Um olhar sobre o mundo
Cuba sem Fidel; Eleições no Paraguai, EUA, Paquistão e Coréia do Sul; Conflitos na Colômbia, Kosovo, Quênia, Palestina e Timor Lorosae; Crise imobiliária nos EUA; Dia de Mobilização e Ação Global são alguns dos assuntos abordados no boletim número 21.
Fidel deixa a presidência de Cuba
Aproximam-se as eleições presidenciais no Paraguai
Os desdobramentos do conflito colombiano
O estado das primárias americanas
Prodi renuncia ao cargo de primeiro ministro na Itália
Kosovares declaram independência
Resultado eleitoral gera violentos protestos no Quênia
Aumenta a violência contra os palestinos
Eleições parlamentares no Paquistão
Eleições presidenciais na Coréia do Sul
Governo australiano pede desculpas à população aborígene
Tentativa de golpe no Timor Lorosae?
Nova tentativa de acordo na Rodada Doha da OMC
Governo dos EUA aprova plano para aliviar crise imobiliária
ONU quer aliança global contra tráfico humano
Avaliação do Dia de Mobilização e Ação Global do Fórum Social Mundial
Fidel deixa a presidência de Cuba
O processo eleitoral cubano teve início em outubro de 2007 com a eleição dos 15.326 membros das 169 assembléias populares locais do país equivalentes à esfera municipal no Brasil (Ver Periscópio 19).
O passo seguinte foi a eleição dos 614 integrantes da Assembléia Nacional de Poder Popular a partir da indicação do mesmo número de candidatos a partir destes locais e das seis organizações sociais do país (Central Sindical, Organização de Camponeses, Federação das Mulheres, etc). No dia 20 de janeiro a população votou em candidatos individuais ou na lista completa dos 614 nomes (voto unido) e o comparecimento dos eleitores foi de 97% dos que estavam habilitados a votar.
Uma das atribuições da Assembléia é eleger 31 de seus membros para compor o Conselho de Estado e os dirigentes máximos do mesmo. Isto ocorreu no dia 24 de fevereiro tendo Raul Castro sido eleito Presidente do Conselho e conseqüentemente também do país. Jose Ramon Machado Ventura foi escolhido como Primeiro Vice-Presidente e os outros cinco vice-presidentes são Carlos Lage, Juan Almeida, Esteban Lazo, Abelardo Colomé Ibarra e Julio Casas Regueiro. O Secretário do Conselho de Estado será Jose Miyar Barruecos.
Este sistema foi introduzido numa reforma constitucional ocorrida em 1976 e modificado no início da década de 1990. Nesta mudança foi estipulado que todos os candidatos sejam indicados pelas assembléias locais e não mais por meio da indicação de metade deles pelo Partido Comunista de Cuba como era até então.
Desde a criação da Assembléia e do cargo de presidente, este foi ocupado por Fidel Castro, que, no entanto, em função de problemas de saúde ocorridos em 2006, se licenciou do cargo que foi assumido por Raul Castro agora reconfirmado como presidente.
Fidel foi eleito membro da Assembléia Nacional em janeiro passado, mas no dia 19 de fevereiro anunciou por meio de carta publicada no Jornal Granma que não se candidataria novamente à presidência e que continuará contribuindo para o debate, os rumos e soluções para o país de outra forma. Leia mais aqui.
Foi uma notícia anunciada nas capas de praticamente todos os jornais do mundo, o que confirma a relevância e o impacto da Revolução Cubana na história contemporânea, particularmente na América Latina, bem como a importância de Fidel como uma personalidade marcante em meio a outros revolucionários do século XX.
Embora grande parte da imprensa tenha tratado o tema como uma transição política e a direita tenha emitido ruídos na expectativa de mudança de modelo econômico e político, a posição de Fidel Castro contribui para um processo sucessório no governo cubano mais tranqüilo, uma vez que será um encargo de muita responsabilidade para quem for escolhido como o novo presidente de Cuba, pois, principalmente no início, será sempre comparado com o antecessor.
Além da sucessão não apontar para mudanças maiores, os demais problemas que o país enfrenta como o Bloqueio Norte Americano, continuam e, portanto, o povo cubano deverá continuar a receber nossa solidariedade e manifestações de respeito a sua liberdade e autodeterminação.
Aproximam-se as eleições presidenciais no Paraguai
No dia 20 de abril ocorrerão eleições no Paraguai para presidente, governadores, congresso nacional e Parlamento do Mercosul (Parlasur) e pela primeira vez apresenta-se no país uma candidatura de esquerda à presidência com viabilidade eleitoral, por tratar-se de um candidato, Fernando Lugo, com fortes raízes populares e sustentado por uma coalizão de centro e esquerda.
No entanto, esta coalizão não se manteve para a Assembléia Nacional, uma vez que os partidos que a compõem querem avaliar as forças que tem, possivelmente com vistas a composição do governo na hipótese de vitória de Lugo, embora o preço disto seja a probabilidade de eleger uma minoria parlamentar, o que dificultará sua governabilidade.
Uma pesquisa realizada entre os dias 9 e 15 de fevereiro pelo “First Analysis y Estúdios” com margem de erro de 3,5% apresentou os seguintes resultados para a eleição presidencial:
– Fernando Lugo da “Alianza Patriótica para el Cambio” (APCC) com 31,2%;
– Lino Oviedo da “Unión Nacional de Ciudadanos Éticos” (UNACE) com 25,3%;
– Blanca Ovelar do “Partido Colorado” com 24,3%;
– Pedro Fadul do “Partido Pátria Querida” com 3,5%;
– Os indecisos representam 11,4% e os que não votarão em ninguém são 4,3%; Leia mais em: aqui.
Apesar da dianteira de Lugo, a tarefa não será fácil. O Partido Colorado está a 61 anos no poder e mesmo com o desgaste político natural provocado pelo tempo e pela corrupção, construiu um fortíssimo aparelho de Estado incluindo o controle sobre o Poder Judiciário.
A prévia que elegeu a candidata do partido contou com a participação de quase 300 mil filiados, que representam quase um terço do eleitorado paraguaio e, além disso, a libertação antecipada do general golpista Lino Oviedo em 2007 para que pudesse se candidatar a presidência visou tirar votos de Lugo.
Será necessária uma clara percepção da população e dos adversários de que a vitória de Fernando Lugo será por uma boa diferença do segundo colocado para que não haja fraude a favor do partido Colorado. Este é um grande risco se os candidatos embolarem na reta final.
