadas da população e atinge os 128 milhões de eleitores aptos a votar em outubro, em 5.563 municípios.

No início de setembro, deve ficar mais clara qual a tendência das eleições municipais deste ano, que envolvem 52 mil vagas e cerca de 400 mil disputantes. E será possível especular com mais segurança, acerca da incidência destas eleições, sobre as presidenciais de 2010.

Hoje, há tendências contraditórias. Por um lado, o governo Lula exibe imensa popularidade e o PT chega a receber o apoio de 25% do eleitorado. Por outro lado, as pré-candidaturas governistas a presidência da República (especialmente as petistas) ainda revelam fraco desempenho nas pesquisas eleitorais que já estão sendo feitas, sobre 2010.

Esta contradição estimula, na oposição, um clima de “vitória certa” em 2010. Mas caso o PT, os partidos de esquerda e os partidos governistas saiam fortalecidos das eleições municipais de 2008, isto certamente vai se refletir positivamente no desempenho dos candidatos governistas à eleição de 2010.

Só por hipótese: o que será do PSDB, se este partido perder as eleições para prefeito , Belo Horizonte e Rio de Janeiro?

Quem especula sobre as reações da oposição de direita, a um cenário deste tipo, é Wanderley Guilherme dos Santos (Valor Econômico, 11 de julho de 2008):

“Pelo clima em gestação nesta prévia das eleições municipais, temo que a atual oposição resista a aceitar outra derrota em 2010, caso ocorra. A sistemática difusão da tese de que o governo não tem candidato viável e, por isso, a oposição certamente ganhará a próxima eleição presidencial contribui para cristalizar no eleitorado oposicionista o sentimento de que só por artes ilegais ou vícios institucionais o atual governo pode ser ratificado pelo eleitorado. O aparelhamento atual dos órgãos de imprensa pelo partidarismo tucano facilitará, como em oportunidades anteriores, a agitação do arsenal de teses golpistas de que são proprietários. Por essa razão, a reação dos oposicionistas aos resultados das eleições municipais deste ano talvez prefigure o que pretendem fazer.

“Novidade é a enorme distância entre a opinião pública, favorável ao governo, e o crescente otimismo oposicionista, fundado em pesquisas sobre candidaturas hipotéticas. Como os jornais e revistas pensam da mesma forma, seus editorialistas e comentadores imaginam que toda a população pensa como o colega da mesa ao lado, não obstante as pesquisas da primeira página registrarem o contrário. Cria-se um coro de iludidos que transborda para a fatia oposicionista do eleitorado, levando-o à certeza de vitória próxima. Aí mora o perigo”.

“Na hipótese bastante plausível de acirrada competição e vitória apertada de um eventual candidato petista ou apoiado pelo PT, como reagirão os profetas do apocalipse?”

“Uma derrota da atual facção oposicionista, sobretudo se for por diminuta margem de votos, tem tudo para reativar as inclinações históricas dos conservadores pelas soluções extralegais”.

A reflexão de Wanderley Guilherme nos remete para duas questões de fundo:

a) a compatibilidade entre o capitalismo e a democracia. Especialmente neste cenário de incertezas internacionais e de mudanças na geografia política da América Latina;

b) as ações do campo democrático-popular e as políticas públicas desenvolvidas pelo governo Lula estão conseguindo consolidar (social, econômica, política e culturalmente) uma base social capaz de lutar, eleger e sustentar um terceiro mandato de centro-esquerda?

Vejamos, deste ângulo, alguns acontecimentos e polêmicas que estão marcando o mês de agosto, no âmbito das forças armadas, dos meios de comunicação, dos movimentos sociais, dos setores médios, da política econômica e da política externa.

anchor
Forças armadas

“O erro foi ter apenas torturado e não matado”, disse o deputado federal Jair Bolsonaro aos manifestantes que protestavam frente ao Clube Militar do Rio de Janeiro, no dia 7 de agosto.

No link a seguir se pode assistir a parte da manifestação: http://www.youtube.com/watch?v=N8dPt31ML44

A declaração do deputado, porta-voz da linha dura militar, revela a temperatura do confronto entre, de um lado, o Ministério da Justiça e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; e, de outro lado, parcela das Forças Armadas.

