Nesse boletim número 19, “Um Olhar sobre o Brasil” discute as polêmicas recentes em torno da especulação da imprensa para um terceiro mandato do presidente Lula, a oposição ao CPMF e à TV Brasil, as decisões do TSE (fidelidade partidária, direito de greve do funcionalismo público e contribuições dos partidos políticos), a eleição para a nova direção nacional do PT e a saída do PCdoB da CUT.

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De dois em dois anos, o calendário político brasileiro prevê eleições. Em 2008, teremos eleições municipais. Em 2010, teremos eleições quase gerais: será eleito o presidente da República, 2/3 do Senado, toda a Câmara dos Deputados, todos os 27 governadores estaduais e as respectivas 27 assembléias legislativas.

A eleição presidencial de 2010 contém uma novidade. Pela primeira vez, desde 1989, o nome de Lula não estará entre as alternativas.

O atual presidente da República está impedido, por força da lei, de ser candidato a um terceiro mandato em 2010 (embora possa vir a ser candidato em 2014). Mas terá, sem sombra de dúvida, uma grande influência em sua própria sucessão.

A oposição de direita acredita que, sem Lula como oponente, ganhará as eleições presidenciais. Vários dos partidos que apóiam o governo acreditam que, sem Lula, o Partido dos Trabalhadores será levado a apoiar um candidato à presidência de outro partido.

O PT aprovou, em seu 3º Congresso, que lançará candidato à presidência da República. Mas parte da grande imprensa duvida desta decisão. Até há pouco, dizia que o PT seria levado a apoiar um candidato de outro partido. No final de outubro, início de novembro, a grande imprensa passou a sustentar outra tese: a de que o PT poderia defender uma mudança constitucional, que permitiria a Lula disputar um terceiro mandato em 2010.

A especulação da grande imprensa era baseada num fato: alguns deputados federais apresentaram a proposta de conferir ao presidente da República o direito de convocar diretamente plebiscitos, sem passar pelo Congresso Nacional. E um deputado deu, como exemplo do tipo de plebiscito que poderia ser convocado, aquele que alteraria a Constituição e permitiria a Lula disputar um terceiro mandato.

A proposta foi rechaçada por ampla frente, que vai da oposição de direita até a oposição de esquerda, passando pelo PT e pelo próprio Lula. Mas o fato da proposta existir e ter entre seus apoiadores um deputado federal petista, gerou uma onda de especulações sobre qual seria, de fato, a posição do Partido dos Trabalhadores.

A proposta de terceiro mandato foi rechaçada por diversos motivos.

Primeiro, porque para aprovar esta mudança constitucional seria necessária uma mobilização imensa, que provocaria uma radicalização na disputa política do país, iniciativa que não condiz com a linha moderada adotada desde 2003 pelo governo Lula.

Em segundo lugar, porque o PT e Lula se opuseram a aprovação da reeleição, durante o governo FHC, condenando entre outras coisas a mudança das regras no meio do jogo.

Em terceiro lugar, o PT tem interesse em convocar uma Constituinte exclusiva para aprovar uma reforma política. Neste contexto, a proposta de terceiro mandato apequena a proposta de Constituinte e a faz parecer um casuísmo.

Em quarto lugar, a defesa de um terceiro mandato para Lula passa a impressão de que o PT acharia que, sem Lula, está fadado a derrota –impressão que só ajuda o PSDB.

Por conta destes e de outros motivos, o deputado estadual Rui Falcão afirmou que “a oferta de um terceiro mandato consecutivo ao presidente Lula, levada na bandeja por dois deputados governistas no dia de seu 62º aniversário, foi um verdadeiro presente de grego”.

O deputado afirma, também, que “caso ocorra uma reforma política, o presidente Lula é favorável ao fim da reeleição, fixando-se em cinco anos a partir daí o mandato do presidente, governadores e prefeitos”.