Os desdobramentos do conflito colombiano
Os acordos do Presidente Álvaro Uribe com o paramilitarismo e a escalada das ações militares do governo colombiano com o exército melhor treinado e equipado com os recursos americanos do “Plan Colômbia” têm lhe dado algumas vantagens no combate aos insurgentes das FARC e ELN, embora ao preço do aumento da violação de direitos humanos pelo exército e de um número cada vez maior de refugiados internos no país.
Porém, o processo de libertação de três reféns das FARC que começou nos últimos meses de 2007 e que se efetivou em janeiro com a intermediação, entre outros, do Presidente da Venezuela, Hugo Chávez, representou uma vitória política deste grupo guerrilheiro, pois conseguiu estabelecer um espaço de negociação e pressão política internacional sobre o governo Uribe para que facilite a libertação de mais reféns.
A opinião pública colombiana e internacional apóia fortemente a libertação de todos os reféns e em particular da senadora Ingrid Bettancourt cuja imagem se tornou a mais conhecida e Uribe tem sido pressionado a colaborar com o processo de negociação com os insurgentes para que isto ocorra.
No entanto, este prefere manter a “linha dura” contra a guerrilha que foi, inclusive, o mote de suas duas campanhas eleitorais para a presidência da Colômbia, mas a crueldade de haver pessoas que não se envolveram no conflito seqüestradas por anos tem levado até setores sociais mais favoráveis à solução armada do conflito a mudarem de idéia e defender o diálogo.
Pegou mal quando Uribe destituiu o presidente Chávez do papel de intermediário dos contatos com as FARC, bem como a ação do exército contra a coluna que era responsável pela entrega de dois reféns à Cruz Vermelha e aos representantes internacionais no final do ano, o que colocou suas vidas em risco e postergou a libertação por algumas semanas.
A senadora Pilar Córdoba do Pólo Democrático Alternativo (PDA) que também participa das intermediações, afirmou que acredita na libertação de mais reféns em breve.
O estado das primárias americanas
Embora Barack Obama chegasse em primeiro lugar no “caucus” democrata do estado de Iowa em 3 de janeiro, seguido por John Edwards e em terceiro lugar por Hillary Clinton, este evento, uma espécie de plenária, não era relevante em termos do número de delegados que cada candidato amealharia. O “caucus” de Iowa que tradicionalmente abre o processo de eleições primárias nos EUA serve mais para demarcar quem tem condições de prosseguir na disputa, pois o pré-candidato que não eleger um delegado neste estado pode desistir.
No entanto, Obama revelou-se competitivo também nas primárias seguintes e quando terminaram as da chamada “superterça” no dia 5 de fevereiro, quando aproximadamente 40% dos delegados foram escolhidos, havia um empate técnico entre ele e Hillary que ele superou nas demais que se realizaram ao longo do mês de fevereiro terminando em vantagem sobre ela no número geral de delegados, incluindo os chamados “super delegados” (delegados natos) majoritariamente favoráveis a ela. Estes representam quase 800 votos e possuem este poder por serem governadores ou ocupar cargos parlamentares e partidários.
John Edwards desistiu após conquistar 25 delegados, mas ainda não declarou a quem irá apoiar. Hillary dependerá de se sair muito bem nas primárias que ainda restam em março que incluem algumas importantes em estados como o Texas e Ohio. Se perder deverá jogar a toalha. Se vencer, tentará validar os votos da Flórida e Michigan cujos delegados não são reconhecidos pela direção democrata nacional por não terem obedecido ao calendário eleitoral fixado pelo partido.
Ou seja, se não houver um candidato evidente até a conclusão das primárias em junho e a Convenção Nacional do Partido Democrata no final de agosto há o risco de uma divisão no partido, o que seria extremamente prejudicial na disputa com os republicanos em 4 de novembro, pois se Obama está surpreendendo e conseguindo mobilizar as bases mais populares do partido, Hillary representa as posições políticas mais ao centro.
No Partido Republicano é quase certa a escolha de John McCain como o candidato presidencial. Mitt Romney que chegou a eleger cerca de 200 delegados desistiu da campanha e declarou apoio a ele. Mick Huckabee ainda prossegue no intuito de eleger um número maior de delegados do que os alcançados por Romney para ter mais força para negociar seu apoio.
McCain se move bem ao centro político, mas terá dificuldade de conseguir o apoio da extrema direita republicana, os chamados “neocons” que têm a hegemonia no atual governo Bush. A boa notícia deste processo é que dificilmente eles ocuparão este espaço no próximo governo americano, seja qual for, mesmo que McCain tente se compor com eles de alguma maneira e vença as eleições. Resta ver se a recente denúncia do envolvimento dele com uma lobista terá repercussões.
De qualquer maneira, uma candidatura democrata feminina ou de um negro, ambos com grandes possibilidades de vencer as eleições é algo muito importante e que até agora somente havíamos assistido em filmes de Hollywood.
Prodi renuncia ao cargo de primeiro ministro na Itália
No dia 24 de janeiro, o então Primeiro Ministro da Itália, Romano Prodi, apresentou sua demissão ao Presidente Giorgio Napolitano depois de ter perdido uma moção de confiança no Senado por cinco votos e uma abstenção, mesmo tendo vencido na Câmara por 326 votos a favor e 275 contra.
Esta nova crise na política italiana começara duas semanas antes, quando a esposa do Ministro da Justiça Clemente Mastella, que ocupava um cargo público na região da Campania, foi presa por corrupção. O próprio Ministro Mastella foi também envolvido nas denúncias e renunciou ao cargo, mas apesar disso afirmou que seu partido, UDEUR (União de Democratas pela Europa), continuaria na base do Governo.
No entanto, no dia 21 Mastella anunciou que a UDEUR sairia da Unione, a coalizão de governo. Este partido é uma pequena agremiação democrata-cristã conservadora. Aliás, Mastella também foi ministro no governo anterior de Silvio Berlusconi.
A UDEUR obteve somente 1,4% dos votos nas eleições gerais de 2006, mas com suas 3 cadeiras no Senado fazia parte do grupo de pequenos partidos cujos votos asseguravam a maioria favorável a Prodi, pois a correlação de forças no Senado, antes da antes da sua saída da coalizão de governo, era de uma diferença de apenas dois votos devido às 156 cadeiras da oposição contra 158 dos senadores da Unione.