No centro do confronto, está a interpretação da Lei da Anistia de 1979. Para o movimento de direitos humanos, bem como para familiares de presos, mortos, desaparecidos e torturados, a Anistia não se aplica aos crimes de tortura e desaparecimento.

Para a direita militar, a Anistia se aplicaria aos “dois lados”, esquecendo que um dos lados foi punido (com um rigor maior do que o previsto nas “leis” da ditadura), enquanto que os agentes do Estado responsáveis por crimes não foram punidos.

Enquanto os ministros do governo Lula convocaram um seminário, para debater aspectos jurídicos relacionados ao tema, os militares realizaram um ato convocado pelos presidentes do Clube Naval, do Clube Militar e do Clube de Aeronáutica.

Participaram antigos ministros de Estado, oficiais generais da ativa e da reserva, da Marinha, Exército e Aeronáutica, autoridades civis, oficiais das três forças, associados e convidados.

Segundo a Mensagem divulgada pelos presidentes dos Clubes das três armas, a reunião “foi realizada com o propósito de oferecer a oportunidade de discutir um tema que, além de atual, traz consigo considerável carga de polêmica: a Lei de Anistia, sancionada em 1979, que tinha como meta proporcionar a pacificação entre os brasileiros de diversas tendências ideológicas, em particular o funcionamento de uma democracia plena em nosso país. De acordo com a sugestão dos que à época faziam oposição ao governo, foi ampla, geral e irrestrita. Causou espanto, por esse motivo, a extemporânea e fora de propósito iniciativa dos ministros do atual governo de se voltar a discutir uma lei cujos efeitos positivos se faziam sentir há bastante tempo. Foi um desserviço prestado ao Brasil e com certeza ao próprio governo a que pertencem. Se houvesse mesmo interesse em debater os problemas nacionais, os dois ministros deveriam optar por um tema mais atual, que incomoda em maior intensidade: os inúmeros escândalos protagonizados por figuras da cúpula governamental ou, ainda mais recente, a gravíssima suspeita de envolvimento de alguns desses com as FARCs. Que fique bastante claro não ser o motivo deste seminário a defesa da tortura ou ataque pessoal a quem quer que seja, mas o debate de uma lei que instituiu o esquecimento de atos reprováveis, eventualmente cometidos, como também o de crimes hediondos perpetrados por militantes das organizações terroristas que proliferaram àquela época”.

O ato durou duas horas, com três discursos, entre os quais um feito pelo general (da reserva) Sérgio Augusto de Avelar Coutinho. Para o general, “depois do colapso soviético, a concepção de Gramsci tem sido a opção das esquerdas revolucionárias, a via democrática para o socialismo é o sucedâneo da via pacífica de Kruschev. Na prática, essa estratégia tem sido conduzida por dois empreendimentos principais, estejam atentos porque elas são evidentes, mas nós não as vemos: primeiro, a reforma intelectual e moral da sociedade, expressão de Gramsci, na qual estão empenhados os intelectuais orgânicos e os intelectuais permeados na literatura, na manifestação artística, na cátedra e na música. Novas formas de pensar, sentir e agir. O segundo empreendimento é o reformismo radical, que está muito bem explicado num artigo do atual ministro da Justiça, escrito há três anos atrás, que é a própria transição para o socialismo para o qual são necessárias duas coisas, que estão na cara, desculpa a franqueza da expressão, estão evidentes, que são: o continuísmo no governo e a ocupação do Estado, ou seja, a construção do aparato revolucionário. O revanchismo é instrumental. Ele satisfará o ego dos revanchistas, mas na realidade ele está abrindo um caminho para a revolução. E digo que há no Brasil um processo revolucionário socialista em curso, sutil e mascarado, com aparência democrática, violando ou espalhando a violação dos princípios básicos do Direito, com toda a simulação de respeito ao estado democrático.”

