O vice-presidente da Fundação Perseu Abramo, Nilmário Miranda, esteve recentemente em Cabo Verde, na África, onde conversou com o presidente Pedro Pires e outras autoridades locais. Na entrevista a seguir, ele fala como foram essas conversas e conta de possíveis parcerias num futuro próximo entre a FPA, o PT e o governo local.

Nimário Miranda entrevistado por Daniel Benevides

Quais foram suas primeiras impressões do país?
É um país que tem uma história muito interessante, exemplar. É composto de dez ilhas vulcânicas, com uma população de 450 mil habitantes. Não tem água, chove muito pouco, e não tem recursos naturais. E no entanto é um dos países mais estáveis da África. Está, inclusive, num período de crescimento. Foi um dos primeiros países africanos a deixar de ser colônia, a conquistar sua independência. O PAIGCV, Partido Africano da Independência de Guiné e Cabo Verde, fundado pelo lendário Amílcar Cabral, ganhou repercussão internacional. Isso é interessante, ver como algumas países conseguem dar certo apesar de condições adversas.

Você teve uma conversa longa com o presidente Pedro Pires, na casa dele.
O Pedro Pires é remanescente do núcleo originário do PAIGCV, que tinha o Aristides Pereira e o Amilcar Cabral, que já morreram. Ele tem 74 anos, é muito simples, não afeta a pompa do poder e se veste singelamente, mora numa casa simples, recebe numa sala despojada. Sabe tudo sobre o Brasil. Gostou muito do relato que fiz sobre a Fundação Perseu Abramo. Tem muito apreço pelo PT, que acha que deve ser um aliado natural do PAICV (Partido Africano da Independência de Cabo Verde, que hoje governa o país), que é um partido progressista de esquerda e centro-esquerda. Está preocupado com a crise mundial, mas acha que Cabo Verde está preparado para enfrentá-la. O país não tem produção de petróleo nem geração de energia elétrica, não produz muitos alimentos, a população usa água dessalinizada, mas há um bom desenvolvimento de turismo, uma boa diversificação na economia. A distribuição de renda é boa, sem grandes desequilíbrios. Há um surto de construções, muito por conta do turismo, e também por conta da estabilidade.

Existe alguma possibilidade real de estreitamento dos laços entre Cabo Verde e o Brasil?
O Pedro Pires é favorável. Eu disse a ele que o PT e a FPA têm interesse em criar laços mais sólidos com os países africanos de língua portuguesa. O governo Lula deu uma atenção nunca antes vista a esses países. Lula esteve em vinte países da África. O Brasil vai sediar a Universidade para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em Fortaleza. Tem essa linha área Fortaleza-Cabo Verde, que vai também ao Senegal e à Guiné-Bissau. Tem relações de comércio, ainda que o Cabo Verde não tenha nada para vender. Há 3 mil estudantes caboverdianos no Brasil. Eles gostam daqui. Preferem estudar medicina aqui, por exemplo, do que em Portugal. Eles acham que o Brasil está vivendo uma fase muito boa, e que isso é muito bom para a África. Todos com quem falei acham isso: o presidente, o primeiro-ministro, o ministro da Saúde, Basílio Mosso Ramos, que também é secretário-geral do PAICV, e o Rui Semedo, presidente do grupo parlamentar do partido. São todos muito favoráveis a uma aproximação com o Brasil. Acho que a presença do Lula e sua diplomacia equilibra um pouco mais o jogo de poder no mundo, em prol dos países emergentes, do bloco do Terceiro Mundo.

E as conversas com as outras lideranças?
O Rui Semedo falou que, depois da independência de 5 de julho de 1975, eles adotaram o modelo do partido único. Mas em 1990 teve uma abertura política que possibilitou a formação de outros partidos. Surgiu o MpD (Movimento pela Democracia), partido forte, que ganhou as primeiras eleições. Ficou dez anos no poder. E agora, quando o PAICV retornou ao poder pelo voto, tiveram que reestruturar o partido. Viram que o partido estava desprotegido em formação, em teoria. Procuraram então refazer os laços com as bases, a sociedade, o povo, a juventude. Agora estão criando uma fundação para formação política. E uma Universidade de Cabo Verde, com muitos brasileiros trabalhando nesse projeto. Eles agora estão numa fase boa, rica, de reconstrução do partido.

Surgiu algum tipo de acordo para uma colaboração futura com a Fundação Perseu Abramo?
Tem várias idéias. A primeira foi uma proposta que partiu da gente, da Fundação Perseu Abramo, com respaldo da Secretaria de Relações Internacionais do PT, a SRI, que é de promover um seminário em 2009 com os países de língua portuguesa para discutir a identidade cultural, as relações econômico-comerciais, e a questão social. O presidente Pedro Pires também sugeriu à Fundação uma parceria para resgatar a história de um campo de concentração. Ele funcionou muito tempo em Cabo Verde. Numa primeira fase, na década de 40 e 50, para confinar e desterrar dissidentes da ditadura salazarista. Depois, na década de 60, para internar militantes combatentes das lutas de libertação nacional – angolanos, guineenses e caboverdianos. Foi fechado em 1975, quando acabou o colonialismo, com a Revolução dos Cravos e a volta à democracia em Portugal. Ele quer, no primeiro de maio do próximo ano, quando se comemora o dia da libertação dos presos, fazer um seminário para promover um encontro com os sobreviventes desse campo, com alguns convidados para uma parceria no resgate dessa história. A Fundação pode aceitar essa parceria e buscar outras instituições. Isso aproxima muito os países. Eles querem vir aqui conhecer a Fundação. E já começamos a discutir algumas idéias de publicações conjuntas entre Brasil e Cabo Verde, e também com os demais países africanos de língua portuguesa. Eles também têm uma Universidade de Verão. Uma vez por ano, durante dois ou três dias, os militantes de base, os intermediários e os dirigentes do PAICV têm uma jornada de formação. E eles convidaram a Fundação Perseu Abramo e o PT a participarem e a contribuir com a Universidade. O sistema deles é parlamentarista. São 76 deputados, sendo que seis são eleitos no exterior. Há 900 mil caboverdianos fora do país. O dobro da população é de imigrantes. Uma parte está nos EUA, outra em Portugal. Depois vem Holanda, França, Brasil e a própria África. O PAICV tem bases organizadas no exterior, inclusive no Brasil, com a qual devemos entrar em contato.

Você mencionou a riqueza cultural de Cabo Verde. Poderia falar mais sobre isso?
Parece muito com o Brasil nesse ponto. Parece muito com a Bahia, com as cidades do Nordeste, lembra o Rio de Janeiro. É uma população mulata, com uma língua própria, o criolo. O português é a língua oficial da escola e das relações internacionais do país. Eles têm uma forte identidade cultural. A música deles tem diálogo com a nossa, e com a do Caribe. Tem grandes cantores. Cesária Évora é conhecida no mundo inteiro, mas não é a única. Tem o Tcheka, a Lura, a Mayra, um instrumentista fantástico chamado Bau, a Nancy Vieira…é muito rico….tem um cantor que atuava no período da descolonização, Ildo Lobo. Eles têm muita identidade com o Brasil. Têm futebol, mas não conseguem formar times grandes, pois seus jogadores vão para o exterior. Daí torcem para Brasil e Portugal. Acompanham as novelas brasileiras e a música, desde a bossa nova, até o samba e a música afro-brasileira. Falta o Brasil conhecer mais a cultura de Cabo Verde. Eles têm grandes poetas e a literatura política deles é muito interessante também. Como em todo país que passou por um processo de libertação, eles têm uma história rica para contar.