Não foi a primeira vez que Prodi se submeteu a um voto de confiança. Em seus 20 meses de governo foram 31, sendo que a primeira ocorrera praticamente um ano atrás quando sua proposta orçamentária foi derrotada no Senado devido aos votos contrários de dois integrantes da própria Unione (Ver Periscópio 12).
A crise de governabilidade deve-se em primeiro lugar à divisão quase simétrica do eleitorado italiano entre centro – direita e direita de um lado; e; centro, centro – esquerda e esquerda de outro. Em 2006, a Unione venceu por uma diferença de apenas 26.000 votos (0,1%). Além disto, o sistema eleitoral favorece que pequenos partidos como a UDEUR se beneficiem das sobras de votos e alcancem um número suficiente de cadeiras que na prática lhes dá poder de veto no interior de sua coalizão e um peso muito maior do que sua real representatividade política, como foi o caso.
Um dos debates que está sendo travado neste momento é sobre uma possível reforma do sistema eleitoral italiano para reduzir a fragmentação partidária e aumentar a estabilidade do partido ou coalizão partidária que estiver no poder do momento.
Embora isto não resolva a fragmentação dos votos da população, o fato é que o atual sistema eleitoral foi reformado por Berlusconi um pouco antes das eleições de 2006, para tentar se manter no poder mesmo sem alcançar uma maioria expressiva de votos. A manobra, ironicamente, acabou favorecendo seus oponentes. Nesta reforma foi introduzida a eleição de deputados e senadores para representar os italianos que vivem no exterior, um critério de eleição proporcional e majoritário de deputados que atribui aos partidos ou coalizões mais votados uma sobre representação na Câmara de Deputados e um sistema de quorum mínimo de votos que aumenta o peso dos pequenos partidos.
Para ilustrar este terceiro aspecto: as coalizões de partidos necessitam um mínimo de 10% dos votos para chegar ao Parlamento, os partidos que disputam sozinhos precisam de 4% e os pequenos partidos que se juntam a uma grande coalizão precisam somente de 2%. Entre os partidos que não alcançam os 2% existe o mecanismo do “melhor perdedor” onde o mais votado fica com os votos dos demais derrotados para eleger seus parlamentares. Em abril de 2006, o “melhor perdedor” foi a UDEUR.
O presidente Giorgio Napolitano aceitou a demissão de Prodi e tentou articular um acordo para instalar um governo “técnico” que pudesse encaminhar algumas mudanças na lei eleitoral e no prazo aproximado de um ano, realizar novas eleições. No entanto, a oposição reivindicou a imediata convocação delas, pois as pesquisas dão uma vantagem de 10 a 14% de vantagem para a coalizão de direita liderada pelo “Forza Itália”, o partido de Berlusconi e os pequenos partidos também apóiam esta posição, pois não têm interesse numa reforma eleitoral que possa introduzir uma eventual cláusula de barreira.
Diante da falta de consenso, Napolitano convidou o presidente do Senado, Franco Marini do Partido Democrático (PD), para formar um governo interino até as eleições previstas para o mês de abril e com a tarefa de neste período tentar aprovar a reforma eleitoral.
O PD formado em 2007 a partir da fusão do “Democratici de la Sinistra” (DS e ex-PCI), “Margherita” (ex- PDC) e outros partidos menores, defende a introdução do sistema proporcional de votos, o que lhe permitiria concorrer sozinho sem a necessidade de manter uma coalizão como a que sustentava Prodi. Há, no entanto, avaliações internas que a aliança à esquerda com os partidos Refundação Comunista (PRC), Comunistas Italianos, Verdes e Esquerda Democrática (dissidência da DS que não foram para o PD) deveria ser mantida, pois estes representam em torno de 12% do eleitorado.
Porém, alguns dirigentes destes partidos da esquerda como o presidente da PRC, Fausto Bertinotti, não acreditam na viabilidade de uma nova “Unione” e que a intenção do presidente do PD, Walter Veltroni, atual prefeito de Roma, é de fato concorrer sozinho, inclusive, para testar a viabilidade eleitoral do seu partido.
É aguardar para ver, mas tudo indica que, apesar dos bons resultados econômicos alcançados pelo governo que caiu, a Itália poderá sofrer um novo retrocesso político.
Kosovares declaram independência
Kosovo era uma antiga província da Sérvia de população majoritariamente albanesa que se tornou um território tutelado pela ONU após a derrota militar sérvia diante da ofensiva militar da OTAN em 1999 que marcou o fim da hegemonia política dos sérvios nos Bálcãs, iniciado com o desmantelamento da Federação Iugoslava no início daquela década.
No dia 17 de fevereiro, os dirigentes políticos kosovares declararam a independência da província, fortalecidos pelo estímulo recebido da própria ONU e de vários países como os EUA, Inglaterra, Alemanha, Itália e França. A ampla maioria da população também é favorável, seja pelo aspecto nacionalista, seja pela expectativa que se cria em torno da independência como meio para melhorar a vida de, aproximadamente, dois milhões de habitantes em sua maioria muito pobres e onde o desemprego supera 40%.
No entanto, apesar da posição favorável à independência destes países de grande peso político e econômico, a independência não obteve apoio político e diplomático unânime sequer na própria União Européia.
Além da oposição da Sérvia, que considera Kosovo como o berço histórico de seu Estado, Rússia e China que são seus aliados tradicionais, vários países europeus como a Espanha, Hungria, Grécia, Chipre e outros também não reconhecem esta independência, principalmente, porque enfrentam movimentos separatistas em casa.
A oposição, particularmente da Rússia e China que têm poder de veto no Conselho de Segurança na ONU, indica que o “novo país” dificilmente será reconhecido como mais um membro da organização.
Os kosovares de origem sérvia que representam em torno de 5% da população também se opõem e ameaçam adotar uma medida semelhante quanto a Mitrovica, a região onde vivem ao norte de Kosovo e próxima da fronteira com a Sérvia além de terem iniciado uma série de protestos contra a secessão e os países que a apóiam.
O principal desdobramento da iniciativa kosovar e do apoio recebido no curto prazo deverá ser um acirramento do debate sobre autonomia étnica nas regiões dos Bálcãs e do Cáucaso, bem como em determinadas regiões da Europa Ocidental como a Escócia, Flandres, Catalunha, País Basco, Córsega, entre outros onde a pressão por autonomia é grande.