Participaram do ato dois militares na ativa: o comandante do Leste e o diretor de Ensino e Pesquisa, generais-de-exército Luiz Cesário da Silveira Filho e Paulo César Castro. Os dois são generais de quatro estrelas, estão no topo da hierarquia militar e integram o Alto Comando do Exército.


anchor
Meios de comunicação

Entidades que defendem a democratização dos meios de comunicação querem a realização de audiências públicas na Câmara dos Deputados para debater as renovações das concessões da Rede Globo, que estão em análise na Casa. Os casos atuais da TV Globo – que tem concessões vencidas desde o dia 5 de outubro do ano passado – são emblemáticos, por ser ela a maior rede de televisão no país e estar prestes a renovar as outorgas no parlamento.

A Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), a CUT, a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Rádio e TV (Fitert) e o Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes) encaminharam comunicado ao presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, deputado Walter Pinheiro (PT-BA), pedindo o debate. Atualmente, a comissão analisa quatro propostas de renovação de concessão da Rede Globo nas cidades de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

As entidades querem que as demais renovações sejam discutidas publicamente antes de serem votadas, como forma de ampliar o debate sobre o tema. Os processos devem ser analisados também pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Para o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), uma Conferência Nacional de Comunicação é um espaço legítimo para reunir as diversas propostas da sociedade às medidas do Congresso Nacional e do poder Executivo e definir novos critérios de outorga e renovação de canais de rádio e TV no Brasil.

Entre os novos critérios, o Fórum propõe, na renovação, apresentar certidões fiscais que comprovem regularidade com as obrigações sociais e trabalhistas; levantamento com resultados de pesquisa de opinião ou outros dispositivos, com a avaliação dos serviços prestados à comunidade, comprovando o atendimento dos compromissos firmados no ato da concessão, permissão ou autorização.

Para o Fórum, é imprescindível o estabelecimento de contrapartidas sociais, como por exemplo, um fundo de financiamento à radiodifusão pública, educativa, universitária e comunitária; a inclusão na estrutura das empresas de Rádio e TV de mecanismos que estimulem e permitam o controle público sobre a programação – como conselhos com participação da sociedade, conselhos editoriais e serviços de ouvidoria.

Também é cobrado que seja observado o impedimento de pessoas físicas investidas em cargo público ou no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial, e seus parentes até terceiro grau, em nome próprio ou de terceiros, no controle, gerência ou direção de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens. E ainda a observância dos limites à propriedade dessas concessões, estabelecendo mecanismos que identifiquem os reais concessionários e permissionários, impedindo a prática do “coronelismo eletrônico”.

Além da renovação das concessões, outro tema em destaque é a movimentação da Comissão Pró-Conferência Nacional de Comunicação, que está empenhada, juntamente com diversas entidades, na coleta de assinaturas em defesa da convocação, pelo Governo Federal, da I Conferência Nacional de Comunicação. O abaixo assinado tem o intuito de pressionar o governo para que seja conclamada a conferência, levando em consideração que mais de 50 conferências setoriais já aconteceram.

Esse espaço é de suma importância para que a sociedade discuta e delibere no que diz respeito às políticas públicas e o novo marco regulatório do setor das comunicações no Brasil.

O Movimento Pró-Conferência Nacional de Comunicação surgiu oficialmente em junho de 2007, no final do Encontro nacional de Comunicação. Hoje é composto por cerca de 30 entidades da sociedade civil de caráter nacional, pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDMH) e pelo Ministério Público Federal.

Leia a nota oficial do Movimento Pró-Conferência Nacional de Comunicação, lançada em 19/03/08, acessando o link http://www.proconferencia.com.br/nossaproposta.htm.

anchor
Movimentos sociais

De 8 de agosto, ocorreu a 12ª Plenária Nacional da Central Única dos Trabalhadores.

No dia 8 de agosto, os participantes da Plenária se deslocaram para a cidade de São Bernardo do Campo, para aprovar o plano de lutas em uma grande assembléia popular da classe trabalhadora realizada na praça da matriz.

A assembléia foi precedida de uma grande passeata que saiu do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, contou com a participação de milhares de trabalhadores/as que vieram para a assembléia além dos que já estavam na 12ª plenária.

A 12ª plenária convocou o 10ª congresso nacional da CUT para o mês de agosto de 2009. Convocou, ainda, uma jornada de lutas e mobilizações, com ênfase na Marcha da Classe Trabalhadora em dezembro de 2008.

