O Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo acaba de finalizar a primeira etapa da pesquisa "Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, Intolerância e respeito às diferenças sexuais nos espaços público e privado", uma parceria com a Fundação Rosa Luxemburg. O sociólogo e cientista político Gustavo Venturi, coordenador do NOP, fala sobre os primeiros resultados, em especial, sobre o alto grau de preconceito dos brasileiros em relação à população LGBT e as possíveis políticas públicas contra a homofobia levantadas pela pesquisa.

FPA – Em linhas gerais, como foi feita a pesquisa?
Gustavo Venturi – Antes de mais nada, a pesquisa é um trabalho conjunto da Fundação Perseu Abramo com a Fundação Rosa Luxemburg, da Alemanha. É a segunda vez que eles fazem parceria com o Nop – também fizemos a pesquisa sobre o racismo, em 2003. É uma pesquisa nacional, feita nas áreas urbanas de todos os estados, representativa, portanto, de 82% da população brasileira adulta. Importante lembrar da fundamental contribuição de entidades que combatem a discriminação ao universo LGBT que foram convidadas a participar do planejamento da pesquisa. O conteúdo do questionário foi todo debatido com essas entidades

Algum dado se destacou?
Para nossa surpresa, o percentual dos que se declararam como tendo preconceito em relação ao segmento LGBT foi oito vezes mais alto do que, por exemplo, havíamos captado nas pesquisas sobre idosos e sobre negros, feitas anteriormente, também pelo Nop.

E por que você acha que isso aconteceu?
Uma das hipóteses – mas isso precisaria ser aprofundado -, poderia vir do fato de se considerar o que hoje se chama de orientação sexual como uma escolha. Então o sujeito é gay porque quer ser gay, a mulher é lésbica porque quer ser lésbica, o bisexual também. Essa percepção de que se trata de uma decisão pessoal abre um flanco para que seja surja a crítica: você fez a sua escolha e eu posso não gostar dela. É diferente de as pessoas assumirem que não gostam de um negro, considerando-se que ele não fez a escolha por sua negritude. Mesma coisa o idoso – não é uma escolha envelhecer.
Acredito também que esse maior preconceito já é um sintoma da nossa cultura de intolerância com a diversidade. Já melhorou, mas durante muito tempo a gente só via personagens homossexuais na televisão de modo caricatural. Se formos fazer um compêndio das piadas que circulam no dia-a-dia das pessoas, uma grande porcentagem está voltada para gozações em relação ao segmento LGBT. Mesmo quando uma pessoa quer xingar a outra, usa a palavra “viado”.

Diante disso, a pesquisa teve algum cuidado especial?
Para justamente captar o preconceito que surge de forma indireta, a primeira parte da pesquisa tem questões abertas sobre a idéia da homossexualidade e questões gerais sobre outros segmentos da população. A gente elencou uma lista grande de grupos sociais e vários deles, inclusive os de diversidade sexual, tiveram taxas altas do que se caracteriza como grupos de aversão. Ou seja, as pessoas assumem que não gostam de, ou que às vezes até odeiam, determinados grupos sociais, mostrando que nós brasileiros somos mais conservadores do que faz supor o senso comum. A lista “de aversão” começa com ateus e usuários de drogas, e logo abaixo vem o grupo LGBT, no mesmo nível de ex-presidiários. Isso mostra que há preconceito para todos os lados.

Em relação ao mundo, como o Brasil aparece nessa pesquisa?
Não temos dados comparativos nesse momento, mas eu espero que, com essa parceria com a Fundação Rosa Luxemburg, possamos ver como essa questão se dá na Alemanha e outras partes da Europa. Acredito que essa característica, da intolerância à diversidade sexual, não é especificamente brasileira, mas que é típica do machismo mais arraigado na América Latina. O Brasil avançou um pouco nisso, embora dados indiquem que seríamos líderes em crimes homofóbicos. Na pesquisa, cerca de 10% dizem que odeiam gays e lésbicas. São pessoas que provavelmente dariam apoio, senão explícito, pelo menos velado, a atitudes violentas.