Resultado eleitoral gera violentos protestos no Quênia
Uma vez anunciados os primeiros resultados eleitorais para a presidência do Quênia no final de dezembro foi apresentada uma denúncia de fraude por parte do candidato da oposição do “Movimento Democrático Laranja” Raila Odinga gerando uma onda de protestos que provocaram mais de mil mortes e a fuga de pelo menos 250 mil pessoas de suas casas até o momento.
Pelo anúncio oficial, Odinga teria perdido as eleições para o atual presidente Mwai Kibaki, candidato à reeleição. No entanto, não teria sido a primeira vez em que teria havido fraude eleitoral. Consta que também teria ocorrido em 1992 e 1997 assim como uma série de protestos, mas não na dimensão atual.
O Quênia tem sido considerado um dos países mais estáveis da África e foi, inclusive, escolhido pelo Comitê Internacional do Fórum Social Mundial para sediar sua sexta edição em janeiro de 2007, menos de uma ano antes da atual explosão de violência.
De acordo com a avaliação do ex-secretário geral da ONU, Kofi Annan, que tenta mediar o conflito, o que está na raiz dos conflitos é a falta de uma distribuição eqüitativa de recursos no país.
A luta pela independência do Quênia da Inglaterra durante os anos 1950 está entre as mais violentas da história da África e custou a morte de mais de 20 mil quenianos e a prisão em campos de concentração de um número dez vezes maior de pessoas.
A independência, entre outras razões, era também um sinônimo de acesso a terra que na época da colônia era um direito somente de proprietários ingleses. A população Kikuyu foi a que tomou a frente da luta armada contra os colonizadores por intermédio do Movimento Mau-Mau que atacava os fazendeiros ingleses, expulsando ou matando vários deles.
Jomo Kenyatta que era uma das principais lideranças do movimento de libertação viveu e estudou por vários anos na União Soviética, mas quando assumiu a presidência do Quênia independente adotou um modelo capitalista de desenvolvimento que favoreceu principalmente os ex-combatentes kikuyus na distribuição de terras e de postos governamentais. Na prática isto não favoreceu o estabelecimento de uma sociedade mais justa e apenas trocou uma elite por outra.
Com a introdução do ajuste estrutural neoliberal nos anos 1980 e 1990 a concentração de renda apenas aumentou e com a ocorrência de secas graves durante os anos mais recentes, aumentou sobremaneira a migração de camponeses para as favelas de Nairóbi e Mombassa, as duas maiores cidades do país.
Odinga que é de uma outra etnia minoritária no Quênia, os luos, fez uma campanha junto aos pobres prometendo resolver seus problemas econômicos e quando denunciou que a eleição foi fraudada, para os mais pobres significou que sua chance de melhorar de vida é que tinha sido fraudada.
Porém, não se encontram pessoas de classe média ou rica envolvidos nos conflitos, sejam de que etnias possam ser o que comprova que os que protestam são dos mais pobres que tiveram uma fé equivocada neste voto como forma de resolver suas demandas por terra, moradia e água e não um conflito étnico.
A tentativa da ONU e da União Africana é costurar um acordo de divisão do poder para aliviar as tensões, mas como disse Kofi Annan, se a raiz não for atacada, o problema se repetirá na próxima eleição. Leia mais aqui.
Aumenta a violência contra os palestinos
Apesar do encontro de Annapolis – EUA, realizado em novembro de 2007, a partir de iniciativas diplomáticas americanas e que definiu uma série de encaminhamentos para retomar as negociações de paz entre o governo de Israel e a Autoridade Palestina, o primeiro, não apenas prosseguiu com os ataques contra os moradores da Faixa de Gaza e de outros locais, como ampliou sua escalada e, consequentemente, o sofrimento da população palestina.
Os bombardeios na Faixa de Gaza têm atingido indiscriminadamente combatentes, civis, crianças, hospitais, escolas e a infra-estrutura urbana e se somam a um bloqueio à entrada de alimentos e bens de primeira necessidade, bem como cortes do suprimento de energia elétrica, combustíveis e água.
Os israelenses também proibiram totalmente a entrada e a saída da área, provocando uma situação humanitária alarmante e a uma degradação intolerável das condições de vida da população inclusive com o fechamento de hospitais e a paralisação dos serviços públicos.
Em janeiro, Christopher Gunness, porta-voz da Agência da ONU para os refugiados palestinos (Unrwa), chegou a anunciar que sua organização não poderia mais garantir a distribuição de comida a quase 900 mil pessoas se o bloqueio israelense continuasse.
Devido à pressão internacional sobre Israel houve alguns momentos em que permitiu a entrada de alimentos e combustíveis, mas em quantias insuficientes e uma das reações da população foi abrir brechas no muro que separa a Faixa de Gaza do território egípcio para desta forma acessar víveres e outros insumos básicos.
Como já tivemos a oportunidade de comentar em várias edições anteriores do periscópio, as diferentes facções políticas palestinas encontram-se divididas quanto ao posicionamento frente à Israel culminando com a expulsão pelo movimento Hamas dos dirigentes e militantes ligados ao Al Fatah do presidente Mahmoud Abbas da Faixa de Gaza em 2007 e que desde então estabeleceram sua atuação unicamente a partir de Ramallah na Cisjordânia, no meio de uma região ainda ocupada ilegalmente desde 1967.
Esta divisão gerou um quadro político do lado palestino onde o Hamas e outros grupos palestinos simplesmente prosseguem com a luta armada contra Israel, enquanto Abbas condena os ataques contra Gaza e busca negociações de paz. Do lado israelense, apesar do encontro de Annapolis, há o quadro de acirramento dos ataques contra a Faixa de Gaza e de continuidade da instalação de colônias em terras palestinas ocupadas.
O prestígio político de Ehud Olmert que havia desabado após o fiasco militar da invasão do Líbano em 2006 continua em baixa e as negociações de paz têm pouco apoio interno. Os recentes ataques contra os palestinos buscam melhorar sua imagem.
O último acontecimento foi o assassinato com a explosão de um carro-bomba de um importante líder do Hezbollah, Imad Mugniyah, que estava radicado em Damasco na Síria, provavelmente, pelo serviço secreto israelense, pois o atentado que o vitimou segue seu padrão de operações e a acusação, como de costume, não foi nem confirmada e nem desmentida pelo Mossad.