O plano de lutas inclui os seguintes pontos: disputar o projeto de desenvolvimento nacional sustentável, cujo centro seja a distribuição de renda e valorização do trabalho; combater a inflação, na perspectiva da classe trabalhadora, cobrando reforma tributaria socialmente justa, redução da taxa de juros e desoneração da cesta básica; intervenção nas eleições municipais comprometendo as candidaturas com a plataforma eleitoral da classe trabalhadora, formulada pela CUT; fim do fator previdenciário; investimento massivo na infra-estrutura urbana, implementação do estatuto da cidade; ampliar a luta pela reforma agrária, pelo fortalecimento da agricultura familiar, lutar pelo limite da propriedade rural e atualização do índice de produtividade; defender matriz energética limpa de fontes renováveis; por uma nova tabela do imposto de renda; pela implantação do piso nacional da educação básica; fortalecer as lutas pela legalização e descriminalização do aborto e combate a violência contra a mulher; fortalecer a luta contra o trabalho infantil e o trabalho escravo no campo e na cidade; realizar campanha em defesa do SUS; luta pelo fortalecimento do Estado com ampliação dos concurso públicos, política de valorização dos servidores e combate à criação de fundações públicas de direito privado; potencializar a luta pela autonomia e liberdade sindical, realizando campanha nacional pela ratificação da convenção 87 da OIT, pela punição de praticas anti-sindicais e direito de greve; avançar na luta pelo fim do imposto sindical e implementação da contribuição negocial; fortalecer a agenda da CSA – Confederação Sindical das Américas, por liberdade sindical, trabalho decente e combate aos TLC’s – tratado de livre comercio e contra as privatizações; realizar campanha pelo projeto de lei de iniciativa popular por um plebiscito oficial sobre a anulação do leilão do vale do rio doce; potencializar a participação da CUT na construção e realização do Fórum Social Mundial, em Belém – janeiro/09; potencializar as lutas contra a criminalização dos movimentos sociais, participar ativamente da Marcha dos Sem no RS e do grito dos excluídos; fortalecer a CMS – Coordenação dos Movimentos Sociais.

A CUT reafirmou, ainda, o compromisso com o fim do imposto sindical. Isto acontece no mesmo momento em que, por iniciativa do governo Lula, ocorre a regularização das centrais sindicais, conforme critérios da Portaria 194, o que permitirá que todas recebam uma verba calculada em várias dezenas de milhões de reais.

Há um acordo assinado por todas as centrais sindicais com o Ministério do Trabalho para que o governo envie ainda em agosto um Projeto de Lei ao Congresso Nacional, substituindo a atual contribuição compulsória por uma democrática.

A 12ª Plenária da CUT aprovou, também, várias moções, dentre elas uma de apoio incondicional ao Movimento Sem Terra que, junto com outros movimentos sociais, está sofrendo uma ofensiva por parte de setores conservadores da sociedade. Mídia, parte do poder judiciário, aparato policial e alguns governos estaduais, não medem esforços para criminalizar os movimentos sociais do campo.

Recentemente, no Rio Grande do Sul, o Ministério Público aprovou um relatório que pede a dissolução do MST. O documento do Ministério Público chega a condenar o uso, nas escolas de assentamentos, de livros dos brasileiros de Florestan Fernandes, Paulo Freire e Chico Mendes.

Parte do relatório cuidou em enquadrar oito trabalhadores na Lei de Segurança Nacional da finada ditadura militar. O documento afirma, ainda, que o MST mantém vínculos com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A própria Policia Federal, numa investigação já concluída desmentiu essa acusação dizendo que não há nenhum vínculo entre aquela organização e o MST.

No Pará, um advogado da CPT (Comissão Pastoral da Terra) foi condenado pela Justiça Federal de Marabá por participar de protestos no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) pela Reforma Agrária. A mesma vara federal condenou outros três trabalhadores rurais a pagarem R$ 5,2 milhões à gigante da mineração Vale, por descumprirem ação que proíbe manifestações nas instalações da Ferrovia Carajás.


anchor
Mudanças sociais

Dois estudos distintos, divulgados pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão ligado ao governo) e pela FGV (Fundação Getúlio Vargas, organismo privado), afirmam ter ocorrido um “crescimento da classe média”.

