por André Singer

A rejeição, em 27 de junho passado, da emenda que previa financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais deixou no ar o problema de como avançar nesse item-chave da democracia contemporânea que é o combate à financeirização das eleições. Os que desejam coibir a influência do poder econômico ficaram com o encargo de sugerir outros caminhos depois que esse se fechou. É hora de levantar alternativas que poderiam ser adotadas.

Uma opção seria estabelecer, de imediato, uma cláusula que, sem contrariar o espírito da decisão tomada meses atrás pela Câmara dos Deputados, proibisse o recebimento pelos partidos e candidatos de doações de empresas.

Seria, assim, mantido o financiamento misto, porém, com uma redução significativa da importância do dinheiro privado. O aporte público continuaria a existir por meio do horário eleitoral gratuito e as contribuições particulares seriam limitadas àquelas ao alcance de pessoas físicas, estabelecido um teto para evitar que grandes fortunas individuais possam desequilibrar o resultado dos pleitos.

O país tem assistido a uma crescente colonização da política pelo dinheiro. Cálculos indicam que as campanhas brasileiras estão entre as mais caras do mundo. Mesmo com as restrições adotadas no ano passado, entre elas a proibição do showmício, os custos continuam proibitivos. Em conseqüência, o diálogo e a referência dos candidatos tendem a se deslocar dos eleitores para os financiadores.

Passam a existir, assim, dois tipos de cidadãos. Os de primeira classe, que, por serem doadores importantes -diretamente ou por meio das empresas que dirigem-, ficam perto da cabine de comando e têm um impacto direto sobre a conduta dos representantes. Acabam por se constituir numa aristocracia disfarçada. A massa do eleitorado, por seu turno, é relegada ao vagão da segunda classe, do qual influi pouco na direção a ser seguida.

O sentido fundamental da cidadania política, a saber, a igualdade de direitos entre os que fazem parte da comunidade, fica comprometido. Com a limitação das contribuições privadas, dar-se-ia passo no sentido de estabelecer um padrão de eqüidade na participação, ainda que seja apenas um movimento entre outros.

A simples proibição de doações de empresas e de fortunas não bastam, porque a experiência internacional mostra que, mesmo vetada por lei, se tentará a transferência de tais recursos por meios informais.

Há quem argumente, tendo em vista as dificuldades para fiscalizar o vaivém do dinheiro, que seria melhor adotar o caminho oposto. Liberar por completo a arrecadação, como nos EUA, desde que garantida a sua transparência. Ou seja, as empresas e os milionários continuariam a ter um rol privilegiado, só que o eleitorado saberia quem patrocina quem.

De fato, nenhum dos grandes países democráticos conseguiu resolver até hoje o problema da fiscalização. O financiamento público na Alemanha, por exemplo, não evitou o surgimento de escândalos importantes de financiamento privado.

Não parece um bom alvitre, contudo, o de optar pelo caminho norte-americano, o qual torna os representantes reféns de interesses empresariais. Com divulgação ou sem ela, os doadores procurarão reciprocidade das doações feitas.

Do ponto de vista da igualdade, o melhor é buscar meios para diminuir as diferenças mediante legislação e aumentar a capacidade de fiscalização do poder público e da sociedade.

Inspirada na experiência da Controladoria-Geral da União, que estabeleceu a prática de escolher por sorteio os municípios nos quais se faz uma verificação em profundidade do uso dos recursos federais, quem sabe um certo número de contas de campanha pudesse ser objeto de investigação detalhada, além da que é universalmente realizada.

Tal procedimento inibiria, em outras tantas candidaturas, a iniciativa de usar recursos proibidos. Por outro lado, com campanhas mais baratas, a própria população poderia denunciar a utilização de propaganda visivelmente exagerada.

A vitalidade das instituições representativas depende da sua abertura ao cidadão comum e aos movimentos da base da sociedade. Desse ponto de vista, libertar as campanhas políticas do domínio econômico é decisivo.

Haveria tempo para começar a fazê-lo já em 2008. Basta que os partidos no Congresso Nacional aprovem emenda, ainda no segundo semestre de 2007, que proíba as contribuições empresariais e de grandes fortunas.

Isso possibilitaria reduzir o peso do dinheiro na escolha de prefeitos e vereadores no ano que vem e dar uma resposta positiva aos milhares de cidadãos desencantados com a política nacional.

André Singer, 49, jornalista e cientista político, é professor do Departamento de Ciência Política da USP e da Fundação Getúlio Vargas. Foi secretário de Redação da Folha e secretário de Imprensa e porta-voz da Presidência da República (governo Lula).

Artigo publicado na coluna Tendências/Debates do jornal Folha de S.Paulo, edição de 12/09/2007.