Fatos como estes aumentam a tensão e hoje dificilmente haverá uma saída que faça cessar a violência, restaure os direitos dos palestinos e dê segurança para a convivência pacífica entre o Estado de Israel e o Estado Palestino sem um envolvimento decisivo da comunidade internacional, inclusive com o envio de uma Força de Paz da ONU.
Eleições parlamentares no Paquistão
No dia 18 de fevereiro foram realizadas as eleições parlamentares no Paquistão e apesar dos alertas de que poderia ocorrer uma enorme fraude eleitoral para favorecer os partidos que apóiam o Presidente Pervez Musharraf os vitoriosos foram os dois principais partidos de oposição: o Partido Popular do Paquistão (PPP) da ex-ministra Benazir Bhutto assassinada em dezembro e a Liga Muçulmana do Paquistão – N (Liga N) do também ex-primeiro ministro Nawaz Sharif.
Estes partidos obtiveram, respectivamente, 87 e 66 cadeiras na Assembléia Nacional contra 38 da Liga – Q que apóia Musharraf e 67 outras cadeiras distribuídas entre partidos menores ou regionais.
Apesar das denominações de alguns destes partidos como o PPP, a base social que representam são diferentes setores da elite econômica paquistanesa que podem ser os donos de terra semi-feudais, comerciantes ou industriais rudimentares.
Estes partidos normalmente rivais tentarão constituir uma coalizão parlamentar forte o suficiente para neutralizar o poder presidencial de Musharraf que, no entanto, continua contando com o apoio do exército. Desde a criação do Estado paquistanês junto com a independência da Índia, o verdadeiro poder sempre foi exercido pela articulação do exército com os grandes latifundiários.
Há uma classe média pouco numerosa, mas de algum peso e representada por um número razoável de juízes, alguns inclusive da suprema corte, mas que foram afastados por Musharraf ao tentarem impedi-lo judicialmente de se eleger presidente uma vez que concorreu como militar e chefe das Forças Armadas.
Enquanto isto a população mais pobre encontra-se sem alternativa partidária e tende cada vez mais a se aproximar do fundamentalismo islâmico que organiza ajuda e serviços sociais básicos negligenciados pelo Estado, aliás, como tem sido o padrão em muitos países do Oriente Médio, Norte da África e Ásia.
Eleições presidenciais na Coréia do Sul
Estas ocorreram em dezembro passado e o eleito foi Lee Myung – bak, ex-executivo da empresa Hyundai e ex-prefeito da capital do país, Seoul com quase 49% dos votos em turno único como candidato do “Grande Partido Nacional” (GPN), conservador, de direita e herdeira dos partidos que apoiaram sucessivas ditaduras militares entre as décadas de 1950 e 1980. Sua plataforma eleitoral priorizou a discussão sobre a economia e ele prometeu que fará o PIB do país voltar a crescer no nível de 7% ao ano como no passado.
Porém, não deixou muito claro quando isto se viabilizaria e agora às vésperas de sua posse fala em criar as bases para este crescimento daqui a dez anos a partir de uma política de reformas estruturais para tornar a economia coreana mais competitiva.
A eleição de Lee colocou fim a dez anos de governo dos democratas coreanos – liberais e de centro esquerda, herdeiros dos partidos de oposição consentidos durante a ditadura – agora reunidos no “Novo Partido Democrático Unido” (NPDU) do atual presidente Roh Moo – hyun e cujo candidato Chung Dong – young foi o segundo colocado nas eleições.
Além do ajuste estrutural que pretende implementar na economia e no Estado, Lee também propõe alterar a política externa do país para priorizar as relações com os EUA e extinguir a “Sunshine Policy” de Roh que buscava uma aproximação com a Coréia do Norte, o que, inclusive, o havia levado a participar de dois encontros de cúpula inéditos realizados em Pyongyang, capital desta.
Embora tenha afirmado que apóia o processo de restabelecimento de relações normais entre as duas Coréias também anunciou que aumentará os investimentos na segurança militar e que espera que o próximo encontro de cúpula se realize em Seoul.
A Coréia foi ocupada pelo Japão em 1910 e após a derrota desta na segunda guerra mundial, a península coreana foi dividida em dois países. No âmbito da guerra fria entraram em conflito armado de 1950 a 1953 quando foi negociada uma trégua. Tecnicamente ainda estão em guerra o que é usado para justificar a permanência de tropas americanas no sul há mais de 50 anos.
O único país estrangeiro que o líder norte coreano Kim Jong – il visitou depois de assumir o governo de seu país, provavelmente por razões de segurança, foi a China. Ampliar a escalada armamentista na península coreana depois que o norte abandonou seu programa nuclear em 2007 e insistir para que Kim venha a Seoul certamente esfriará a possibilidade de aproximação e deixará a unificação dos dois países ainda mais distante do que já está.
Em 2008 haverá eleições parlamentares para preencher as 299 cadeiras da Assembléia Nacional da Coréia do Sul, 243 por meio de voto distrital e 56 por voto proporcional. Na eleição de 2004, o NPDU elegeu 140 deputados e o GPN, 129. Houve ainda a eleição de 30 parlamentares por outros partidos menores. Entre estes, a novidade foi a eleição de dez deputados do Partido Democrático do Trabalho (PDT) de cunho socialista e fundado em 2000 com grande inspiração no PT do Brasil.
Se o GPN tiver um resultado eleitoral em 2008, semelhante ao da eleição presidencial do ano passado, o presidente Lee terá uma grande margem de manobra para implantar seu programa de governo neoliberal. Leia mais em: http://www.koreatimes.co.kr/116_17280.html e http://www.koreatimes.co.kr//116_17156.html .
Governo australiano pede desculpas à população aborígene
A Austrália começou a ser colonizada pela Inglaterra somente em 1788 quando chegou o primeiro grupo de presidiários e degredados indesejáveis da metrópole para se instalar numa das regiões mais inóspitas e distantes da Europa até então. No entanto, a descoberta de ouro e o início de uma industrialização muito protegida da concorrência a partir do final do século XIX levaram este país a um alto desenvolvimento econômico e social.
No entanto, este desenvolvimento não beneficiou a população originária da Austrália. Quando os primeiros colonos chegaram, havia quase 300 mil aborígenes no continente australiano. Era uma população muito antiga e primitiva que sofreu inúmeras violências e abusos e que somente foi reconhecida como parte da população australiana a partir de um referendo ocorrido em 1967. Neste momento restavam apenas 40 mil nativos.