Em números absolutos: entre 2002 e o final de 2008, 3 milhões de brasileiros que moram nas seis principais regiões metropolitanas do País – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife – terão saído da pobreza. A taxa de pobreza nessas seis capitais do País – onde vive um quarto da população brasileira e são produzidos dois quintos do Produto Interno Bruto (PIB) – cairá de 32,9% para 24,1%. A expectativa para 2008 é que 11,3 milhões de pessoas estejam na linha da pobreza.

A mesma pesquisa do IPEA também apontou um crescimento do número de “novos-ricos”. Esse grupo aumentou 28,1 mil entre 2002 e 2008. Em 2002, as pessoas consideradas ricas nas seis regiões correspondiam a 448,5 mil. Agora, em 2008, somarão 476,6 mil. Apesar disso, a participação de ricos no total da população nessas seis regiões metropolitanas permaneceu estável, em 1%.

A pesquisa também mostrou redução do número de indigentes nas seis regiões metropolitanas. Em 2002, 5,6 milhões pessoas eram consideradas indigentes e em 2008 esse contingente cairá para 3,1 milhões. O retrato observado nessas capitais pode ser estendido para o resto do País.

Indigente na pesquisa é quem vive com até um quarto do salário mínimo por mês. O IPEA classifica como pobres as pessoas que têm renda per capita igual ou inferior a meio salário mínimo (R$ 207,50). Ricas são aquelas pertencentes a famílias com renda igual ou maior do que 40 salários mínimos (R$ 16,6 mil).

A pesquisa mostra, entretanto, que os ganhos de produtividade não estão sendo repassados aos salários. Isso porque, segundo ele, os mais ricos estariam “capturando” o crescimento da produtividade, sem repassá-lo para os trabalhadores com salários mais baixos. Para ilustrar isso, a pesquisa usa dados da indústria brasileira, segundo os quais os ganhos chegaram a 22,6% entre 2001 e 2008. Neste mesmo período, a folha de pagamento por trabalhador cresceu 10,5%.

Os dados de 2008 foram estimados pelo IPEA, uma vez que o ano ainda não terminou. A pesquisa capta basicamente a renda oriunda dos rendimentos do trabalho e da aposentadoria (ou seja, a riqueza oriunda da especulação financeira, por exemplo, não é captada na análise).

Há controvérsias acerca do fenômeno, especialmente se além da pobreza também estaríamos diminuindo a desigualdade, ou seja, a “distância entre o topo e a base da pirâmide”. Também há dúvidas sobre o caráter estrutural e a “sustentatibilidade” da redução da pobreza, que baseia-se no crescimento da economia, no aumento do salário mínimo, nos programas sociais de transferência de renda do governo, como o Bolsa-Família, e nos incentivos à agricultura familiar. Tais mudanças resistiriam a uma mudança no quadro econômico ou a uma mudança de governo?

Outro estudo, divulgado pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da FGV, da Fundação Getúlio Vargas, confirma que o ganho de renda da população mais pobre vem se mostrando mais resistente do que em outras épocas. E que a proporção de miseráveis nas seis maiores regiões metropolitanas do país caiu de 35% para 25%, de abril de abril de 2008.

“De cada cem trabalhadores das seis maiores regiões metropolitanas que estavam em situação de miséria em janeiro deste ano, 32 aumentaram sua renda e mudaram de classe social após quatro meses. Essa maior mobilidade ajudou a reduzir a desigualdade e encorpou a classe média”.

Como resultado, a proporção de miseráveis nas maiores regiões metropolitanas caiu de 35% para 25% de abril de abril de 2008. No período, a classe média, que era 44% da população, chegou a 52%.

O estudo da FGV definiu como classe média a população cuja renda domiciliar total se situava entre R$ 1.064 e R$ 4.591. Foi incluída na classe E, abaixo da linha de miséria, a população cuja renda domiciliar fosse inferior a R$ 768.

Neri explica que sempre houve grande mobilidade social no Brasil, principalmente no caso de pobres que conseguiam subir para a classe média, mas logo voltavam para a pobreza. Desta vez, ele diz que os dados são mais animadores.

