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Os meses de maio e junho estão evidenciando uma contradição na política brasileira: por um lado, o governo federal e o presidente Lula exibem grande apoio na opinião pública; por outro lado, estão cada vez mais intensas as articulações da oposição no sentido de derrotar o PT nas eleições presidenciais de 2010.

A popularidade do governo e também do presidente possuem várias causas, desde o carisma presidencial; a empatia (versão popular da consciência de classe) que os setores populares sentem por Lula; o crescimento da renda, do emprego e do consumo nas camadas populares; e as debilidades e opções da própria oposição.

As pesquisas de opinião são muito claras: o governo e presidente são apoiados por quase 70% dos entrevistados. Noutras pesquisas, metade da população defende um terceiro mandato para Lula (a legislação brasileira permite apenas uma reeleição).

Estes números, como é natural, provocam certo ufanismo em setores do governo e dos partidos que o apóiam. Mas é preciso cautela, pois há sinais contraditórios na, na política eleitoral-institucional e na organização popular.

Na economia, os principais indicadores apontam para elevação do crescimento econômico, crescimento do emprego, da renda e do consumo. Mas os números devem ser vistos com cautela.

A elevação do crescimento econômico é real e superior ao acumulado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Mas há duas questões que devem ser respondidas: a) trata-se de um crescimento sustentável? b) trata-se de um crescimento combinado com a redução das desigualdades?

Quanto a sustentabilidade do crescimento, há fortes controvérsias.

A oposição de esquerda (que possui pequena força eleitoral e social, mas presença relevante nos formadores de opinião e na mídia) minimiza o crescimento obtido pelo governo Lula e concentra suas críticas em dois aspectos: por um lado, afirma que os gargalos estruturais do país seguem presentes, o que impediria um crescimento de longo prazo; por outro lado, afirma que o crescimento obtido está nos marcos de um modelo que, ao fim e ao cabo, reproduz as desigualdades sociais.

A oposição de direita argumenta que o crescimento alcançado durante o governo Lula é produto de uma coincidência virtuosa entre duas variáveis: por um lado, as políticas do governo Fernando Henrique; por outro lado, uma conjuntura internacional favorável, sem crises e com elevação no preço das comodities.

A oposição de direita afirma, ainda, que o governo Lula deu continuidade a parte da política do governo Fernando Henrique, mas não fez as “reformas estruturais” necessárias para dar sustentabilidade ao país. Além disso, a oposição de direita acusa o governo Lula de ter ampliado de maneira irresponsável os “gastos públicos”. Por fim, a oposição de direita afirma que a atual crise internacional, combinada com a ausência de reformas e com o aumento dos gastos, farão com que o Brasil não cresça de maneira sustentada.

No governo e entre os partidos que o apóiam, há pelo menos duas correntes de opinião.

Por um lado, há aqueles que consideram que o crescimento obtido é sustentável, cabendo monitorar com atenção os fundamentos (inflação, juros, câmbio, “gastos públicos”) e, além disso, evitar a contaminação por parte da crise internacional. Esta nos parece ser, por exemplo, de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central. Mas é, também, a opinião de outros setores da coalizão que apóia o governo Lula, inclusive de petistas.

Por outro lado, há aqueles que consideram que o crescimento obtido só será sustentável se houver alteração em duas variáveis fundamentais: por um lado, a taxa de juros; por outro lado, o controle do câmbio. Alterações que se tornam urgentes, em função da crise internacional. Esta nos parece ser, por exemplo, de Guido Mantega, ministro da Fazenda, bem como de grande parte dos petistas. Mas é, também, a opinião de antigos expoentes do pensamento conservador brasileiro, como é o caso do “czar” da economia durante os governos militares, o ex-deputado Delfim Netto.

O centro da polêmica está na política de juros. O Banco Central brasileiro vem aplicando, desde o governo Fernando Henrique, uma política de juros altos. Houve uma redução de patamar, durante o governo Lula, mas a taxa real de juros (descontada a inflação) continua entre os maiores do mundo. Desde 2005, o Banco Central começou a reduzir a taxa nominal (e, em menor escala, a taxa real de juros). Agora, não apenas interrompeu a queda como decidiu ampliar a taxa em 0,5%.

O argumento em favor desta ampliação é a inflação. Na opinião dos críticos, inclusive Delfim Netto, este é um argumento sem base empírica. Tudo leva a concluir que o Banco Central usa a política de juros como política anti-cíclica, tanto no sentido de conter o crescimento, quanto no sentido de conter a ampliação dos investimentos públicos (diretamente produtivos e nas políticas sociais).

No mês de abril de 2008, nas semanas que antecederam a reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) que ampliou a taxa de juros, houve um ataque mais ou menos articulado, envolvendo de partidos de esquerda a associações do empresariado, à política implementada por Henrique Meirelles.

Mesmo assim, o Banco Central decidiu aumentar a taxa de juros em 0,5%, desafiando inclusive uma sinalização explícita do presidente da República, Lula, que havia dito que uma elevação de 0,25% não causaria grande estrago.

Esta elevação funciona como um freio de desarrumação nas políticas do governo e, ademais, agrava o problema cambial, com impactos importantes na balanço comercial e de pagamentos do Brasil. E amplia a pressão dos setores empresariais, em favor de “reformas estruturais” de tipo neoliberal –ou seja, redução nos investimentos sociais e no custo da força de trabalho–, como forma de compensar os juros altos.