Desde o início da colonização sofreram um verdadeiro genocídio e entre 1910 e 1970 houve uma política de Estado deliberada para mesclá-los à população branca e extinguir geneticamente a população originária. Calcula-se que cerca de 100 mil crianças e adolescentes foram afastadas de suas famílias para serem adotadas por famílias brancas e orfanatos na expectativa de se casarem com brancos ou de não terem filhos aborígenes puros.
Há um filme chamado “Rabbit Proof Fence” (Cerca à Prova de Coelhos) que recebeu a denominação de “Geração Roubada” na versão brasileira que mostra uma história real de três crianças aborígenes que escapam de um convento e fogem ao longo de uma cerca de tela de 2.500 quilômetros erigida para proteger as pastagens e plantações dos coelhos que, inicialmente importados da Europa, haviam se transformado numa praga na Austrália.
No dia 13 de fevereiro o recém eleito primeiro ministro trabalhista Kevin Rudd apresentou publicamente um pedido de desculpas do estado australiano à “Geração Roubada” e à população aborígene pela “tentativa forçada de integração à sociedade branca desrespeitando sua liberdade e cultura” entre outras menções ao problema.
O Primeiro Ministro anterior, o conservador John Howard que governou o país por dez anos havia se recusado a adotar esta iniciativa. Rudd, no entanto também declarou que além de pedir desculpas, o governo promoverá medidas para elevar a qualidade de vida destes cidadãos que hoje somam aproximadamente 200 mil, mas que tem uma expectativa de vida muito inferior à população australiana branca.
Tentativa de golpe no Timor Lorosae?
No dia 10 de fevereiro, um grupo de ex-membros das Forças Armadas do Timor Lorosae liderados pelo também ex-oficial Alfredo Reinado organizaram atentados contra o Presidente José Ramos Horta e o Primeiro Ministro Xanana Gusmão. Este último saiu ileso, mas Ramos Horta foi gravemente ferido por dois tiros no abdômen tendo sido levado a cidade de Darwin na Austrália onde foi operado e começa a dar sinais de leve recuperação somente agora. Reinado e outro integrante de seu grupo foram mortos durante o atentado pelos agentes de segurança do presidente.
O Parlamento do país decretou estado de sítio e a Austrália ampliou sua presença militar. Inicialmente houve um esforço para capturar os demais membros do grupo responsável pelos atentados, mas a busca foi suspensa depois de uma semana.
Não há até o momento explicações claras sobre a motivação dos rebeldes e o que esperavam conseguir em caso de sucesso nos dois assassinatos, embora seja um desdobramento de uma crise nas forças armadas e no governo ocorrida em 2006. (Ver Periscópio 4).
Naquela ocasião cerca de 600 soldados de um total de 1.400, liderados por Reinado, entraram em greve alegando baixos soldos e descriminação quanto a promoções. Foram sumariamente demitidos pelo então Primeiro Ministro Mari Alkatiri, o que provocou uma rebelião com cerca de 30 mortos e a fuga dos soldados para as montanhas. O episódio custou os cargos de Alkatiri, adversário político de Xanana Gusmão desde a luta pela independência, do Ministro do Interior e do Ministro da Defesa.
Posteriormente, a maioria dos rebeldes foi capturada, mas em 2007, Reinado e um grupo de 54 soldados conseguiram fugir da prisão. Há indícios de que Ramos Horta estava tentando negociar algumas semanas antes do atentado que Reinado se entregasse em troca de uma futura anistia.
Uma possível explicação para esta liberdade de movimentos do grupo de Alfredo Reinado pode ser o descontentamento de determinados grupos de interesse com as negociações iniciadas por Mari Alkatiri e mantidas pelo atual governo que atribui ao governo timorense 50% da renda advinda da exploração de petróleo no seu litoral e da concessão da exploração de gás para uma empresa chinesa.
Anteriormente quem lucrava com estas riquezas naturais eram empresas australianas, americanas e indonésias, o que inclusive provocou a invasão indonésia em 1975 quando a antiga colônia portuguesa “Timor Leste” preparava sua independência.
O governo dos EUA “contribuiu” com o envio recente de três agentes do FBI para ajudar a desvendar o caso, mas o mais provável é que será mais uma ingerência que não resolverá os problemas do país, aliás, como tem sido muitas das próprias iniciativas da ONU que ainda tutela o Timor após sua independência. Leia mais em: http://www.vermelho.org.br/.
Nova tentativa de acordo na Rodada Doha da OMC
Quando os relatores dos dois principais grupos de negociação na Organização Mundial de Comércio (OMC), Acesso a Mercados Não – Agrícolas (NAMA) e Agricultura liberaram suas propostas de acordo no ano passado, parecia que a Rodada Doha estava morta e enterrada, pois seu conteúdo não satisfez ninguém.
Os países desenvolvidos se queixam que os países em desenvolvimento não querem liberalizar de maneira substantiva suas tarifas industriais e estes, por sua vez, reclamam, com razão, que pela proposta dos relatores terão que cortar muito mais nas suas tarifas que os países industrializados e sem receber uma contrapartida compensatória na abertura dos mercados agrícolas dos primeiros.
Os países menos desenvolvidos que não possuem indústria relevante e cujas exportações dependem de monoculturas ou algum commodity mineral tampouco vêem vantagens no atual estágio das negociações.
Mesmo assim, as reuniões e conversações prosseguiram com o estabelecimento da meta de concluir a Rodada até o final de 2008 e os relatores apresentaram novos textos no final de janeiro, cuja mudança principal é a possibilidade de ampliar o rol de produtos sensíveis que cada país poderá excluir da redução tarifária e assim proteger.
Num primeiro momento parecia que isto abriria caminho para um acordo, mas rapidamente ficou claro para os países em desenvolvimento que continuam levando desvantagem nas negociações, pois apesar de seu questionamento à fórmula de redução tarifária em coeficientes de 19 a 23, os relatores a mantiveram e isto significaria um corte insuportável para sua indústria e a manutenção de cortes menores para os países industrializados. (Esta diferença se explica pelo fato das tarifas médias dos países centrais serem mais baixas do que as dos países em desenvolvimento como o Brasil).
Além disto, os países desenvolvidos, particularmente EUA, União Européia e Japão pressionam para que seja aceito o texto de NAMA, sem fazer concessões no acordo agrícola. O governo francês acabou de anunciar que compartilha a opinião de outros 19 membros da UE que o atual texto sobre agricultura não é aceitável.