Analisando a mobilidade entre classes sociais nas regiões metropolitanas, o estudo de Neri mostra que, em 2003, 79% dos trabalhadores conseguiram permanecer na classe média num período de quatro meses. Em 2008, esse percentual aumentou para 85%.

No caso da classe E, o percentual dos que conseguiram ascender passou de 27% para 32%, sendo que 16% foram para a classe D, 15% para a classe média (C) e 1% chegou à elite (classe A ou B).

A maior mobilidade, no entanto, acontece na classe D, aquela situada entre os miseráveis (E) e a classe média (C).

Em 2003, o movimento desses trabalhadores era ligeiramente mais descendente (24% caíram para a classe E) do que ascendente (23% foram para a classe C). Em 2008, o percentual dos que subiram foi de 30%, exatamente o dobro dos que caíram: 15%.

Para o economista, esses dados são positivos e se refletem na melhoria da distribuição de renda. “A queda na desigualdade que estamos presenciando agora é espetacular, com uma intensidade comparável à do crescimento da concentração da renda na década de 1960. O Brasil descobriu nesse movimento uma espécie de poço de petróleo que, bem explorado, está ajudando a tirar milhões de famílias da miséria.”

Outra polêmica sobre o dado diz respeito ao termo “classe média”. Para Marcelo Néri, o tamanho dessa classe ou a forma como ela é definida é o menos importante em seu estudo.

“O limite que define as faixas de cada classe eu concordo que é arbitrário, é uma simplificação. O que mostramos de mais importante é que está havendo um crescimento dela e que, mesmo com as crises internacionais, esse movimento continuou em 2008.”

Neri afirma que, em seu levantamento, optou por classificar de classe média os domicílios com renda total entre R$ 1.064 e R$ 4.591 porque é essa faixa de renda que distingue quem não está entre os 10% mais ricos nem entre os 50% mais pobres da população. A partir desse recorte, o mais importante, segundo ele, foi verificar a evolução.

“O que eu queria chamar a atenção é que essa classe cresceu. Mesmo se você considerar como média apenas quem está na classe A ou B [renda domiciliar superior a R$ 4.591], também houve aumento”, diz.

Neri diz que há outras formas de definir o que seria a classe média e que uma delas está sendo trabalhada pela FGV e será divulgada brevemente, levando em conta não a renda, mas a expectativa das pessoas em relação a seu futuro.

O problema, entretanto, não se resume ao que se considera como “dentro” ou “fora” da classe média, mas ao que se entende por “classe social”. O presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, Waldyr Pilli, ajuda a ilustrar a diferença.

Pilli concorda com Neri na afirmação de que a classe média está crescendo no país, independentemente da forma como ela é definida.

Em janeiro deste ano, a associação atualizou seu critério de definição de classes econômicas, conhecido como Critério Brasil, o mais empregado em pesquisas de opinião e de mercado.

Esse critério, para facilitar o trabalho dos pesquisadores em campo, cria uma tabela de pontos relacionados à quantidade de bens em cada domicílio e à escolaridade do chefe de família. A partir dessas informações, as classes são divididas em oito grupos: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E.

“O que queremos com esse critério é ter uma ferramenta para estimar o poder de consumo das pessoas. Utilizamos a tabela de acordo com a posse de bens porque nem todas as pessoas sabem informar a renda total domiciliar, mas quase todas sabem dizer quantos rádios, carros ou TVs elas têm em casa”, diz Pilli.

Ele explica que não há uma regra imutável para definir a divisão das classes econômicas pelo Critério Brasil.

“O que nós tentamos fazer é manter a proporção da população que está em cada classe mais ou menos nos mesmos patamares. Por isso atualizamos com freqüência o critério. É uma forma arbitrária de classificar, mas é preciso entender que o objetivo é justamente diferenciar as pessoas de acordo com seu poder de consumo, e não classificar ninguém em termos de classes sociais”, afirma o presidente da associação.

Seguindo esta trilha, podemos dizer que ao definir classe social com base na capacidade de consumo, estamos adotando um viés de interpretação da realidade que possui uma série de decorrências políticas e ideológicas.

