Redução da pobreza: FHC não combinou com os russos
Quando a Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulga que mais de 14 milhões de brasileiros deixaram a pobreza para trás,nos últimos quatro anos, no primeiro mandato de Lula, o desconcerto nas hostes conservadoras é flagrante. Previsões de FHC, feitas em 2004, reatualizam famosa frase de Garrincha. A análise é de Gilson Caroni Filho.
Gilson Caroni Filho – Especial para Carta Maior
Há três anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso prefaciava o livro “Reformas no Brasil: Balanço e agenda”, coordenado pelos economistas Fábio Giambiagi e José Guilherme Reis. Em seu texto, FHC tratava de dois temas caros ao debate econômico: a escassez de recursos para os programas sociais e a falta de crescimento, com o conseqüente aumento do desemprego.
Com a ironia habitual, que tanto encanta editores e o senso comum da classe média, também chamado pela mídia de “opinião pública”, o presidente alfinetava o governo Lula: “o que parece que os governos não podem fazer hoje é o que mais desejam e mais prometem: maiores taxas de crescimento e mais emprego. Este é o calvário dos governantes dos países em desenvolvimento, quando encontram pela frente crises financeiras e seus países estão integrando-se ao mundo globalizado”.
Estávamos em 2004. Fazia sucesso nos salões de uma certa esquerda, e seu conhecido repertório arrivista, afirmar que o núcleo duro do PT manteve o método de governabilidade incorporando o receituário neoliberal do tucanato. Era comum ouvir que o petismo havia trocando um projeto de país por outro de poder, inviabilizando qualquer alteração na dinâmica institucional. Do realismo político ao pragmatismo fisiológico a distância parecia menor do que imaginavam seus mentores. Deleitavam-se colunistas, cientistas políticos (notórios por suas avaliações de encomenda) e editores de economia. O fracasso econômico do governo Lula parecia favas contadas. O retorno da direita era uma questão de tempo.
Para efeitos de relevância explanatória, ficava combinado assim: no rastro dos juros paloccianos, o campo democrático-popular deu um cavalo-de-pau na sua própria história. Na oposição, o PT foi o maior projeto de transformação política do país. No governo, combinou superávit primário e déficit democrático. E isso teria decretado seu fim. Só esqueceram da famosa pergunta de Garrincha, quando o técnico expunha sua estratégia infalível para o jogo da seleção brasileira contra a Rússia, na Copa do Mundo de 1958: “vocês já combinaram com os russos?”. No nosso caso, algum direitista deveria ter perguntado: “já combinaram com a história?”
Como destacou Wanderley Guilherme dos Santos, em entrevista a Paulo Henrique Amorim dois aspectos levam a imprensa e seus sócios conservadores ao desespero: “O primeiro é o fato de o governo Lula ser uma experiência inédita no Brasil. É realmente um governo cuja composição de classe, cuja composição social é diferente de todos os governos até agora. Isso não foi, e dificilmente, será bem digerido. Agora, em acréscimo a isso é que, ao contrário do que se teria esperado, ou gostariam que acontecesse, este é um governo que, até agora, tem se mantido fiel à sua orientação original, independentemente das discussões internas do grupo do PT. A verdade é que as políticas públicas tem prioridades óbvias, que são as classes subalternas. Isso é algo que irrita e, conseqüentemente, faz com que aumente a disposição da imprensa para acentuar tudo aquilo que venha a dificultar e comprometer o desempenho do governo.”
Quando a Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulga que mais de 14 milhões de brasileiros deixaram a pobreza para trás,nos últimos quatro anos, no primeiro mandato de Lula, o desconcerto nas hostes conservadoras é flagrante. Com investimentos pesados em programas sociais, aumento do salário mínimo e estímulos à poupança interna, a redução da miséria bateu recordes no ano passado:15% dos pobres superaram a linha da pobreza. Um verdadeiro acinte aos rezam o credo do monetarismo neoliberal.
Não bastasse isso, o Instituto de Pesquisa Econômica aplicada(IPEA) elevou a expectativa de crescimento do PIB deste ano para 4,5%. À oposição parece nada restar que não seja a sabotagem econômica, ameaçando não prorrogar instrumentos indispensáveis à gestão fiscal.
Segundo Fábio Giambiagi, o mesmo economista do IPEA que teve seu livro prefaciado por FHC, constata-se um dinamismo na economia no que se refere aos indicadores de consumo e investimento. Talvez seja a hora de o “príncipe” voltar a pedir que esqueçam o que ele escreveu. Para tanto, conta com uma imprensa sempre disposta a tirar de foco a agenda positiva do governo. Jamais deixá-la chegar à primeira página. Quem sabe uma nova representação contra Renan Calheiros não ajude? É hora de conversar com os russos.
* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.
Publicado na agência Carta Maior em 19/9/2007