Esta posição européia, tradicional quanto à proteção de seu mercado agrícola não mudará no curto prazo e diante das eleições nos EUA em novembro, tampouco haverá concessões daquele lado que venham a desagradar os agricultores (eleitores) americanos para provocar alguma dinâmica nova.
Um dado interessante é que apesar de, o último acordo comercial global ter sido fechado em 1994, portanto 14 anos atrás, o comércio mundial cresceu, particularmente, nos últimos cinco anos.
Um outro fato a ser considerado é se todos os membros da OMC acatarão as decisões de seu Mecanismo de Solução de Controvérsias, pois os EUA, por exemplo, até o momento não cumpriram a decisão de retirar os subsídios domésticos à produção de algodão de acordo com a sentença conquistada pelo Brasil e que beneficia todos os países produtores desta commodity e nem se dispôs a compensá-lo pelo período em que descumpriu as normas da instituição.
Portanto, a tendência da maioria dos países é ser mais realista, particularmente o G – 20, e optar por nenhum acordo se a escolha for apenas um mau acordo. Leia mais em: Agência Reuters 21/02/2008.
Governo dos EUA aprova plano para aliviar crise imobiliária
O governo dos EUA anunciou um plano no início do ano para ajudar os proprietários de imóveis residenciais nos EUA que enfrentam problemas de inadimplência em suas hipotecas ou que se encontram na iminência de serem despejados.
O plano apelidado de projeto “Lifeline” inclui todas as categorias de crédito, e não apenas a categoria “subprime” (de maior risco), que está no centro da atual crise financeira, que tem abalado os mercados globais e levado economistas e investidores a prever uma recessão nos EUA.
A iniciativa aprovada pelo Congresso Americano em 12 de fevereiro incluiu um mecanismo de restituição de impostos e representa uma injeção de recursos no mercado interno de US$ 150 Bilhões.
Além do “Lifeline”, o Banco Central dos EUA (FED) também reduziu a taxa de juros de 4,25% para 3% ao ano. As duas medidas visam manter o nível de consumo da população e consequentemente os níveis de produção e emprego tendo em vista que a economia americana tem seus fundamentos principais ancorados no mercado interno e na sua capacidade de atrair investimentos externos para compensar seu déficit comercial, atualmente da ordem de mais de US$ 700 Bilhões ao ano.
As principais bolsas européias apresentaram recuperação, animadas com as notícias sobre o amparo ao setor financeiro dos Estados Unidos. Uma outra notícia que impulsionou os negócios dos investidores nos dois continentes foi que o mega investidor Warren Buffett ofereceu ajuda a algumas seguradoras americanas de títulos. Por meio de sua empresa Berkshire Hathaway, ele entrou em contato com as três maiores companhias do setor a fim de ressegurar quase US$ 800 bilhões em títulos municipais, embora a sua oferta não incluísse o resseguro para as obrigações relacionadas com o mercado de subprime, que continuariam com as empresas.
Com esse alívio, os investidores se motivaram a comprar ações do setor financeiro. Por exemplo, em Londres, os papéis do banco Barclays subiram 6,2%, mas mesmo assim, o temor sobre o desempenho das empresas do setor financeiro, no cenário atual de crise de crédito nos EUA e em outros mercados globais reduziu os ganhos das bolsas européias.
O temor de uma crise econômica global atingiu os mercados de renda variável na Europa. Ao final do dia 21 de janeiro o valor de mercado das empresas das bolsas européias apresentou redução de 207 bilhões de Euros (300 bilhões de dólares) e o índice setorial bancário caiu 6,84%.
O Commerzbank, o segundo maior banco alemão, apresentou perda de 10% após reconhecer que poderia ser obrigado a realizar novas rebaixas na valoração de ativos ligados ao subprime e o banco público alemão WestLB apontou que precisa de uma injeção de 2 bilhões de Euros para fazer frente às perdas de 2007 e às depreciações em sua carteira de valores.
Os especialistas concordam que a incerteza que afeta o setor financeiro hoje vai além das fronteiras da crise subprime. “Se finalmente ocorrer uma recessão em nível europeu, os bancos restringirão a concessão de crédito, de maneira voluntária e forçada”, diz a Ibersecurities, instituição pertencente ao Banco Sabadell, voltada à análise e consultoria para o mercado espanhol.
“As duas recessões anteriores (na década de 1990 e no ano 2000) tiveram um impacto severo no crescimento do crédito, com aumentos inferiores a 5% e quedas”, detalhou a empresa. Leia mais em: Espanha – Diário Expansión 21/01/2008.
Os dez grandes bancos norte-americanos mais afetados pela crise do mercado de crédito subprime já perderam US$ 353 bilhões em valor de mercado desde o final de agosto de 2007 até a metade do mês de janeiro. Os dados foram apurados pela Economática, a pedido do jornal Valor Online. Para se ter uma idéia, isso equivale a quase 40% de todo o valor de mercado das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e a mais de seis Bradescos.
Somente o Citigroup perdeu US$ 111 bilhões em valor de mercado, o que equivale a um recuo de 48% sobre o valor que a instituição tinha no final de agosto do ano passado. O banco valia, em 18 de janeiro, US$ 121 bilhões, ante US$ 233 bilhões antes do começo da crise.
Em segundo lugar entre os bancos cujas ações mais perderam valor em termos absolutos está o Bank of America, com redução de R$ 65 bilhões na sua capitalização de mercado, que passou a ser de US$ 159 bilhões, tomando, portanto, o lugar do Citi como o maior banco dos EUA por este critério. Leia mais em: Citi, Merrill e UBS podem ter baixa de US$ 40 bi no ano – Portal Exame 30/01/2008, Lucro do Bank of America cai 95% no quarto trimestre – Folha Online 22/01/2008, Crise do subprime leva Citi ao prejuízo de US$ 9,8 bilhões – Gazeta Mercantil 16/01/2008 e Citigroup e Merrill Lynch negociam novas injeções de capital estrangeiro – Folha Online 10/01/2008.
Em meio aos golpes sofridos pelos bancos europeus diante da crise norte-americana, surgiu uma série de rumores sobre novas fusões e aquisições. O Euro forte, associado à queda dos valores das principais instituições bancárias dos Estados Unidos, abriu caminho para especulações sobre a possibilidade de negócios tentadores para os bancos europeus.