A divulgação dos estudos citados produziu um intenso debate. De maneira curiosa, intelectuais próximos ao PSDB adotaram um tom bastante crítico. Segundo José de Souza Martins (O Estado de S. Paulo, 10/8), por exemplo, “se a notícia de que o aumento do número de brasileiros que podem ser definidos como de classe média traz algum conforto ideológico, a realidade cotidiana ainda não nos traz nenhum conforto visual”.

“Continuam ardendo nos olhos de todos nós os cortiços e favelas, as crianças de rua, as evidências de uma numerosa humanidade sem futuro. Tanto os dados do Ipea quanto os da FGV, divulgados nestes dias, sobre a expansão da classe média, nos põem diante da persistência de indicações de que um número imensamente maior dos beneficiários da ascensão social aparente permanece na fila de espera das próprias regiões metropolitanas, que são a referência desses dados. Sem contar os ocultos e invisíveis, refugiados no restante do Brasil, os estatisticamente mal-amados”.

Como se vê, uma polêmica interessante e que escapa aos propósitos deste Periscópio. Vale acentuar, entretanto, duas coisas: a atualidade do debate sobre classes sociais; e o mal-estar da intelectualidade tucana e também da oposição esquerdista, frente ao fato inegável de que a tão criticada política econômica do governo Lula produziu, seja que nome se dê para a coisa, uma melhoria na capacidade de consumo de uma parcela importante dos pobres brasileiros.

anchor
Política econômica

O governo em geral, sua área econômica em particular, segue palco de uma disputa entre várias orientações distintas. No Banco Central, cuja importância todos conhecem, segue hegemônica uma posição conservadora, anti-desenvolvimentista e pró-especulação financeira. Prova disso são as sucessivas reuniões do Copom que decidiram pelo aumento da taxa Selic.

A novidade é que, desta vez, muitos desenvolvimentistas admitiram publicamente não só a necessidade de uma redução do gasto público, mas também que o BC estaria correto em elevar a taxa de juros.

A cautela destes desenvolvimentistas possui motivos distintos. Alguns têm a expectativa de que o atual presidente do BC sairá logo, portanto seria melhor não fazer muito ruído, até para que sua substituição não provoque efeitos colaterais que obriguem o futuro presidente do BC a aumentar os juros. A este provável motivo, agregue-se uma preocupação cada vez maior com a situação internacional e, por tabela, com a situação da economia nacional.

Vejamos a posição de dois economistas críticos, um da oposição (César Benjamin; FSP, 26/7/2008) e outro da situação (Amir Khair; Monitor Mercantil, 26-28/7/2008).

Benjamin diz que “o governo vem reagindo de maneira frouxa à mudança no cenário das contas externas. O problema é tratado de forma difusa, não sistemática, sem que ninguém se sinta claramente responsável por ele. Os resultados em transações correntes estão negativos desde outubro de 2007, e as piores expectativas têm sido sistematicamente superadas. A balança comercial brasileira começou a perder dinamismo em 2006, quando as exportações praticamente estagnaram (em ‘quantum’), enquanto as importações continuavam a crescer. De lá para cá, a situação tem se agravado com rapidez. O Ipea acaba de rever para baixo as suas previsões, passando a trabalhar com um saldo situado no intervalo entre US$ 21,6 bilhões e US$ 25,1 bilhões, apesar de os preços dos nossos principais produtos de exportação continuarem excepcionalmente altos. Se a melhor dessas hipóteses se realizar, teremos uma queda de quase 40% no saldo comercial em apenas um ano. (…) As famosas reservas de US$ 200 bilhões têm pés de barro, pois são a contrapartida de um passivo externo que é um múltiplo delas e não pára de crescer. Voltamos a depender de capitais de curto prazo para financiar um déficit externo crescente. São eles os principais beneficiários dos juros altos e do dólar barato”.

Amir Khair considera que o Banco Central pratica há mais de uma década uma política antidesenvolvimentista. Khair frisa que, além da redução das despesas com juros, o caminho para o desenvolvimento sustentado e inclusivo passa por uma alteração radical no sistema tributário, que é altamente regressivo no Brasil.