A polêmica em torno do terceiro mandato só ganha espaço porque, depois de quase cinco anos de governo, o presidente Lula mantém altos índices de aprovação, em torno de 60%. Mas, como lembra o deputado Rui Falcão, que presidiu o PT em 1994, “a continuidade do programa democrático-popular do governo Lula e a manutenção dos compromissos programáticos do PT e dos partidos aliados podem ser igualmente asseguradas por meio de um candidato próprio do PT ou de seus aliados, com sustentação popular e apoiado por uma coligação. Evidente que o apoio de Lula, dada sua liderança, carisma e popularidade, bem como as realizações do governo petista jogam papel fundamental na sucessão em 2010”.

A proposta de terceiro mandato para Lula acabou servindo de pretexto para as forças de oposição endurecerem na negociação da prorrogação da CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira), tributo considerado essencial para o cumprimento das ações do governo federal.

A CPMF foi aprovada durante o governo FHC, recebendo na época duras críticas por parte do PT. A oposição do PT à CPMF, naquela ocasião, vem sendo muito explorada pela imprensa, que não se dá ao trabalho de registrar que –já naquela época– uma parcela importante do PT defendia a aprovação do tributo.

Hoje, a CPMF constitui uma fonte importante de receitas para o governo. Não aprova-la, como pretende o PSDB, desestruturaria várias políticas governamentais.

O governo fez um grande esforço para convencer o PSDB de que seria bom para o país, inclusive para as relações governo/oposição e para o próximo presidente da República, a aprovação da CPMF.

Mas prevaleceu, até o momento, na posição do PSDB, o viés oposicionista da agremiação. Mesmo sem os votos do PSDB, o governo acredita que vencerá a votação no Senado, que deve ocorrer em meados de novembro.

Outro tema em debate no Congresso Nacional é a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), por meio da medida provisória 398/07 que criou a EBC e, com ela, a TV pública (TV Brasil).

A TV Brasil começa a transmitir sua programação a partir do dia 2 de dezembro, em sinal digital, para São Paulo. O sinal será aberto, em canal que está sendo definido. A mesma programação será também transmitida para São Paulo em sinal analógico, mesma tecnologia que será utilizada para as transmissões da TV Brasil para os estados do Rio de Janeiro e do Maranhão, além do Distrito Federal.

Para além das divergências de mérito sobre os temas em debate no Congresso Nacional, fica claro que há uma polarização que corresponde à aproximação das eleições municipais de 2008.

Esta polarização, somada às dificuldades estruturais do Legislativo, tem provocado impasses que serviram de pretexto para que as altas cortes da Justiça brasileira usurpassem prerrogativas dos legisladores.

Os três exemplos mais recentes disto foram as decisões judiciais sobre a fidelidade partidária, o direito de greve do funcionalismo público e sobre as contribuições dos partidos políticos.

A resolução do Tribunal Superior Eleitoral sobre as contribuições de autoridades e cargos de chefia e direção, publicada no dia 16 de outubro, simplesmente proibe que partidos políticos recebam doações ou contribuições de “autoridades” que ocupam cargos demissíveis ad nutum (cargos em comissão) da administração direta ou indireta.

Incluem-se nessa proibição os Ministros, Secretários de Estado e do Município, presidentes, chefes ou diretores de empresas da administração direta ou indireta, inclusive as autarquias, e todos os servidores que ocupem cargos de confiança (cargos em comissão) que tiverem “função de direção e chefia”.

Não se incluem os servidores que “executam” as decisões, mas aqueles que praticam atos que “trazem em si uma decisão, e não mera execução”.

Tal resolução não atinge os mandatos eletivos, portanto, as contribuições ou doações dos filiados parlamentares e dos demais mandatários estão permitidas.

A partir da data da publicação da nova Resolução n.º 22.585, os diretórios partidários deverão se adequar às novas normas, excluindo da relação de doadores e das contribuições estatutárias, os filiados ocupantes desses cargos comissionados.

Se, eventualmente, a partir dessa data os diretórios partidários receberem, diretamente em suas contas bancárias, doações ou contribuições de filiados que se enquadrarem nas proibições impostas pelo TSE, deverão devolver tais valores através de estorno, cheque ou transferência bancária, registrando a operação com a documentação correspondente, que deverá acompanhar a prestação de contas a ser entregue no próximo ano na Justiça Eleitoral.