Por outro lado, as dificuldades vividas por alguns dos maiores grupos da Europa também os convencem a lançar reestruturações radicais, que incluem a desintegração de suas áreas de investimentos, varejo e seguros de saúde. Os bancos franceses, alemães e suíços sentiram os maiores impactos, enquanto até mesmo instituições espanholas e italianas com exposição mínima aos subprimes americanos não puderam escapar.
Como de costume, os trabalhadores também sofrerão as conseqüências desta crise especulativa. A Goldman Sachs, o maior banco de investimentos por capitalização de Mercado dos Estados Unidos, planeja cortar 5% da sua força de trabalho no mundo inteiro. A redução na Goldman, que emprega cerca de 30.500 trabalhadores em todo o mundo, atingiria por volta de 1.500 empregados. A Credit Suisse disse em declaração que, “de acordo com as condições do mercado e níveis de staff planejados para atender as necessidades dos clientes, estamos reduzindo cerca de 500 empregos na divisão de investimentos, essencialmente no departamento de seguros globais”, entre eles 150 empregados no Reino Unido. E estes dois, Goldman e Credit Suisse, saíram relativamente ilesos da crise norte-americana!
O Bank of America, segundo maior banco dos Estados Unidos, anunciou em 15 de janeiro a extinção de 650 empregos. Os cortes afetarão aproximadamente 12% dos trabalhadores de mercados de capitais e do banco de investimentos e se somam às cerca de 500 demissões já realizadas no ano passado. A previsão é que as reduções somem um total de 3.000 empregos em toda a companhia.
O JP Morgan Stanley afirma que cortará cerca de 1.000 empregos (aproximadamente 2% do staff), principalmente na área de corretagem. Ocupações internas e cargos de apoio sofrerão os maiores impactos. Leia mais em: Agência Reuters 25/01/2008.
Esta crise é uma repetição com outro figurino das conseqüências da liberalização do mercado financeiro global desde a segunda metade da década de 1970 e de seu descolamento da economia real/produtiva. Repete-se também a fórmula do socorro ao sistema financeiro com recursos públicos pelo temor ao seu colapso ou à recessão e com isto os especuladores, que não geram empregos, prosseguem praticando as barbaridades que estamos assistindo, pois no final das contas, seus lucros estão sempre garantidos e protegidos pelo Estado.
Para termos mais uma idéia sobre a maneira como os governos protegem seus especuladores, a recomendação de uma reunião dos ministros de economia do G-7 no final de janeiro foi para a China desvalorizar sua moeda e os países da OPEP reduzirem o preço do barril de petróleo, duas medidas que somente beneficiariam a produção e as exportações dos países centrais. Ou seja, querem que alguns países em desenvolvimento apresentem a solução para um problema provocado e localizado no primeiro mundo ao invés de colocar limites para os abusos praticados pelos grandes bancos e especuladores em nome da economia de mercado.
ONU quer aliança global contra tráfico humano
O primeiro “Fórum de Combate ao Tráfico Humano” organizado pela Iniciativa Global das Nações Unidas contra o Tráfico Humano (UN.GIFT) realizou-se em Viena – Áustria – entre os dias 13 e 15 de fevereiro com o objetivo de formar uma aliança internacional para combater o problema.
O evento reuniu mais de mil representantes de governos e da sociedade civil de pelo menos cem países para discutir a vulnerabilidade das vítimas, o impacto do tráfico e as ações que devem ser tomadas pelos governos, mídia, setor privado e pela comunidade internacional para combater e reprimir a prática.
Segundo uma estimativa da OIT (Organização Mundial do Trabalho), cerca de 2,4 milhões de pessoas com origem em 127 países e destino de outros 137 são vítimas do tráfico humano. Este gera aproximadamente U$32 bilhões (R$56 bilhões) por ano e é a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo, atualmente. Outros dados da organização indicam que a exploração sexual atinge 44% das vítimas do tráfico humano, enquanto 32% são traficadas para trabalho escravo e 25% para uma combinação dos dois.
Segundo a ONU, o tráfico atinge países ricos e em desenvolvimento e é “o crime escondido da globalização” favorecido, principalmente, pela impunidade. As estatísticas demonstram que ocorre apenas uma condenação para cada montante de 800 vítimas.
“As provas sugerem que o problema é global, significativo e que está em crescimento”, afirma Antonio Maria da Costa, diretor do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODC).
O tráfico humano tem muitas formas. São mulheres jovens do Leste Europeu, África e América Latina traficadas para a Europa Ocidental e para América do Norte para serem exploradas na prostituição. Avalia-se que somente o Brasil contribui anualmente com 70 mil mulheres e jovens. Há o caso de famílias e vilas inteiras em escravidão, trabalhando em plantações ou minas e, particularmente, na África disseminou-se o tráfico de meninos para servirem como combatentes nos conflitos locais e regionais.
A expectativa do Fórum é ampliar a conscientização da sociedade internacional sobre o problema, bem como que mais países ratifiquem o protocolo da ONU contra o tráfico humano e desenvolvam leis para combater o crime.
Para Roger Plant, diretor do Programa de Ação Especial para o Combate ao Trabalho Forçado da OIT, “o fórum é uma oportunidade única para formar uma aliança contra o tráfico humano e eliminar o problema de uma vez por todas”. Leia mais em: http://noticias.uol.com.br/ e http://www.ungift.org.
Avaliação do Dia de Mobilização e Ação Global do Fórum Social Mundial
A Secretaria do Fórum Social Mundial (FSM) registrou a realização de mais de 800 ações em 80 países no dia 26 de janeiro, escolhido para ser o “Dia de Mobilização e Ação Global” coincidindo com a realização do Fórum Econômico Mundial em Davos – Suíça e como alternativa à realização de um encontro mundial.
Por decisão do Comitê Internacional do FSM, os próximos encontros serão realizados bianualmente. O último ocorreu em janeiro de 2007 em Nairóbi no Quênia e o próximo será em Belém do Pará, novamente no Brasil em janeiro de 2009.
Para marcar o “Dia de Mobilização” em busca de “Outro Mundo Possível” eram válidas todas as atividades como encontros, protestos, greves, atos públicos, etc, que pudessem marcar a iniciativa.
Para conhecer o que ocorreu, inclusive em cada país que participou, leia mais em: http://www.wsf2008.net/og, http://www.wsf2008.net/findaction, http://www.wsf2008.net/taxonomy/ e http://www.wsf2008.net/countries.