As polêmicas sobre a sustentabilidade do crescimento combinam-se com a outra questão: trata-se de um crescimento combinado com a redução das desigualdades?

Sobre esta questão, há um grande consenso: houve, durante o governo Lula, uma importante elevação no emprego, na renda e no consumo de amplos setores da população brasileira. A revista Veja, incansável opositora do governo Lula, comemorou este crescimento dedicando sua matéria de capa à “nova classe dominante do Brasil, a classe C”.

O tema do “país de classe média” também está presente em setores do governo, por exemplo no discurso de Mangabeira Unger, Secretário para Assuntos de Longo Prazo da presidência da República.

O consenso acima é matizado, contudo, por outras questões. Por exemplo, a epidemia de dengue que assola o Rio de Janeiro, reveladora de que o mesmo país que amplia os seus níveis de consumo segue com problemas gravíssimos na oferta de serviços públicos, mostrando que o combate estrutural à desigualdade social ainda está no início.

Há grandes polêmicas, no Brasil, no governo e nos partidos de esquerda, sobre o crescimento e a igualdade. Mas o fato é que o governo federal e o presidente Lula são bem avaliados pela população,

Ocorre que esta avaliação positiva não beneficia automaticamente, nem naturalmente, nem o PT, nem as demais forças de esquerda, democráticas e populares que integram a administração federal.

Nessa questão, fica cada dia mais claro que o PT e as demais organizações do campo democrático-popular estão diante de uma disjuntiva: ou se apresentam divididos nas próximas eleições presidenciais, fortalecendo assim nossos adversários; ou preparam uma forte candidatura do campo democrático-popular para disputar e vencer as eleições de 2010.

O chamado campo-democrático popular têm como núcleo partidário o PT, o PcdoB, o PSB e o PDT; e como núcleo social, a CUT, a UNE, o MST e a CMP. Eleitoralmente, este campo debutou nas eleições presidenciais de 1989.

Nas eleições seguintes (1990, 1992, 1994, 1996, 1998 e 2000), houve uma progressiva ampliação do leque de aliados. Mas, entre as principais forças de esquerda, não havia dúvida sobre quem eram os aliados estratégicos.

Desde o período que antecedeu a vitória de 2002 e a posse do governo Lula, surgiram tensões no interior do campo democrático-popular, tanto entre os partidos e no interior deles, quanto entre movimentos sociais, partidos e governo.

Muitos setores passaram a advogar a seguinte tese: a “governabilidade” da administração Lula (e, por tabela, a sustentabilidade do projeto estratégico da esquerda) dependeria de uma significativa ampliação de nosso arco de alianças.

No terreno das alianças partidárias, havia desde defesas de aproximação com o PSDB, com o PMDB e com os pequenos partidos de centro-direita.

A polêmica sobre a ampliação do arco de alianças foi interrompida durante a crise de 2005 quando, atacado pelas elites econômicas, pela mídia e pela direita, o PT e o governo buscaram apoio nas forças constituintes do campo-democrático popular.

A crise de 2005 teve repercussões muito negativas sobre o PT, inclusive sobre potenciais candidatos do Partido à sucessão de Lula. Tanto adversários, quanto aliados do PT, começaram a acreditar que o Partido dos Trabalhadores não teria pernas, nem candidatura, para disputar a presidência da República, em 2010.

Esta avaliação esteve no pano de fundo da eleição do presidente da Câmara dos Deputados, especialmente no segundo turno disputado por Aldo Rebelo (PCdoB) e vencido por Arlindo Chinaglia (PT).

Posteriormente a esta disputa, constituiu-se o “bloco de esquerda”, tendo como núcleo o PSB, o PDT e o PCdoB. Desde então, tem se aprofundado a divisão das esquerdas, inclusive no terreno sindical, com a criação da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), impulsionada pelo PCdoB.

Este processo de divisão nas esquerdas está presente nas eleições municipais de 2008, geralmente em benefício do PSDB, do DEM (ex-PFL) e também do PMDB.

A novidade das últimas semanas é que a direita brasileira, que vinha apostando na inexistência de uma forte candidatura petista para 2010, deu uma contribuição involuntária para projetar o nome da ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula, Dilma Roussef.

Dilma, apontada pela imprensa como uma das alternativas de Lula, foi convocada pelo Senado para um depoimento onde se pretendia desgastar o governo e a ela própria. Logo de saída, um senador da oposição questionou o compromisso da ministra com a verdade, usando como argumento o fato da própria Dilma ter dito, à imprensa, que quando presa e torturada havia mentido para seus algozes.

O senador da oposição, ele próprio um dos apoiadores da ditadura militar brasileira (1964-1985), teve que ouvir calado a ministra Dilma Rouseff explicar a diferença entre democracia e ditadura, bem como o quando ela se orgulhava de ter mentido aos torturadores, salvando assim a vida e a liberdade de companheiros e companheiras.

Acabou ali a manobra da oposição. E demonstrou, ali, que com altivez e linha política acertada, há no PT muitos e muitas capazes da dar prosseguimento à obra do atual governo.