Um dos objetivos da pesquisa é justamente subsidiar políticas públicas para coibir esse e outros tipos de violência ligada à intolerância à diversidade sexual. Quais seriam essas políticas?
Na pesquisa nós estimulamos alguns campos onde essas políticas seriam possíveis e perguntamos em qual deles os governos deveriam atuar para combater a discriminação contra a população LGBT. Com 51%, apareceu em primeiro lugar a educação; a saúde veio em segundo, com 40%; e o mercado de trabalho em terceiro, com 33%. O campo da justiça ficou em quarto, com 27%; cultura com 18%. Nessa parte final do questionário, nós testamos uma série de políticas públicas que foram debatidas, por exemplo, na 1 ª Conferência Nacional GLBT (depois tornada LGBT), realizada em maio. Na saúde, das alternativas que nós sugerimos, foi considerada prioritária por um terço dos pesquisados a “qualificação dos profissionais de saúde para atender com respeito a população LGBT”. Em segundo lugar, uma “formação específica de urologistas, proctologistas e ginecologistas para atender essa população”, juntamente com uma “política de redução de danos em relação ao uso inadequado de silicone e hormônios entre os ‘ts’ – travestis e transexuais”. No campo da educação surgiu, com 54%, “qualificação dos professores para gerenciamento de conflitos entre alunos relacionados à diversidade sexual”. Isso mostra que a população tem consciência de que a questão está colocada no dia-a-dia, que é levada para dentro da sala de aula, em gozações, brincadeiras e até agressões. Em segundo lugar ficou a “análise do material didático”, que a gente sabe que é muitas vezes um veículo importante de reprodução da discriminação.

E no campo da justiça?
No campo da justiça, a primeira resposta ficou para a “qualificação dos policiais e demais profissionais da área de segurança para atender com respeito a população LGBT”. A gente sabe por relatos, que há muitos casos de violência no tratamento da população LGBT, especialmente com os travestis, que é a população que não consegue “esconder” sua identidade, diferentemente dos outros grupos, que podem manifestá-la mais ou menos abertamente em ambientes considerados hostis. Essa dificuldade muitas vezes empurra os travestis à prostituição, por falta de alternativas de trabalho. Se uma escola, por exemplo, acolhesse um professor ou professora travesti, possivelmente não haveria abertura dos pais para que os filhos estudassem com ela. Em segundo, apareceu um “programa para coibir o tráfico de adolescentes LGBT”. “Regularizar o banco de dados com registros de crimes homofóbicos” apareceu com 27%; “garantir respeito e proteção à população LGBT no sistema penitenciário” aparece um pouco acima, com 32%. No campo do mercado de trabalho, a principal proposta, que teve apoio da maioria, foi “parcerias entre sindicatos, ONGs, empresários e governos para formação de profissionais com identidade LGBT”, e “cursos de qualificação profissional para travestis”.

Alguma coisa em relação a união civil?
Sim, no campo dos direitos humanos, 27% disseram apoiar a proposta “garantir a parceiros homossexuais o direito à herança, em caso de morte de um dos cônjuges”. “Proibir e multar veiculação de programas e propagandas que promovem a homofobia”, juntamente com “facilitar o recebimento de denúncias de preconceito com relação à população LGBT”, aparecem em seguida. Enfim, uma vez colocados diante dessas questões, os pesquisados optam por alguma política pública, embora, num primeiro momento – e isso é relevante – não considerem o tema como merecedor de ser objeto de política pública, acham que esse é um problema de relacionamento das pessoas, que deveria ser resolvido entre elas.

Finalizada a primeira parte da pesquisa, quais são os próximos passos?
Está prevista uma segunda fase, que é a pesquisa de campo com o segmento LGBT. O questionário dessa vez vai estar voltado para vivências de discriminação. Depois vamos divulgar os dados da pesquisa através de seminários, a serem organizados conjuntamente pelas fundações Perseu Abramo e Rosa Luxemburg. Vamos divulgar os dados também para os meios de comunicação. E certamente faremos a edição de um livro, como aconteceu nas outras pesquisas do NOP, a cargo da Editora Fundação Perseu Abramo, para o qual convidaremos especialistas ou estudiosos, ou militantes de combate à discriminação LGBT para analisar os dados de forma mais profunda e assim aumentar o volume do debate sobre o tema. Por fim, levaremos essa questão para o Fórum Social Mundial em Belém, em 2009.