A vitória eleitoral do ex-bispo paraguaio, admirador de Dom Hélder Câmara e Leonardo Boff, para a presidência do Paraguai é um sinal expressivo que a Teologia da Libertação, apesar do conservadorismo do papa Bento XVI, alenta o novo ciclo político latino-americano.

Coube à liderança popular de um bispo formado na Teologia da Libertação encerrar 60 anos de domínio do Partido Colorado no Paraguai. Fernando Lugo, nascido em uma pequena comunidade rural, viu desde pequeno o seu pai ser preso e três de seus irmãos torturados e expulsos do país.

Expulso do Paraguai em 1983 por seus discursos considerados subversivos, voltou ao país em 1987, tendo sido durante dez anos bispo em San Pedro, uma das regiões mais pobres do país. Tendo recebido em 2006, um abaixo-assinado de cem mil paraguaios pedindo a sua candidatura à presidência, após ter sido advertido pelo papa, optou no dia de Natal por deixar a condição de bispo para assumir a política como missão diante das “grandes maiorias deste país que sequer começou a transição para a democracia”.

Diferente do período do ciclo de formação da Teologia da Libertação, que tinha Puebla e Medellin a seu favor, o cristianismo popular hoje se defronta com uma situação eclesial profundamente adversa. A vitória de Lugo confirma as teses que analisaram o enraizamento social da Teologia da Libertação no continente e a permanência de seu sopro de emancipação, para além da hierarquia romana.

A seguir, algumas opiniões de Fernando Lugo, publicados em Punto Final, Carta Maior, El País e EFE.

“ Creio que a Teologia da Libertação foi a maior inspiração que tive na minha formação. Foi a ajuda científica e intelectual fundamental que me acompanhou na minha opção. Eu creio que a teologia da libertação e as comunidades eclesiais de base são instrumentos de aproximação com o povo e criam um tipo de padre que está próximo da vida quotidiana, sem divórcio entre fé e a vida. Sempre quis levar isso adiante na minha vida religiosa em San Pedro, onde trabalhei com os camponeses e em outros lugares onde me coube trabalhar. O próprio papa João Paulo II, faz um reconhecimento da Teologia da Libertação como um patrimônio da Igreja universal, na sua carta aos bispos brasileiros.”

“ Eu creio que a política é um instrumento de santidade e uma forma de caridade, creio que se deve pôr mística na política, ter força militante para fazer o bem comum para as grandes maiorias. Mas devemos ter uma proposta realizável, sem cair em utopias muito distantes.”

“ Nossa visão é de mudar a história. É romper com mais de 60 anos de um partido hegemônico que nem sequer representa seus princípios. Há muitos colorados que estão também na Aliança Patriótica para a Mudança, porque a política atual não os representa. “O que vai mudar? Vai terminar o roubo ao erário público. Nós não vamos roubar, como escandalosamente se faz em nosso país. A maneira mais rápida de se fazer fortuna no Paraguai é fazer política. Que outras coisas vão mudar? Estarão na administração pública os melhores homens. A fama que temos de ser os primeiros na corrupção, tomara que a mudemos e sejamos os primeiros em honestidade, sobretudo na transparência da gestão pública. Na Aliança Patriótica para a mudança há seis eixos que ocupam o mesmo nível de importância: a reforma agrária, a reativação econômica, a recuperação da institucionalidade da República, a justiça independente, o plano de emergência nacional e a recuperação da soberania, especialmente da soberania energética. Os seis eixos programáticos recolhidos em todo o país têm o mesmo peso, a mesma importância. A reforma agrária nunca foi feita. Há um programa elaborado pelos camponeses. Não se trata somente de distribuir algumas terras. Reforma agrária é possibilitar cidadania, que as 300 mil famílias sem terra possam ter uma vida digna, com terra, crédito, assistência técnica, cultivo adequado, mercado justo e com todos os serviços.”

“ Os movimentos populares estão na dianteira. Aqui também está o maior partido de oposição, o Partido Liberal, as forças sociais camponesas, sindicais, que fazem um grande contrapeso. O movimento Tekojoja ( Igualdade, em guarani) nasce quando os movimentos sociais se dão conta de que suas reivindicações, desde o ponto de vista social, não são atendidas, não avançam. Quando os sem-terra vêm que sua luta social está sendo criminalizada a partir do momento em que começam a processar mais de quatro mil camponeses, estes grupos começam a pensar em formar um movimento político. Em Tekojoja, as grande maioria é composta por líderes sociais jovens, estudantes, artistas e políticos que não surgem dos partidos tradicionais. Estamos convencidos de que os movimentos populares hoje têm um grande protagonismo político. Um grande passo é pensar politicamente os problemas sociais e, também, responder politicamente. Esse protagonismo é o que marca a diferença e a identidade da aliança.”