Na edição atual, uma análise de como o debate econômico e das quedas de braço regionais desenham, no xadrez político-partidário das eleições municipais de 2008, a interessante antesala da disputa presidencial de 2010

Edição 24 – Junho de 2008

No Brasil, o mês de junho de 2008 será marcado por dois grandes debates: por um lado, pela intensificação da articulação de candidaturas e coligações para as eleições municipais de 2008; por outro lado, pela retomada da discussão sobre a política econômica de curto, médio e longo prazo.

A discussão sobre a política econômica retorna, por vários motivos.

Por um lado, há o impacto da crise internacional na economia brasileira, tanto nos preços quanto no câmbio. Utilizando este impacto como pretexto, o Banco Central brasileiro está operando uma alta na taxa básica de juros, o que atrai mais dólares para o Brasil e piora a situação da taxa de câmbio, dificultando por sua vez as exportações e ampliando a vulnerabilidade externa.

Por outro lado, a política de crescimento econômico com redução das desigualdades sofre oposição cerrada da oposição neoliberal. Derrotados nas eleições presidenciais de 2006, os neoliberais continuam em campanha por sua política de “redução de gastos”, leia-se: menos Estado, menos políticas públicas, menos políticas sociais. Um episódio importante desta batalha foi a derrota da CPMF, imposto que financiava parte da saúde pública brasileira.

O Banco Central cerra fileiras, na prática, com os objetivos da oposição neoliberal, uma vez que o aumento da taxa de juros eleva o montante da dívida pública e reduz a capacidade de investimento (produtivo ou social) do governo federal.

Outros setores do governo e de sua base de apoio reagem com propostas variadas, desde a criação de um novo imposto para financiar a saúde, até a proposta de criação de um Fundo Soberano. Mas a reação maior tem vindo da pressão, do próprio presidente da República, no sentido de viabilizar o PAC e algumas políticas públicas.

A discussão sobre a política econômica constitui, portanto, uma espécie de terceiro turno das eleições presidenciais de 2006 e uma ante-sala do debate que será travado nas eleições de 2010, em que a oposição tentará carimbar na candidata ou candidato do governo a pecha de “PT: partido dos tributos”.

Apesar de seu caráter estratégico, a discussão sobre a política econômica perdeu espaço, no interior do PT e de outros partidos governistas, para as articulações visando as eleições municipais de 2008.

Para quem acompanha a distância, vale prestar especial atenção no que vai acontecer nas 26 capitais de estado (no Distrito Federal, que é a 27ª unidade da federação brasileira, não há eleições municipais), bem como nas cidades com mais de 200 mil eleitores.

Destas, é especialmente importante verificar o que acontece em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde se concentra um percentual importante do eleitorado brasileiro.

Em cada uma destas três cidades, os principais partidos brasileiros ensaiam diferentes tipos de política de alianças, cujo êxito ou fracasso repercutirá naquilo que os partidos farão nas eleições presidenciais de 2010.

O PT governa apenas uma destas três cidades: Belo Horizonte. Mas exatamente aí, o Partido local decidiu que não terá candidatura própria à prefeito, optando por apoiar um candidato do PSB, candidato que em 2010 pode apoiar as candidaturas presidenciais de Aécio Neves ou Ciro Gomes.

Ou seja, as chances de uma vitória que fortaleça diretamente o Partido para as eleições presidenciais, limitam-se ao Rio de Janeiro e São Paulo, com Alessandro Molon e Marta Suplicy, respectivamente.

O DEM, por sua vez, governa as capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. Mas tem chances de vitória apenas em São Paulo , ainda assim não por méritos próprios, mas pelo apoio que recebe do governador José Serra. Ou seja: uma vitória do DEM em São Paulo reforçaria sua aliança com os social-democratas na próxima disputa presidencial.

O PSDB não tem o prefeito em nenhuma das três capitais citadas, mas tem grandes chances de vitória, direta ou indiretamente, em duas delas. Pode vencer em São Paulo (com Geraldo Alckmin ou com Gilberto Kassab, que é do DEM mas depende do apoio do setor do PSDB vinculado a Serra) e em Belo Horizonte (através de Márcio Lacerda, que deve sua candidatura ao governador Aécio Neves, do PSDB).

O PMDB tampouco tem o prefeito nestas três cidades. Mas pode fazer parte da chapa vencedora em São Paulo (onde apóia Gilberto Kassab, do DEM) e no Rio de Janeiro, onde o governador Sérgio Cabral (que é do PMDB e apóia o governo Lula) apóia o candidato do PT à prefeitura da capital.

No Rio de Janeiro, também estão na disputa a forte candidatura do senador Marcelo Crivella (do PRB, partido do vice-presidente do Brasil José Alencar); bem como as candidaturas de Jandira Feghalli (do PCdoB), de Chico Alencar (do PSOL) e de Fernando Gabeira (do PV).

Em São Paulo , também estão na disputa as candidatura de Aldo Rabelo (do PCdoB, com possível apoio do PSB e do PDT) e de Ivan Valente (PSOL).

Em Belo Horizonte destaca-se, ainda, a candidatura de Jô Moraes (do PCdoB, com apoio do PRB).

Em resumo: PT com poucos aliados no primeiro turno; PT com apoio do PMDB; PSB com apoio do PT e do PSDB; DEM com apoio do PSDB; PCdoB com apoio de partidos do “bloco de esquerda”; PSOL com candidaturas próprias.

O quadro, aparentemente confuso, servirá de “teste” para vários movimentos que poderão ser feitos no primeiro turno da eleição presidencial de 2010:

a) uma candidatura petista, com poucos aliados ou com o apoio do PMDB e outros partidos;

b) uma candidatura do PSDB, apoiada pelo DEM e até por setores de partidos governistas;

c) uma candidatura do “bloco de esquerda”.

Testará, também, o potencial de um movimento sonhado por muitos: uma candidatura governista, que não seja encabeçada pelo PT e que tenha o apoio de setores do PSDB.

O deputado federal Ciro Gomes (PSB) parece muito empenhado neste sentido, sendo conhecida sua relação com o ex-presidente do PSDB Tasso Jereissati. Ciro Gomes também está envolvido na tentativa de construir uma aliança PSB-PSDB-PT em Belo Horizonte.

A movimentação conduzida pelo governador Aécio Neves (PSDB), pelo deputado federal Ciro Gomes (PSB) e pelo prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), é apresentada como parte de uma luta contra o que eles consideram como “hegemonia paulista” na política nacional.

Claro que ao falar desta hegemonia, os três flertam com o provincianismo, o bairrismo e o regionalismo. Mas no que dizem há uma dose de verdade: existe uma “questão regional” no Brasil, o grande empresariado sediado no estado de São Paulo está incomodado e vê em José Serra presidente uma chance de ocupar mais espaços.

Um dos motivos do incômodo da elite paulista é a política de desenvolvimento regional e social que vem sendo implementada ao longo do governo Lula, política que tem como subproduto o enfraquecimento das elites no Nordeste brasileiro.

A questão é saber como combater o regionalismo da elite paulista: fortalecendo outro regionalismo, mesmo que encabeçado por políticos neoliberais como Aécio Neves e Tasso Jereissati? Ou fortalecendo o PT e a esquerda, no Brasil como um todo, inclusive no estado de São Paulo?

A direção nacional do PT, reunida no dia 30 de maio, adotou posição clara neste debate: não aceita o PT e o PSDB fazendo parte da mesma coligação nas eleições de Belo Horizonte. Ao longo do mês, ficará claro como os demais partidos vão reagir a esta decisão.