A nova resolução do TSE baseia-se numa interpretação totalmente abusiva da Lei 9.096/95, que em seu artigo 31, inciso II, impede que no exercício de sua função ou cargo as autoridades públicas contribuam (direta ou indiretamente, inclusive através de publicidade) com os partidos políticos.

A interpretação do TSE é abusiva, porque cassa o direito individual dos cidadãos que estão a frente de cargos públicos, de utilizarem o seu salário pessoal para contribuir com o partido político ao qual estão filiados.

O TSE cometeu o contra-senso de interpretar que as autoridades públicas não podem participar das atividades de seu respectivo partido político (entenda-se com direitos e obrigações como qualquer outro filiado), participação contra a qual não há qualquer impedimento legal ou constitucional.

Por que estes cidadãos brasileiros estarão impedidos de exercer plenamente seus direitos políticos e de participar, inclusive financeiramente, das atividades das agremiações partidárias de sua preferência?

Por trás da decisão absurda do TSE, existe a intenção de atingir o Partido dos Trabalhadores, cujos filiados que ocupam cargos comissionados são estatutariamente obrigados a contribuir com as finanças partidárias.

O PT exige como condição para a participação em suas atividades partidárias, a contribuição anual de todo e qualquer filiado. Com a nova Resolução do TSE, porém, quem possui maior responsabilidade política não poderá ajudar financeiramente o partido ao qual está filiado ou de sua preferência.

Tal decisão fere o princípio constitucional da autonomia dos partidos em definir sua estrutura interna, organização e funcionamento.

É nesse contexto que ocorrem as eleições para a nova direção nacional do PT. Em âmbito nacional, concorrem 9 chapas e 7 candidatos a presidente (ver a relação completa em www.pt.org.br).

A seguir, uma breve biografia dos sete candidatos, em ordem alfabética do primeiro nome:

Gilney Viana: 62 anos. Militante socialista desde 1961 e no PT desde seu lançamento em 1979. A partir de 1968 engajou-se na resistência armada à ditadura militar, tendo sido preso político por toda a década de 1970 saindo do cárcere, sob liberdade condicional, já militante do PT. Foi deputado federal e estadual (1995-2002); presidente do PT/MT e membro do Diretório Nacional do PT. Foi Secretário de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente do governo Lula, de janeiro/2003 a maio/2007. Gilney é medico e professor da UFMT.

José Eduardo Martins Cardozo, 48 anos, é deputado federal. Advogado, Professor e Procurador do Município de São Paulo, foi Vereador em São Paulo (1995-2003). Foi eleito deputado federal em 2003 e reeleito em 2006. Filiado ao PT desde 1980, foi membro do diretório estadual do PT São Paulo.

Jilmar Tatto, 42 anos, é deputado federal. Foi deputado estadual de 1999 a 2004. Elegeu-se deputado Federal em 2006. Atual terceiro-vice-presidente nacional do PT, foi Presidente Municipal do PT, São Paulo, SP, Secretário de Abastecimento; Secretário de Implantação das Subprefeituras; Secretário de Transportes; Secretário de Governo na gestão da prefeita Marta Suplicy, São Paulo, SP, 2001-2004; Sócio-Diretor, da empresa Asteca.

Jose Carlos Miranda, Ex metalúrgico, petista desde 1981, foi Secretário da CUT na Grande São Paulo, fundador e dirigente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos. Membro do Diretório Estadual do PT de São Paulo. Integrante do Movimento Negro Socialista ( MNS). Dirigente da tendência Esquerda Marxista.

Markus Sokol, 53 anos, é membro do Diretório Nacional do PT. Milita na tendência O Trabalho, seção brasileira da 4ª Internacional. Jovem, participou das mobilizações em seu colégio. Ajudou à reconstrução do DCE-Livre da USP. Ajudou a construção da Oposição Metalúrgica de São Paulo. Foi delegado no Congresso de Fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). No PT desde a fundação, foi Secretário Nacional de Comunicação na campanha presidencial de Lula em 1994. Em 2004, encabeçou uma petição com 15 mil assinaturas pela Retirada das Tropas Brasileiras do Haiti.

Ricardo Berzoini, 46 anos, é deputado federal. É funcionário licenciado do Banco do Brasil é um dos fundadores do PT, partido ao qual é filiado desde 1980. Foi secretário de comunicação, secretário-geral e a presidente do Sindicato de 1994 a 1998. Berzoini também foi o primeiro presidente da Confederação Nacional dos Bancários (CNB-CUT). Foi ministro da Previdência Social e posteriormente ministro do Trabalho e Emprego do governo Lula. Em agosto de 2005, voltou ao Congresso e ao mesmo tempo assumiu a secretaria-geral do PT. Foi eleito presidente nacional do PT em 2005.

Valter Pomar, 41 anos, é desde 2005 secretário de relações internacionais do PT. Gráfico e historiador, iniciou sua militância política no final dos anos 1970. Filiado ao PT desde 1985. Em 1997 foi eleito terceiro-vice presidente nacional do PT.

A nova direção nacional do PT, que será eleita em 2 e 16 de dezembro de 2007, terá entre suas tarefas preparar as condições para o PT disputar e vencer as eleições presidenciais de 2010, o que passa por um bom desempenho partidário nas eleições municipais de 2008. Terá, também, a tarefa de recompor as relações entre o PT e seus tradicionais aliados de esquerda, entre os quais o Partido Comunista do Brasil, que decidiu romper com a Central Única dos Trabalhadores e convocar o congresso de fundação de uma nova central, que deve chamar Central dos Trabalhadores Brasileiros.

Como aponta o jornalista Pedro Pomar, “a iminente legalização das centrais sindicais provocou o surgimento de novas entidades e uma reconfiguração dos arranjos existentes na ‘superestrutura sindical’. Ao que parece, o maior estímulo para isso reside na possibilidade de acesso a uma parte da receita da Contribuição Sindical (antigo Imposto Sindical), a que terão direito aquelas centrais que vierem a ser reconhecidas como tal pelo governo, uma vez atendidos os requisitos de representatividade”.

A central impulsionada pelo PCdoB pretende, segundo Pomar, “apoiar-se na estrutura da Corrente Sindical Classista (CSC), politicamente vinculada ao PCdoB, e com expressiva participação na CUT (16% dos delegados no Concut de 2006)”.

A Corrente Sindical Classista afirma estar saindo da CUT em protesto contra o “hegemonismo” da Articulação Sindical, principal corrente petista na CUT, que estaria agindo de modo a “represar” a corrente comunista, ou seja, a CSC quer crescer dentro da CUT e a ArtSind não permite. Além disso, haveria outras causas, sugeridas indiretamente, para a decisão de deixar a CUT: “a crise do movimento sindical”, “a crise da direção sindical”, e a “mudança com o governo Lula”, entre outros motivos porque “o crescimento contido não resolve” o problema do desemprego. Wagner Gomes, comunista e vice-presidente da CUT, vai além, esclarecendo que os comunistas defendem um “novo projeto de desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho” (Valor Econômico, 20/7).

Curiosamente, os comunistas decidem romper com a CUT exatamente no momento em que a direção da Central Única dos Trabalhadores vem apresentando com muita ênfase suas diferenças em relação a várias atitudes do governo Lula. Há quem diga, até por isto, que a decisão da CSC está mais relacionada ao contencioso entre PCdoB e PT. Os comunistas querem afastar-se do PT desde que Aldo Rebelo foi derrotado por Arlindo Chinaglia na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados — e, “por tabela”, teriam também optado por retirar-se da CUT. Mas, caso realmente venham a criar uma nova central, eles poderão, ao invés de reforçar o projeto de “desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho”, fragmentar ainda mais a classe trabalhadora, com ganho para os setores neoliberais que atuam dentro e fora do governo.